SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.58 número4 índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Indicadores

    Links relacionados

    • En proceso de indezaciónCitado por Google
    • No hay articulos similaresSimilares en SciELO

    Compartir


    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.58 n.4 São Paulo oct./dic. 2006

     

     

     

    GINECOLOGIA

    Testes genéticos: seleção nada natural

     

    Os cuidados que cercam a gravidez atualmente vão bem além do que nossas avós jamais sonharam. O acompanhamento médico na gestação é intenso, o que inclui testes genéticos com diferentes funções, realizados principalmente na rede particular de saúde. Testes tradicionais, mesmo quando não apontam a existência de qualquer problema com a criança ou com a mãe, já não bastam. Exames cada vez mais detalhados são requisitados durante a gestação, até mesmo testes de paternidade, sem a necessidade de prescrição e orientação médica e psicológica. Porém, não há consenso na comunidade científica brasileira sobre os benefícios desse controle estrito do corpo grávido, visto que possíveis alterações no feto — como ocorre nas síndromes de Down e Turner — não têm possibilidades terapêuticas e a prática do aborto é proibida no Brasil.

    Por que, então, prescrever investigações genéticas às futuras mães, se elas estão impedidas legalmente de interromper a gravidez? Essa questão mobilizou uma pesquisa realizada no serviço de genética clínica de um grande hospital no Rio de Janeiro pela médica Cristina Guilam, professora no Instituto Oswaldo Cruz. Os geneticistas e médicos, entrevistados pela pesquisadora, argumentam a favor da realização de tais exames por permitir a documentação do caso e preparar a família para receber uma criança com necessidades especiais. Mesmo cientes da proibição da legislação brasileira ao aborto em casos como a síndrome de Down, esses médicos encaminham à justiça pedidos de famílias que, mesmo negados, servem de pressão sobre o Ministério Público para discussões jurídicas sobre o tema.

     

     

    Cristina Guilam ressalta, entretanto, que para a família da gestante, os argumentos médicos não parecem ser tão fundamentais. Muitas mulheres recusam-se a fazer os exames, por diferentes razões: medo de perder o feto; por discordarem da vantagem da antecipação diagnóstica; ou ainda, devido à ilegalidade do aborto, cita a pesquisadora.

    Medo, ansiedade, angústia foram os sentimentos mais experimentados pelas mulheres observadas pela psicóloga Alice Salgueiro do Nascimento Marinho, do Instituto Fernandes Figueira da Fiocruz, durante os quatro anos que acompanhou gestantes no pré-natal considerado de "risco genético". Alice Marinho relata que a associação com as imagens criadas pela pintora Frida Khalo foram imediatas. A dor das gestantes que recebem um diagnóstico pré-natal desfavorável, geralmente no segundo trimestre de gravidez, aproxima-se da dor de uma maternidade não realizada, como as que Frida expõe na tela A cama voadora. Para a psicóloga, a realização de uma bateria de testes, bem como a participação nas sessões de aconselhamento genético, produzem sobrecarga emocional desnecessária à gravidez, e colocam em jogo questões de ordem ética, moral e religiosa que pouco ajudam na gestação. Além disso, recai sobre a mulher e familiares a responsabilidade de ter filhos com alterações genéticas. O que antes era atribuído a uma vontade divina, ao destino ou à natureza, pois nada poderia ter sido feito para prevenir tão situação, passa a ser encarado como uma irresponsabilidade da mulher.

    ABORTO Entre os problemas éticos decorrentes dos testes genéticos o mais polêmico e debatido é o aborto. Cristina ressalta que não é possível afirmar categoricamente que o número de abortos tem crescido devido aos testes, "mas o relato de médicos sobre a inexistência de bebês com más-formações graves nas unidades particulares não corresponde à expectativa teórica do nascimento de cerca de 2 a 3% de crianças com essas características. Esta é uma evidência de que mulheres com poder aquisitivo recorrem, por via clandestina, à interrupção da gravidez".

    Movimentos sociais, organizações não-governamentais e pesquisadores que defendem os direitos à vida de crianças com necessidades especiais consideram que a realização de um aborto, para não-nascimento de fetos indesejáveis, com alto custo social, se anuncia como uma forma de eugenia.

    MUTILAÇÃO TERAPÊUTICA Da mesma forma, o uso indiscriminado e em larga escala de testes genéticos para detectar propensão a doenças futuras que ainda não são curáveis, cuja profilaxia resulta na retirada de órgãos, é um fenômeno preocupante em crescimento. Nos EUA, por exemplo, os testes genéticos para verificar a possibilidade de desenvolver um câncer de mama e a retirada de seios como medida preventiva — a mastectomia bilateral profilática — são indicados e aprovados por grande parte da comunidade médica. A banalização dessa prática motivou, inclusive, uma série popular de TV — Everwood, também veiculada no Brasil — a criar um episódio com esse tema. Uma jovem consulta o médico, um dos personagens centrais do seriado, sobre a possibilidade de fazer mastectomia após realizar os testes genéticos, pois a irmã e a mãe tiveram câncer de mama e sua possibilidade mostrou-se alta. A decisão de extirpar os seios — revertida no final do episódio — causa uma crise ética no profissional.

    No Brasil, a maioria dos médicos ainda prefere fazer o controle da doença via exames tradicionais, como apalpar os seios e prescrever mamografias e ecografias. Porém, casos de retirada dos seios como medida profilática já começam a surgir e ganharam divulgação em grandes jornais do país. A pesquisadora Marlene Braz, da Fiocruz, preocupada com a banalização dos testes genéticos e suas conseqüências, fez um estudo com mulheres que realizaram testes genéticos para diagnosticar a propensão ao câncer de mama. Descobriu que entre essas mulheres existe a crença, reforçada pela mídia, de que os testes além diagnosticar um gene mutante, são capazes também de prevenir o câncer. A cientista ressalta que "o diagnóstico genético não garante que se possa impedir o surgimento do tumor" pois a maioria dos casos tem causas desconhecidas e o gene que pode ser identificado nos testes genéticos — o BRCA1 mutado — é responsável apenas por 5 a 7% dos casos registrados. Ou seja, mesmo que a mulher obtenha um resultado negativo, nada garante que não vá desenvolver um câncer no futuro.

     

    Susana Dias