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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.58 no.4 São Paulo Oct./Dec. 2006

     

     

    TRANSFORMAÇÕES NO MERCADO DE TRABALHO E DESIGUALDADE SOCIAL NO BRASIL

    Alexandre Gori Maia

     

    Acompanhando as recentes transformações da economia mundial, o Brasil apresentou nas últimas décadas profundas alterações na estrutura de seu mercado de trabalho. Até os anos 1970, as indústrias de transformação e construção civil eram o alicerce da economia nacional. Nos anos 1980, houve uma ligeira proteção do emprego industrial e uma expansão dos serviços públicos sociais e dos serviços produtivos voltados para o consumo de alta renda. A partir da década de 1990, evidencia-se uma rápida abertura do mercado nacional, afetando radicalmente a capacidade de geração e o nível de emprego dos diversos setores econômicos. Entretanto, essa reestruturação não foi capaz de modificar o quadro de extrema exclusão social existente no Brasil: mesmo ocupando a 14ª posição da economia mundial em 2004 (1), o país ainda apresenta um dos piores índices de concentração de renda do planeta e um índice de desenvolvimento humano pouco condizente com sua vitalidade econômica (2).

    O surpreendente avanço tecnológico iniciado na década de 1970 nos Estados Unidos, que automatizou as indústrias e reorganizou a estrutura das empresas, permite hoje que os processos produtivos sejam interconectados e o capital seja transportado de um lado para outro em curtíssimo espaço de tempo. A flexibilização da produção, desconcentração industrial, busca de qualidade total, formas transitórias de produção e outros tipos de desregulações estão cada vez mais presentes nas indústrias, que buscam se adaptar às novas formas de produção e à lógica do mercado mundial. Nesta nova sociedade informacional o conhecimento científico e tecnológico é uma das principais propriedades do ser humano e, ao mesmo tempo em que se reduz o tempo físico do trabalho no processo produtivo e do trabalho manual direto, amplia-se o trabalho intelectual. As grandes empresas informacionais procuram agora manter os empregados mais qualificados importando insumos das áreas de mais baixo custo (3). Há subcontratação de parte do trabalho para seus estabelecimentos transnacionais, generaliza-se a utilização de mão-de-obra temporária e, ao mesmo tempo, busca-se o consentimento da força de trabalho para a reversão de contratos sociais mais benéficos aos trabalhadores.

    O impacto no mercado de trabalho foi imediato. Em algumas áreas os trabalhadores se tornaram mais qualificados, como o supervisor e o vigilante de um processo produtivo, enquanto houve desqualificação em outros setores, como na metalurgia, onde a habilidade do trabalhador foi substituída pelo simples papel de operador de máquinas semi-automáticas. A automação acentuou o processo de eliminação do emprego rural, redução do emprego industrial e, por outro lado, fez crescer o peso do setor de serviços na estrutura social, principalmente serviços pessoais.

    Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (PNAD) do IBGE, de 1981 a 2004 há, entre os ocupados, crescimento de 6 pontos percentuais na participação dos profissionais (ocupações do tipo liberal, trabalhadores de escritório, prestadores de serviços e outras ocupações de status social mais elevado), que eram pouco mais de 26% dos ocupados em 1981 e passam a 32% em 2004. Por outro lado, como impacto direto da mecanização agrícola (4), evidencia-se um acelerado processo de redução do emprego agrícola, que passa de 28% dos ocupados em 1981 para 20% em 2004.

    A informatização e reorganização das empresas afetam desde profissionais qualificados à massa operária, introduzindo a individualização e a fragmentação do trabalho no processo produtivo. Ao mesmo tempo, há uma expansão generalizada do trabalho temporário e do trabalho de meio-expediente. Como afirma Ricardo Antunes (2000), ao contrário de desproletarização, há uma significativa subproletarização do trabalho em virtude de diversas formas de trabalho parcial, precário, terceirizado, subcontratado, vinculado à economia informal e ao setor de serviços.

    A informalidade e o desemprego estão ainda associados aos menores padrões sociais. Os ocupados sem contribuição previdenciária oficial representam mais da metade da mão-de-obra ocupada do país (52%) e mais de 80% dos ocupados na massa agrícola. São 75% dos ocupados de famílias com rendimento familiar de até 1/2 salário mínimo e apenas 25% entre os ocupados de famílias com rendimento familiar superior a 20 salários mínimos.

    Já o desemprego representava, em 2004, cerca de 12% da população economicamente ativa nas famílias com renda familiar inferior a 1/2 salário mínimo, e apenas 2% nas famílias com renda superior a 20 salários mínimos. Pode-se ainda afirmar que o crescimento da taxa de desemprego nas últimas décadas dirigiu-se basicamente aos estratos mais pobres da sociedade, passando de 7% em 1982 para 12% em 2004 entre os integrantes das famílias com menores rendimentos, enquanto que, entre as famílias com os maiores rendimentos familiares, houve redução de 3% para 2%.

    A análise dos indicadores de distribuição de renda mostra um cenário ainda mais preocupante. Segundo dados do Human Development Report (HDR) – Organização das Nações Unidas (ONU), de 2004, o Brasil apresenta historicamente uma desigualdade extrema, com índice de Gini próximo a 0,6. Este valor indica uma desigualdade brutal e rara no resto do mundo, já que poucos países apresentam índice de Gini superior a 0,5. Dos 127 países presentes no relatório, o Brasil apresenta o 8º pior índice de desigualdade do mundo, superando todos os países da América do Sul e ficando apenas à frente de sete países africanos.

    Outra maneira de analisar a concentração de renda é a partir da massa apropriada pelos relativamente pobres e ricos, permitindo uma visualização mais concreta do que se passa nos extremos da distribuição de renda da população. Em 2004, os 10% brasileiros mais ricos concentravam quase 50% da renda nacional, com uma parcela apropriada de renda 23 vezes superior aos 20% mais pobres. Relação de extrema desigualdade quando comparada a uma nação mais igualitária, como a japonesa, onde os 10% relativamente ricos possuem uma parcela de renda apenas 2 vezes superior à dos 20% mais pobres.

    Passados 23 anos de transformações econômicas, pode-se ainda afirmar que o cenário pouco se modificou e os relativamente pobres continuam tão pobres quanto antes: a parcela de renda apropriada pelos 40% mais pobres passou de 8% em 1981 para 9% em 2004. Já os 10% mais ricos reduziram em apenas 1% a participação na renda apropriada total (de 46% em 1981 para 45% em 2004) e o índice de Gini chega a 2004 igual a 0,58, valor muito próximo aos 0,59 observado em 1981.

    A retomada do crescimento econômico seria essencial para contornar esse quadro excludente, recuperando o nível de emprego e melhorando as condições sociais da população. Após quase 50 anos de intenso crescimento econômico, a economia brasileira mergulhou em uma dura estagnação econômica na década de 80, sendo observável desde então a extremamente preocupante redução do número de pessoas com empregos em estabelecimentos minimamente estruturados, num país que vislumbra um rápido crescimento da população ativa por ainda um bom período de tempo.

    O desejável crescimento econômico não pode, entretanto, desconsiderar a capacidade de suporte do meio ambiente, que impõe limites quando suas atividades não são acompanhadas por uma política de desenvolvimento sustentável. O crescimento descontrolado da população e a expansão das grandes indústrias, baseada no uso abusivo dos combustíveis fósseis, abriram caminho para uma expansão inédita da escala das atividades humanas, pressionando a base limitada e cada vez mais escassa dos recursos naturais do planeta. Conciliar crescimento econômico, redução da desigualdade e uso sustentável dos recursos naturais seria, portanto, o grande desafio de uma sociedade que busca mitigar seu quadro de extrema exclusão social de forma efetiva e permanente.

     

    Alexandre Gori Maia é pesquisador do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e do Centro de Estudos de Economia Sindical e do Trabalho.

     

     

    NOTAS

    1. Fonte: Banco Mundial.

    2. Segundo informações do relatório da Organização das Nações Unidas, HDR (Human Developmente Report) de 2005, a desigualdade brasileira, medida pelo índice de Gini, era apenas inferior àquelas observadas em 7 países do mundo. Pelo mesmo relatório, o Brasil ocupava a 63ª posição em índice desenvolvimento humano.

    3. Castells, M. A sociedade em rede. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1999.

    4. Belik et al (2003) citam o impacto das novas colhedoras sobre o nível de demanda de mão-de-obra agrícola, como, por exemplo, uma colhedora na cultura de algodão que substitui o trabalho de 80 a 150 pessoas; uma colhedora automotriz na cultura de café que elimina o trabalho de até 160 pessoas; e uma colhedora na cultura da cana-de-açúcar ou de feijão que elimina o trabalho de 100 a 120 pessoas.

     

    BIBLIOGRAFIA SUGERIDA

    Antunes, R. Os sentidos do trabalho: ensaios sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo Editorial, 2000.

    Baltar, P. E. "Crise contemporânea e mercado de trabalho no Brasil". In: Oliveira, M. A. (Org.). Economia & Trabalho. Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas (Campinas), v. 1, p. 147-161, 1998.

    Belik, W.; Balsadi, O. V.; Borin, M. R.; Campanhola, C.; Del Grossi, M. E.; Graziano da Silva, J. "O emprego rural nos anos 90". In: Proni, M. W.; Henrique, W. (Org.) Trabalho, mercado e sociedade: o Brasil nos anos 90. Campinas: Instituto de Economia da Unicamp; São Paulo: Editora Unesp, 2003.

    Castel, R. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Petrópolis: Editora Vozes, 1998.

    Dedecca, C. S. "Desemprego e regulação no Brasil hoje". Campinas: Cesit, Cadernos do CESIT, nº . 20, 1996.