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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.58 n.4 São Paulo out./dez. 2006

     

    PATRIMÔNIO

    FAZENDA PINHAL PRESERVA HISTÓRIA DO CAFÉ NO INTERIOR PAULISTA

     

     

    O vagonete cheio de grãos de café secos entra na tulha. A construção aproveita o declive do terreno, de forma que a entrada é no ponto mais alto de três andares que abrigam depósitos de café e maquinaria para seu processamento. Alçapões sob os trilhos permitem que os grãos escoem do veículo para os armazéns no andar abaixo. Ali o café pode ficar estocado até 3 anos sem se deteriorar, explica o maquinista Juliano Jorge Sarraf de Oliveira.

    Quando funcionam, as máquinas fazem vibrar a tulha, construída em pedra e taipa de mão, o que a torna sólida mas, também, flexível. Todo esse ritual de transporte e armazenamento acontece na fazenda Pinhal, em São Carlos, que integra a história da atividade cafeeira do interior paulista desde o final do século XIX e é tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

    "A fazenda Pinhal é um sítio arqueológico de valor histórico riquíssimo", considera a pesquisadora Ema Camillo, do Centro de Memória da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A propriedade, onde essa estrutura produtiva está de pé ainda hoje, pertenceu ao Conde do Pinhal. Foi de sua capela que saiu, em 1857, uma procissão levando a imagem de São Carlos Borromeu até o local onde hoje está a catedral, a 12 quilômetros da sede da fazenda, consolidando a fundação da cidade de São Carlos.

    DO PLANTIO AO PROCESSAMENTO A atividade agroindustrial de mais de um século nessa fazenda se mantém até hoje. O depósito foi construído de forma a permitir dividir-se em vários compartimentos, por meio de espessas tábuas que são encaixadas em pilares, formando paredes. O chão é inclinado. Dessa forma a vibração faz os grãos escoarem para serem beneficiados.

    O andar de baixo abriga parte das máquinas. Juliano conta que a escada antiga quase encostava na máquina, o que dificultava o trabalho. Durante a reconstituição do complexo ela foi substituída por um modelo projetado por Santos Dumont, que devido aos degraus dispostos na diagonal ocupa metade do espaço. "Não esqueça de começar com o pé direito", avisa Juliano. A escada só funciona assim.

    O beneficiamento do café estocado ocorre no andar inferior. Juliano abre uma portinhola, pela qual os grãos escorrem para o tapi, uma esteira de borracha e madeira. Dali, caem na bica de jogo, que retira impurezas. Entram então no elevador, que são cumbucas que sobem por um tubo vertical presas a uma correia de borracha. Toda a tubulação é de madeira, com tubos de forma quadrada.

    Os grãos sobem até o andar mais alto, de onde caem para o segundo piso: os brunidores descascam e o classificador os separa por tamanho. Ventiladores dentro dos aparelhos sopram as cascas para fora da tulha, onde poderão ser recolhidas para aproveitamento no solo da horta ou do pomar. O café descascado cai então de volta para o primeiro andar onde se distribui em sacas, já separado em três tamanhos.

    RECONSTRUÇÃO O maquinário da fazenda Pinhal ficou abandonado por muitos anos, só restando vestígios de sua existência. O suficiente, porém, para indicar que a máquina usada era uma Mac Hardy, que não tinha no Brasil representante em funcionamento. A equipe da fazenda Pinhal encontrou somente duas, fora de operação. Conseguiu comprar uma, que pertencia à fazenda Santa Sofia, da família de Santos Dumont.

    Segundo a pesquisadora da Unicamp, autora do Guia histórico da indústria nascente em Campinas (1850–1887), editado pela Mercado das Letras, em 1998, William MacHardy chegou ao Brasil em 1872. Vinha da Escócia para trabalhar como mecânico na Milford & Lidgerwood, que importava máquinas dos Estados Unidos e as adaptava às necessidades da lavoura local. Em 1875 ele montou sua própria fundição, em Campinas. Criou-se então acirrada competição com a Lidgerwood, que fez os preços caírem. Essas inovações tecnológicas foram essenciais para melhorar a produção e qualidade do café, que era na época a mercadoria mais exportada pelo Brasil. Em contrapartida, "sem dúvida, foi o café que impulsionou a indústria", completa Ema Camillo.

    O sistema de máquinas adquirido pela fazenda no seu projeto de restauração da atividade cafeeira é do final do século XIX, quase igual ao que um dia funcionou na Pinhal. Para que pudesse funcionar, houve um trabalho de reconstrução, comandado por um grupo de técnicos de São Sebastião do Paraíso, em Minas Gerais. Juliano construiu toda a parte de madeira. A equipe mineira trabalha com manutenção de máquinas de beneficiamento de café, mas nunca tinha antes montado uma Mac Hardy. Foi preciso juntar seu conhecimento com algum levantamento histórico, e o resultado é uma maquinaria em perfeito estado.

    A casa de máquinas do conde do Pinhal tirava sua energia de uma turbina movida por água desviada do Laranja Azeda, riacho que passa logo abaixo da tulha. Faz parte dos projetos restaurar a turbina, mas Francisco de Sá Neto, atual administrador da fazenda, conta que eles ainda não sabem como farão para movê-la sem prejudicar o volume de água do riacho. Os canais que levavam a água estão hoje soterrados. As máquinas atuais funcionam com uso de energia elétrica, que foi instalada e cedida pela CPFL.

    Para Ema Camillo, ainda falta completar várias etapas na restauração para que a Fazenda Pinhal se transforme em um sítio arqueológico histórico e industrial. Para isso, é crucial recuperar o sistema de energia hidráulica que movia a casa de máquinas. "A memória da técnica com o sistema em operação permitirá estudar a cultura material no século XIX", explica.

    A tulha foi o primeiro passo do projeto de recuperação do patrimônio histórico da fazenda, para ensino e pesquisa, uma iniciativa com participação do Departamento de Arquitetura e Urbanismo do campus de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP-SC). "A tulha é importante, pois é o elo entre a cafeicultura e a industrialização", diz o administrador. O plano agora é restaurar outras estruturas, como a serraria, e instalar salas de aula em partes não utilizadas dessas construções históricas, acrescenta o administrador.

    APOIOS E PARCEIROS O financiamento vem de atividades hoteleiras e doações à Associação Pró Casa do Pinhal, fundada em 1990. Além disso, parcerias com universidades possibilitam atividades de pesquisa e outras formas de financiamento.Um dos projetos em curso é o "Pinhal digital", junto ao campus de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP) e à Universidade Federal de São Carlos (Ufscar). Segundo Luzia Sigoli Costa, biblioteconomista da Ufscar, o projeto vai incluir diversos aspectos da Pinhal num banco de dados digital, como os patrimônios histórico, arquitetônico e natural, para consulta do público leigo e especializado. Outras parcerias universitárias incluem a Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Araraquara e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

     

     

    Como parte de um projeto da prefeitura e da Secretaria de Educação de São Carlos, professores da rede municipal fizeram um trabalho na fazenda Pinhal com alunos de 3ª série do ensino fundamental. Os alunos visitaram a fazenda e "foi uma descoberta, eles viveram história", conta a professora Guiomar Diagonel, que executa o projeto interdisciplinar, trabalhando conteúdos de história, matemática, ciências e outras matérias.

     

    Maria Guimarães