SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.59 issue1 author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

    Related links

    • On index processCited by Google
    • Have no similar articlesSimilars in SciELO

    Share


    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.59 no.1 São Paulo Jan./Mar. 2007

     

     

     

    FITOTERÁPICOS

    Plantas medicinais são pouco exploradas pelos dentistas

     

    O ruído da broca e o cheiro de eugenol, feito do óleo do cravo-da-índia, e óxido de zinco identifica um lugar onde a fitoterapia parece destoar. No entanto, mesmo que esse tema seja pouco discutido fora do meio acadêmico, os produtos naturais estão cada vez mais presentes nos consultórios odontológicos, afirma o pesquisador da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e um dos líderes do Grupo de Estudos de Fitoterapia Aplicada à Odontologia (Gefao), Fábio Correia Sampaio. "O mais paradoxal é que os cirurgiões-dentistas fazem uso de produtos naturais sem ter muita consciência disso", acrescenta. Segundo ele, crescem as pesquisas com fitoterápicos, impulsionadas pela demanda de produtos e profissionais nessa área.

    A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que as vendas totais de ervas medicinais alcançaram a cifra de US$ 400 milhões no Brasil em 2001. Sampaio considera que "categorizar um produto como sendo de origem vegetal tem, hoje, um forte apelo mercadológico". Para o professor da Faculdade de Odontologia de Piracicaba da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Francisco Carlos Groppo, embora a tendência de crescimento exista, o uso e a receita de fitomedicamentos nos consultórios odontológicos ainda esbarra na falta de divulgação do assunto entre dentistas. Sampaio reforça essa idéia com uma pesquisa, realizada pela professora Rinalda Oliveira da UFPB, a qual concluiu que os profissionais da área da saúde (médicos, dentistas e farmacêuticos) e pacientes faziam pouco uso das plantas medicinais por falta de conhecimento.

     

     

    Outro entrave para que os dentistas ampliem o uso de fitomedicamentos é a falta de comprovação científica da eficácia e segurança desses compostos. "Pelo código de ética profissional não podemos optar por tratamentos sem comprovação científica definitiva o que derruba muitos produtos fitoterápicos em relação aos sintéticos químicos, por exemplo", explica Sampaio. Em um artigo publicado no Jornal Brasileiro de Fitomedicina, em 2004, Groppo e sua equipe constataram que, na odontologia, existe número significativo de trabalhos dedicados a substâncias naturais, "mas são poucas as publicações que permitem um aval científico para o uso desses produtos", avalia o artigo entitulado "Utilización de sustancias naturales en odontología".

    Além disso, o pesquisador do Gefao destaca que, nem tudo o que se pesquisa em medicina e microbiologia na área de fitoterápicos, pode ser aplicado em odontologia. "Nos modelos de estudo da cavidade bucal devemos considerar os efeitos da saliva, esmalte dental e de outros fatores específicos que fazem do estudo de antimicrobianos bucais um desafio", acrescenta.

    Esse cenário, porém, tende a mudar com o estímulo cada vez maior ao uso e à pesquisa na área de fitomedicamentos. É o caso, por exemplo, da lei municipal instituída em João Pessoa (PB), para a indicação de plantas medicinais nos serviço público de saúde, comenta Sampaio. Além disso, a UFPB foi uma das pioneiras na inserção da disciplina de fitoterapia para alunos da área da saúde. O Conselho Regional de Odontologia (CRO) do Rio Grande do Sul (RS) também batalha para criar espaços de debate entre os dentistas sobre o tema e propôs que o Conselho Federal de Odontologia promova discussões nacionais, revela a cirurgiã-dentista e membro da Comissão de Terapêuticas Complementares à CRO/RS, Yolanda Lopes da Silveira. Já o governo federal lançou a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC), que insere práticas de terapias alternativas, como o uso de fitoterapia como recurso do Sistema Único de Saúde (SUS). Também está em processo de elaboração um banco de dados sobre plantas medicinais e a Relação Nacional de Plantas Medicinais e de Fitoterápicos (Rename-Fito).

    VALE A PENA? Os principais argumentos a favor do emprego das plantas medicinais concentram-se no fato de que produtos feitos a partir de extratos naturais têm maior probabilidade de causar menos efeitos colaterais, se comparados aos tradicionais, e, ainda, podem ser mais baratos, usando recursos vegetais locais. Um exemplo é a patente pedida pela dentista, Danielle Emmi, da Universidade Federal do Pará (UFPA). Ela desenvolveu um evidenciador de placa dental a base de açaí, fruta comum região amazônica, cuja eficiência é 90% superior ao produto comercializado. Com cinco quilos de açaí, é possível fabricar 100 mililitros (ml) de solução concentrada, com o custo de R$ 5, se feito em laboratório, revela. A pesquisadora garante que, em escala comercial, o valor de produção cairia. Já o evidenciador de placas de 10 ml a 15 ml é comprado por R$ 7 em lojas.

    Não se deve esquecer, porém, que o fitoterápico também possui indicações e contra-indicações, alerta Sampaio. O mercado pressiona por pesquisas para desenvolver novos medicamentos mas, também, usa as descobertas científicas para legitimar a criação de uma "planta da moda", acredita o pesquisador. "Foi assim com o confrei (Symphytum officinale) e está sendo atualmente com a babosa (Aloe vera barbadensis)", exemplifica. O primeiro tem efeitos cicatrizante e antitumoral em mama, mas pode provocar problemas hepáticos se utilizado por longos períodos. O segundo, causa nefrite aguda. No caso da odontologia, extratos de plantas ricas em polifenóis, substância que tem efeito bactericida, não são recomendados para uso diário, como creme dental, pois desequilibram a flora bucal e mancham os dentes.

    APOIO INSTITUCIONAL No âmbito internacional, a OMS se comprometeu com a promoção da medicina tradicional e da medicina complementar e alternativa, por meio do estímulo ao desenvolvimento de políticas públicas dos seus 191 Estados-membros. Segundo a OMS, a regulação adequada ajudaria a enfrentar os principais desafios nessa área, que estão relacionados à segurança, à eficácia e à qualidade das ervas medicinais. Em 2004, a Organização atualizou uma pesquisa global, onde 141 países responderam ao questionário (74% do total). Com relação às principais dificuldades sobre a regulação dos fitoterápicos, 109 nações apontaram que a principal limitação é a falta de dados de pesquisa, seguida da ausência de mecanismos apropriados de controle das ervas medicinais (93 países) e a falta de educação e treinamento na área (86 votos).

    Atualmente, 25% dos medicamentos têm extratos de plantas na sua composição mas os fitoterápicos ainda apresentam potencial para exploração. Uma das apostas está na área odontológica na qual, mesmo com a carência de pesquisas, alho, própolis, hortelã, romã e outras plantas e ervas apresentam resultados iguais ou superiores aos similares sintéticos. "Usar um produto com melhor qualidade e menos efeitos colaterais também é uma exigência do mercado", conclui a dentista Danielle.

     

    Paula Soyama