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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.58 n.4 São Paulo out./dez. 2006

     

     

    APRESENTAÇÃO

    VISÕES DO TRABALHO

    Marcio Pochmann

     

     

    O trabalho tem sido visto, século após século, como atividade inalienável do ser humano. Desde a antiga Grécia, que o trabalho apresentava uma dupla visão. De um lado, a visão sublime, associada à organização emancipatória e criativa da sociedade humana. De outro, a visão pejorativa, relacionada à busca fundamental da sobrevivência.

    Paradoxalmente, quando o mundo que emerge neste começo de século encontra-se mais produtivo e com escala de riqueza muito acima da necessidade humana global, parece prevalecer justamente a visão pejorativa do trabalho. Sabe-se, contudo, que a evolução das sociedades tem permitido ao homem libertar-se gradualmente do trabalho vinculado tão somente a estrita obrigação da sobrevivência.

    Nas antigas sociedades agrárias, o trabalho voltava-se ao financiamento da sobrevivência do ser humano, da fase infantil ao envelhecimento final. Em grande medida, a população era prisioneira do trabalho pela sobrevivência.

    Somente com a transição para a sociedade urbana e industrial é que surgiram modalidades emancipatórias da condição de trabalho pela sobrevivência a que estavam condenadas as classes trabalhadoras. Por meio da proibição do trabalho infantil e adolescente e da liberação do idoso pela aposentadoria e pensão, houve avanços no sentido menos pejorativo do trabalho.

    Mas isso dependeu fundamentalmente das ações voltadas à montagem de fundos públicos capazes de viabilizar o financiamento da inatividade de crianças, adolescentes e idosos através de uma garantia generalizada de serviços (saúde, transporte e educação públicas), bens (alimentação, saneamento e moradia) e renda (bolsa e subsídios), sempre que necessários para elevação do padrão de bem estar social.

    Nas três últimas décadas, a emergência da sociedade pós-industrial abriu uma nova perspectiva de alívio à visão pejorativa do trabalho como obrigação pela sobrevivência. A crescente postergação do ingresso dos jovens no mercado de trabalho e a maior redução no tempo do trabalho dos adultos, em combinação com a maior ênfase do ciclo educacional e formação profissional, representam novas possibilidades de visões sublimes do trabalho no mundo.

    No Brasil, porém, a visão predominante permanece ainda prisioneira do passado. A presença de crianças, adolescente e idosos no mercado de trabalho, bem como a elevada jornada, revelam o anacronismo da visão nacional sobre o trabalho, fortemente centrado na luta pela sobrevivência, sobretudo da população de baixa renda.

    Dentro desse quadro brasileiro e mundial é que a temática do trabalho procurou ser analisada de modo interdisciplinar neste Núcleo Temático. Para isso, tomou-se a iniciativa de reunir um importante conjunto de analistas e equipes de pesquisa de várias áreas e universidades do país, numa visão mais ampla possível da complexa atualidade dessa temática.

    Inicialmente, Marcelo Proni apresenta uma visão histórica das transformações do trabalho humano sob o predomínio do modo de produção capitalista. De maneira dialética, o trabalho tem sido transformado pelo capital na mesma medida em que tem se metamorfoseado durante os últimos três séculos.

    Mesmo se transformando, o trabalho permanece central na vida humana, conforme Wolfgang Leo Maar expõe em seu artigo.

    Não sem motivo, a dinâmica capitalista termina por revelar novas possibilidades. Mas para que as possibilidades técnicas de estabelecimento de um novo padrão sublime do trabalho de fato aconteçam torna-se fundamental a ação intensa e renovada da política e da reorganização em novas bases da sociedade humana, como argumento em meu artigo.

    Isso porque o trabalho e o seu tempo comprometido pelo homem tem repercutido inequivocamente na vida humana. Na visão de Sadi Dal Rosso, a jornada do trabalho ganha dimensão reveladora do potencial pejorativo e sublime do tema.

    Da mesma forma, o trabalho tem possibilidades distintas no uso e remuneração. Justamente por isso, a desigualdade na renda se estabelece, segundo a visão de Alexandre Gori. No caso brasileiro, a estabilidade na repartição desigual da renda subverte, inclusive, avanços civilizadores que o capitalismo foi capaz de apresentar em outras nações.

    Para José Antônio Gediel, o cooperativismo representa uma outra forma de organização do uso e remuneração da mão-de-obra, alternativa à competição que ocorre. E não por acaso, as relações do trabalho no Brasil terminam encontrando especificidades bem reveladas por Carlos Henrique Horn. Com a ociosidade alargada da mão-de-obra, o desequilíbrio estrutural nas relações entre o capital e o trabalho não são amenizadas.

    Seja pela visão de gênero no uso e remuneração do trabalho, conforme perfeitamente diagnosticado por Laís Abramo, seja pela visão da educação e qualificação, argumentação desenvolvida em artigo conjunto de Cláudio Salm e Azuete Fogaça, a desigualdade marca profunda e complexamente a sociedade brasileira. Nesse quadro, o papel da previdência social é bem assinalado por Guilherme Delgado. O complexo mundo do trabalho tem sido muito bem capturado pelos diretores, atores e cinegrafistas de plantão. Ricardo Amorim, enfim, analisa uma série de excelentes filmes que procuram trazer para as grandes massas, mensagens e impressões fecundas sobre o trabalho e a sua natureza de manifestação humana.

     

    Marcio Pochmann é professor e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit) da Universidade Estadual de Campinas(Unicamp).