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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.58 n.4 São Paulo out./dez. 2006

     

    LITERATURA

    EDITORAS RELANÇAM CLÁSSICOS COM TRADUÇÃO A PARTIR DO ORIGINAL

     

     

    O mercado editorial brasileiro tem apostado em novas traduções literárias, seja de obras cujas edições se esgotaram, seja de clássicos como As mil e uma noites ou autores russos – como Tolstói, por exemplo –, já vertidos para o português a partir de versões francesas – e que passam a ter edições com traduções da língua original em que foram escritos. Os lançamentos recentes vêm com produção gráfica sofisticada e nova roupagem, com o rigor da tradução diretamente do idioma do autor.

    Adriana Pagano, líder de um grupo de Estudos da Tradução na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), explica que as traduções indiretas, baseadas em outras traduções, foram muito comuns ao longo dos séculos em contextos diversos de produção de vários países, como Inglaterra, Alemanha, Espanha e Polônia. O principal e mais popular exemplo de obra com inúmeras versões a partir de traduções indiretas é a Bíblia. A pesquisadora lembra que sobre As mil e uma noites, obra também com múltiplas versões, o escritor argentino Jorge Luis Borges escreveu que elas são frutos de traduções indiretas e recriações de narrativas filtradas pela ideologia de cada um de seus tradutores, com repercussões importantes na literatura da língua para a qual essas narrativas foram traduzidas ou recriadas.

    Apesar de se reconhecer a importância dessa repercussão, o prestígio das traduções diretas da fonte original de uma obra, é inegável. "Uma tradução triangular, ou seja, feita a partir de outra tradução, sempre trará a marca daquela primeira tradução. Uma tradução feita diretamente da língua original pode trazer informações culturais que talvez desapareçam na outra versão por diferentes motivos. Mesmo as que são feitas a partir do mesmo texto original, por tradutores distintos, apresentarão diferenças significativas, dependendo do enfoque do tradutor, da teoria que abraça", avalia Stella Tagnin, que lidera um grupo de pesquisa ligado a ensino e tradução, na Universidade de São Paulo (USP).

    A QUESTÃO DE AUTORIA Mesmo com possíveis avaliações negativas em algunsmeios, para a pesquisadora da UFMG as traduções indiretas têm impacto importante no sistema literário de sua época. "Sob uma ótica mais ampla, é reconhecido que a tradução, direta ou indireta, é uma produção textual com potencial de transformação de um sistema literário. A história mostra casos de traduções indiretas muito bem-sucedidas em termos de recepção e com impacto na produção intelectual do sistema literário receptor", pondera. Um exemplo disso é a popular versão francesa de Galland para As mil e uma noites,que acrescentou ao texto original histórias e personagens, como Aladim, cujo impacto se reflete até hoje em clássicos do desenho animado produzidos pelos estúdios da Disney.

    Essa produção textual que transforma o sistema literário, tanto através de recriações como na tradução direta ou indireta, coloca em evidência a questão da autoria que pode ser atribuída ao próprio tradutor. "Uma das teorias que aborda a tradução como fenômeno cultural de mediação é a teoria das reescritas, de Lefevere, que considera a tradução como um dos tantos processos existentes de reescrita", explica Adriana. Ao lado da tradução estão, assim, a revisão, a crítica, a historiografia, a antologia, a compilação e as diversas possibilidades de transposição para outros sistemas semióticos, como por exemplo, o cinema, a televisão e o teatro. "Trata-se de uma operação cultural complexa, na qual os diversos mediadores são participantes na produção de novos textos a partir de textos já existentes", continua.

    "Não que o tradutor tire o lugar do autor original, mas é preciso lembrar que sem ele, o autor não teria visibilidade nessa nova cultura. E a qualidade que eventualmente venha a ser atribuída ao autor é também devida ao texto do tradutor, pois se o tradutor ‘matar’ a tradução, certamente o autor não gozará do prestígio que tem em seu país de origem. Assim, o tradutor é, no mínimo, co-autor daquele texto traduzido", completa Stella.

    As pesquisadoras apontam, ainda, contribuições acadêmicas nos estudos da tradução que influenciaram o mercado editorial brasileiro, entre elas a formação de tradutores qualificados e a atuação de acadêmicos na área, como José Roberto O’Shea, da UFSC, e João Azenha e Lenita Esteves, ambos da USP, esta última coordenadora da tradução de O senhor dos anéis.

     

    Rodrigo Cunha