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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.59 n.1 São Paulo jan./mar. 2007

     

     

     

    PERCEPÇÃO PÚBLICA

    Aprovação de leis para bioprospecção evidencia influência da mídia nas decisões

     

    Num cenário em que a mídia domina o debate político e a tomada de decisão, assim como comportamentos sociais, há interesse da academia em descobrir até que ponto, ao expor controvérsias e polêmicas sobre determinado assunto, os veículos de comunicação influenciam a tomada de decisão de um governo. Tendo como pano de fundo essa reflexão, a pesquisadora Sílvia Fujiyoshi realizou estudo de caso sobre um acordo de cooperação internacional para bioprospecção que não deu certo. O trabalho foi realizado no Departamento de Política Científica e Tecnológica da Unicamp e teve como base a criação de um contrato entre a Associação Brasileira para o Uso Sustentável da Biodiversidade da Amazônia – uma organização social que ficou conhecida como Bioamazônia – e a empresa multinacional suíça Novartis Pharma AG.

    Proposto em 2000, o acordo para coleta e identificação de bactérias e fungos na Amazônia, produção de extratos e realização de análises para identificar substâncias de interesse farmacêutico não prosperou e as polêmicas criadas em torno dele foram resolvidas, apenas em 2005, no Superior Tribunal de Justiça. Mais do que ter trazido à tona questões relacionadas à prática da bioprospecção no Brasil, o acordo Bioamazônia/Novartis e sua divulgação na mídia tiveram uma relação direta com a edição de uma Medida Provisória e a criação do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGen) que, na opinião de especialistas da área, têm gerado uma série de restrições sobre o acesso aos recursos genéticos brasileiros.

     

     

    A pesquisa envolveu uma análise jornalística, contemplando 45 matérias publicadas entre junho e agosto de 2000, em cinco jornais brasileiros. "Foi nesse período que as discussões sobre vantagens e desvantagens do acordo entre a Bioamazônia e a Novartis, a aprovação da regulamentação da lei de acesso aos recursos genéticos no Brasil e a edição da Medida Provisória sobre o tema estavam em pleno curso", explica Sílvia.

    COBERTURA PARCIAL O estudo mostrou que a Folha de S. Paulo e o jornal A Crítica, do Amazonas, foram os veículos, dos cinco analisados, que publicaram a maior quantidade de matérias sobre o tema durante os meses de junho, julho e agosto de 2000. A pesquisadora mostra que o material jornalístico analisado, em sua maioria, está classificado na categoria informativa, com textos noticiosos e factuais. "Foram poucas as peças jornalísticas de caráter interpretativo, com conteúdo resultante de reflexões e cruzamento de informações, foram também restritas as matérias opinativas, com a emissão do ponto de vista dos próprios jornais ou formadores de opinião, sobre o caso", explica.

    Mesmo assim, a análise de Sílvia mostra diversos exemplos de quanto a cobertura jornalística influenciou a tomada de decisão, destacando títulos e subtítulos das matérias, como: "Biopirataria oficial na Amazônia" e "Ministério denuncia contrato que dá à multinacional o poder de explorar, sem controle, a biodiversidade da floresta", publicados no Correio Braziliense, do Distrito Federal; "Acordo ameaça patrimônio genético", veiculado no jornal O Liberal, do Pará; "Pesquisadores rechaçam acordo", título de matéria do jornal A Crítica; e "Acordo Bioamazônia-Novartis enfrenta a oposição de cientistas", publicado no Jornal da Ciência.

    A partir das matérias sobre o tema publicadas na Folha, por exemplo, a pesquisadora acredita que é possível visualizar como a arena da rede de construção da polêmica Bioamazônia/Novartis se estendeu e como um assunto, aparentemente isolado, ganhou influência e incutiu novo ritmo e rumo às discussões sobre a regulamentação do acesso aos recursos genéticos no país. "Exatamente no mesmo período, quatro projetos de lei para regulamentar o acesso aos recursos genéticos eram discutidos no Congresso Nacional", compara.

    PASSO A PASSO Para realizar o estudo, a pesquisadora optou pelo jornal Folha de S. Paulo, por representar a cobertura de alcance nacional; o Correio Braziliense, por estar localizado em Brasília, onde se concentraram as negociações sobre o acordo; os jornais O Liberal e A Crítica, dos estados do Pará e do Amazonas, respectivamente, por representarem a cobertura de reconhecimento regional, e o Jornal da Ciência, uma publicação especializada da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), destinada ao público de cientistas do Brasil, por representar a opinião de uma categoria que seria impactada diretamente pelas decisões em discussão.

    Sílvia entrevistou pesquisadores ligados à Bioamazônia e jornalistas. Nenhum representante da multinacional Novartis se pronunciou, apesar das várias tentativas nesse sentido, conta a pesquisadora. Para a maioria dos entrevistados, a polêmica instaurada, e divulgada pela mídia, colaborou para mudar a legislação relacionada à bioprospecção.

    REPERCUSSÃO O marco regulatório brasileiro atual, que define os trâmites relacionados ao acesso aos recursos genéticos, à proteção ao conhecimento tradicional e à repartição de benefícios obtidos com o uso desses recursos, é considerado muito rígido por grande parte dos pesquisadores que trabalham direta e indiretamente com a bioprospecção. Para alguns especialistas, isso pode possibilitar e facilitar a biopirataria.

    "Com a complexidade de processos que envolvem atores sociais variados, interesses diversos, conceitos que têm significados diferentes para cada um dos atores, é muito difícil um marco regulatório dar conta de toda essa complexidade de maneira que todos os atores sintam que seus direitos estão sendo observados", afirma a pesquisadora da Unicamp, Lea Velho, coordenadora do projeto Natureza e Impacto de Parcerias Norte-Sul na Produção e Utilização de Conhecimento em Bioprospecção (Parbio), onde se insere a pesquisa que inclui, além do Brasil, estudos na Colômbia, Peru e Suriname, por sua biodiversidade. Para atender a essa variedade de interesses, a lei é rígida e os processos de análise são demorados. "Nessa demora, evidentemente, as coletas de material biológico não param de fato, o que acaba, indiretamente, estimulando a biopirataria", conclui a pesquisadora.

     

    Gabriela di Giulio