SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.59 número1 índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Indicadores

    Links relacionados

    • En proceso de indezaciónCitado por Google
    • No hay articulos similaresSimilares en SciELO

    Compartir


    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.59 n.1 São Paulo ene./mar. 2007

     

     

    APRESENTAÇÃO

    GÊNESE DA GÊNESE

    Claudia Amigo Pino

     

     

    É impossível referir-se aos estudos da gênese sem remeter à sua própria gênese. A idéia inicial de se debruçar sobre os manuscritos de escritores não surge repentinamente para um pesquisador, ou para um grupo de pesquisadores: está ligada a uma série de movimentos da crítica literária e de outras disciplinas das ciências humanas na França dos anos 1960.

    Naquele momento, a teoria literária estava dominada pelo estruturalismo, que propunha se centrar no estudo do texto, em detrimento do estudo do autor, das condições sociais ou de qualquer outro elemento externo. As revoltas de maio de 1968 marcaram o início de uma nova etapa. Os intelectuais viam renascer um interesse pelas idéias marxistas, sinal de que os textos em si já não bastavam.

    A palavra texto, aliás, começa a perder espaço: fala-se de processo, de escritura, de significância, de relação. Mais do que entender as estruturas de uma obra literária, o interesse agora se encontra em saber em que relações de poder essa estrutura surge, o que ela representa para o sujeito que a enuncia, como ela se projeta no leitor. Porém, os métodos para estudar esses "movimentos" não eram tão claros como pareciam, por exemplo, as categorias narrativas definidas pelos estruturalistas mais ortodoxos.

    No mesmo ano de 1968, um grupo de germanistas é convocado para organizar os manuscritos de Henrich Heine, que tinham acabado de chegar à Biblioteca Nacional da França. Os pesquisadores percebem que tem em suas mãos um material privilegiado para conciliar os métodos estruturalistas com o novo interesse pelo movimento. Como os manuscritos constituem de qualquer forma um material, eles podem ser abordados a partir das teorias estruturalistas. No entanto, como esse material é um testemunho de um movimento, ele permite abrir pelo menos uma fresta da porta para a história:

    "Essa corrente de crítica genética se inscreve simultaneamente em continuidade e em ruptura com o estruturalismo. Por sua consideração das transformações, das variações, da historicidade, ela oferece uma perspectiva diferente da corrente estrutural mais fechada e mais formal. Mas há continuidade em relação a um outro aspecto importante do estruturalismo, o qual consistiu em dar um estatuto mais objetivo aos estudos literários, sobretudo ao enfatizar a noção de texto, sendo este último apresentado como objeto científico que se estuda como tal: foi dessa ambição que saímos."(1)

    Além dessa vantagem teórica, duas vantagens práticas seriam logo essenciais para a institucionalização da disciplina, embora também constituam a origem de seus impasses.

    Por um lado, no momento em que a produção em ciências humanas é avaliada a partir de critérios das ciências exatas, a crítica genética propõe um material geralmente inédito: os manuscritos ou documentos de processo não publicados pelo autor. A originalidade da pesquisa torna-se indiscutível. Por outro lado, a crítica genética permite dar um uso a um material de arquivo, que tinha sido menosprezado como objeto de conhecimento durante o estruturalismo e é de grande importância para a política cultural francesa. É difícil imaginar a França sem os seus monumentos: eles garantem – em um esforço de preservação dos ministérios da cultura – o status de "berço da civilização" do país. E os manuscritos dos grandes arquivos de escritores são os monumentos literários da França.

    Em 1982, o grupo de pesquisadores de Heine transforma-se em uma instituição, o ITEM (Institut de Textes et Manuscrits Modernes), ligado ao Centro Nacional da Pesquisa Científica da França (CNRS). No novo instituto, os pesquisadores organizam-se em grupos ligados ao estudo dos acervos dos grandes escritores franceses (Flaubert, Zola, Proust e Sartre) e em grupos que têm como objetivo pensar os manuscritos a partir de visões específicas, como a lingüística, a autobiografia e a informática.

    Philippe Willemart, professor de literatura francesa da Universidade de São Paulo (USP), é o primeiro pesquisador brasileiro a ter contato com a crítica genética. Dedicado ao estudo da relação entre psicanálise e literatura, Willemart percebe, a partir da orientação de Jean Bellemin-Noël, que o manuscrito é um lugar privilegiado para estudar o funcionamento do inconsciente. Assim, debruça-se inicialmente sobre os manuscritos de Flaubert e decide ministrar um curso de pós-graduação sobre a crítica genética. Desse curso participam vários pesquisadores que trabalhavam com manuscritos, mas ainda não sabiam que tipo de exploração teórica eles poderiam ter. Pouco tempo depois, eles formariam a Associação dos Pesquisadores do Manuscrito Literário (APML) e criariam diversos grupos de pesquisa de manuscritos em todo o Brasil, alguns centrados em acervos de escritores (no caso do grupo Mário de Andrade, do IEB), outros em visões teóricas, como o Laboratório do Manuscrito Literário, da FFLCH, que parte de um diálogo com a psicanálise, e o Centro de Estudos de Crítica Genética da PUC, que se sustenta em um diálogo com a semiótica pierceana.

    UM OBJETO QUE ESCAPA ÀS ESTRUTURAS O objeto da crítica genética não são simplesmente os manuscritos modernos, mas os manuscritos como portadores do processo de criação. Ou o processo de criação observado a partir dos manuscritos.

    Por essa razão, a noção de manuscrito para a crítica genética difere um pouco de seu uso comum. Em primeiro lugar, porque por manuscrito entende-se todo documento no qual seja possível encontrar um traço do processo de criação e não necessariamente os manuscritos autógrafos (do próprio punho do escritor). Desta forma, a crítica genética considera manuscritos, por exemplo, a correspondência do autor (se nela há discussões sobre a criação de suas obras), os datiloscritos (versões datilografadas diferentes do texto publicado) ou mesmo gravações de voz com idéias sobre uma obra. Para evitar confusões, a geneticista brasileira Cecília Almeida Salles propôs o nome "documentos de processo" para se referir aos manuscritos-objeto da crítica genética(2).

    Da mesma forma, o fato de um manuscrito ser autógrafo não garante o seu valor para a crítica genética. De nada servem, por exemplo, as cópias limpas de poemas feitas por inúmeros autores no final do século XIX. Se as versões manuscritas não tiverem alguma marca de um trabalho de criação (uma rasura, um traço, ou mesmo um desenho), e se não forem diferentes da versão publicada, elas não podem servir de documento do processo de criação.

    Seria, portanto, impossível realizar uma descrição exaustiva do estatuto do manuscrito para a crítica genética, porque ele toma formas muito variadas que podem ter, por sua vez, marcas igualmente variadas do trabalho de criação. Talvez apenas a palavra fólio, que designa uma "folha", tenha uma mesma acepção para todos os geneticistas. As formas como esses fólios estão ordenados (versões, planos, cenários, anotações, rascunhos) tomam contornos totalmente diferentes de obra para obra, ou de processo para processo.

    Dificilmente a pesquisa centra-se em apenas um desses manuscritos. Como o objetivo dos estudos genéticos é a percepção de um processo a partir desses documentos, é necessário abordar conjuntos de documentos, chamados também de dossiês. Somente a partir do trabalho comparativo no interior desses dossiês, poderemos observar os manuscritos como portadores de um movimento de criação.

    UM OLHAR QUE ESCAPA AO SEU OBJETO Torna-se necessário agora entender como se forma esse olhar sobre o processo de criação. Talvez essa seja a parte mais difícil de explicar da crítica genética: há sempre uma desconfiança em relação à possibilidade de estabelecer uma ordem a partir de um objeto tão desordenado.

    Na base dessa utopia, os geneticistas colocam a noção de processo, entendido como uma reconstrução das etapas da criação. Para Almuth Grésillon, por exemplo, uma das fundadoras da disciplina, esse suposto "processo" seria principalmente um processo de leitura, e não de um autor, mas do geneticista. Os manuscritos não constituem em si um processo: é na leitura desses documentos que um processo será construído.

    Ao levantar as tarefas de um geneticista, Grésillon deixa clara a relevância do papel da construção. Segundo a autora, o trabalho do geneticista teria duas partes: a primeira consistiria em dar a ver (reunir os manuscritos, classificar, decifrar, transcrever e editar) e a segunda parte, que não seria necessariamente consecutiva, mas muitas vezes paralela à primeira, consistiria em construir hipóteses sobre o caminho percorrido pela escritura, como identificação de rasuras, acréscimos, e formação de conjeturas sobre as operações mentais subjacentes (3).

    É interessante perceber que, no Brasil, Cecília Almeida Salles, no seu livro Crítica genética. Uma (nova) introdução dá aparentemente menos importância ao papel da reconstrução. Para a pesquisadora, o objetivo da crítica genética não é somente refazer, mas "discutir" e "compreender" o processo (4).

    Como toda leitura, essa construção se dará a partir de um trabalho, que Grésillon define como uma tradução dos indícios espaciais em indícios temporais. Tentemos entender mais o que significa esta "tradução". Mesmo se às vezes encontramos versões manuscritas limpas de muitos textos, em geral os documentos se dão ao pesquisador de forma muito diferente à de uma página publicada. No lugar da sucessão de palavras em uma linha, da sucessão de linhas em uma página e da sucessão de páginas em um livro, podemos encontrar em um manuscrito uma palavra em um canto da página, um parágrafo em um outro canto, acompanhados de outros registros, como flechas e desenhos. É muito comum também encontrar manuscritos em que cada um desses registros se apresenta em cores diferentes, inclusive com letras diferentes. No nível da frase, ou da própria palavra, esta heterogeneidade também está presente na figura da rasura. Assim, no lugar de uma única palavra em uma seqüência, podemos encontrar várias, sobrepostas, tachadas, grifadas.

    O manuscrito, assim, não se apresenta como uma seqüência, mas como um espaço heterogêneo, no qual diversos tempos convivem e dialogam entre si. A tarefa do geneticista seria tentar colocar esses tempos dispersos no espaço em uma ordem temporal – não uma ordem perfeita, não uma cadeia indestrutível – mas em um movimento com direção.

    O processo então não é dado, é construído, e consiste na criação de uma seqüência ou cronologia, com um sentido determinado, como afirma Grésillon:

    "Se o objetivo da leitura ‘normal’ consiste em compreender um escrito, o da leitura de um manuscrito consiste em compreender a gênese de uma escritura, ou melhor, em reconstituir a partir de uma organização espacial a cronologia e o sentido das operações." (5)

    No seu livro Gesto inacabado, Cecília Salles desenvolve mais o que seria esse sentido das operações, que ela chama de tendência. Vários artistas teriam já apontado que ao escrever, desenhar ou esboçar, há um elemento direcionador do processo, que não é claro nem consciente:

    "O artista é atraído pelo propósito de natureza geral e move-se inevitavelmente em sua direção. A tendência é indefinida mas o artista é fiel à sua vagueza. O trabalho caminha para um maior discernimento daquilo que se quer elaborar. A tendência não apresenta já em si a solução concreta para o problema, mas indica o rumo. O processo é a explicação dessa tendência. ‘No começo minha idéia é vaga. Só se torna visível por força do trabalho’ (Maillol)" (6).

    Mas como o pesquisador pode identificar nesse trajeto uma tendência que os próprios artistas consideram vaga? Muitas vezes essa identificação se faz a posteriori, ou seja, quando a obra já está acabada. A primeira versão que lemos de um manuscrito é geralmente a obra final (estudamos um manuscrito porque somos seduzidos inicialmente por uma obra publicada). As leituras que fizermos das diferentes versões de um poema e as construções criadas a partir dessa leitura serão feitas a partir desse olhar inicial da obra final.

    Coloca-se outro problema quando devemos procurar uma tendência em textos inacabados, não publicados em vida, que não apresentam uma versão final. Não é impossível chegar a certas linhas a partir da observação de cada escolha, de cada rasura. Mas esse trabalho normalmente é feito de forma paralela a outro: observar, na obra anterior do escritor, quais são as escolhas mais comuns, o que distingue o seu traço autoral. O cruzamento dessas duas tarefas ajudará a apontar uma tendência.

    O estudo de obras inacabadas tem colocado uma outra questão, que também divide os pesquisadores franceses dos brasileiros. Ao lidar com obras que não foram publicadas em vida pelo autor é natural se perguntar pelo alcance ético dessa escolha. É válido trabalhar e dar a ver uma obra que o autor engavetou, não pôde concluir, que enfim, não corresponde à estética que ele procurava? Uma das respostas dadas a essa pergunta – que sem dúvida tem muitas outras respostas – poderia ser descrita da seguinte forma: "o valor não estaria na última versão, mas no processo de criação".

    Almuth Grésillon, no texto citado, deixa claro que a reconstituição da gênese deve ser considerada um objeto científico. Apesar de reconhecer que um manuscrito pode até encantar pela sua beleza, o processo no qual ele está inserido deve ser encarado não como uma obra de arte, mas como um objeto intelectual.

    Para Cecília Salles, o manuscrito em si não é portador de uma beleza particular, mas o próprio processo: "Há mais beleza na seqüência de momentos hipotéticos e só aparentemente definitivos do que em cada um desses instantes paralisados" (7).

    Esta posição exime o geneticista de um grande problema e ao mesmo tempo cria um outro. Por um lado, ela o protege de considerar uma versão inicial de um romance como "uma obra de arte". Assim, a crítica genética aparentemente respeitaria as decisões "autorais" de publicar esta ou aquela versão e não cairia no "erro" apontado muitas vezes de dar um valor estético àquilo que o autor não assinaria. Por outro lado, essa posição gera um grande impasse: se o processo não é dado, é construído pelo geneticista, a sua beleza então também será construída pelo pesquisador. A teoria elaborada para proteger o autor é, na verdade, um certeiro tiro nas suas costas. O próprio pesquisador torna-se o sujeito e o objeto da crítica genética (8).

    É importante perceber que o objeto da crítica genética não é um texto, um material, mas um processo: não aquele pelo qual o escritor passou, mas aquele que o pesquisador construiu, a partir dos manuscritos que esse escritor deixou. Desta forma, os geneticistas não fazem nada parecido com buscar a "senha" da criação, nem têm o objetivo de recriar, passo a passo, o caminho pelo qual o escritor passou na elaboração de uma obra, como muitos pensam.

    CRÍTICA AO PROCESSO Depois de quase quarenta anos de existência, os estudos genéticos passam por um momento de reformulação. Pesquisadores de outras áreas começaram a se questionar sobre o sentido de estabelecer essas "construções" ou esses "processos de criação", o que repercutiu no estudo dos manuscritos.

     

     

    Um dos primeiros a se questionar sobre o sentido das cronologias foi um dos ícones do estruturalismo, Michel Focault. Para ele, antes, os pesquisadores procuravam primeiro estabelecer os movimentos (sociais, históricos, literários) e depois ilustrá-los com documentos. Agora, os pesquisadores, pelo contrário, partiriam do estudo dos documentos, procurariam a sua estrutura, o seu funcionamento interno, para somente depois tentar entendê-lo dentro de um eixo processual. Aparentemente, esta seria a posição da crítica genética em relação ao seu documento, o manuscrito. No entanto, o caminho do documento ao processo apresentaria dificuldades:

    "Apareceram, no lugar dessa cronologia contínua da razão, que fazíamos invariavelmente recuar até à inacessível origem, à sua abertura fundadora, séries algumas vezes breves, diferentes umas das outras, rebeldes a uma lei única, portadoras freqüentemente de um outro tipo de história particular, e irredutíveis ao modelo geral de uma consciência que adquire, progride e se lembra."(9)

    Todo o objetivo da crítica genética é questionado por esta última afirmação, que aponta para a impossibilidade de estabelecer cronologias contínuas, que reconstituam um caminho desde sua origem. O processo de criação poderia ser definido dessa maneira.

    Para o crítico antilhano Édouard Glissant, a necessidade de criar "cronologias" é própria de uma configuração européia, que não corresponderia à forma de conhecimento das culturas "mestiças" (como a da Martinica, sua ilha natal, e, sem dúvida, também do Brasil). As culturas mestiças veriam o mundo como diálogo, como relação entre culturas e não como imposição de uma cultura. Por isso, as culturas mestiças não teriam lendas relativas à gênese, à origem, como as culturas européias, mas ao choque com outros povos. Elas não teriam a necessidade de uma explicação da filiação, mas de uma teoria da relação.

    Na cultura da relação, não haveria busca do tempo perdido. As poéticas européias caracterizar-se-iam, segundo Glissant, pela busca da origem, do instante em que tudo começou. Por isso, existiria, na Europa, o conceito de inspiração, de momento privilegiado da criação em que tudo viria. Tudo estaria organizado em relação a esse ponto inicial, em forma de "cronologia". Tanto críticos como escritores tentam discernir qual é a primeira versão, qual é a segunda, e reconstituir assim a visão do processo.

    Para Glissant, essa visão de mundo não seria possível nos países americanos, nos quais não há uma linha contínua na história. Os povos que aqui viviam foram dizimados, criando assim uma rasura inicial, não um ponto inicial. Assim, nossa história não pode ser entendida como sucessão, mas como parada ou choque nesta sucessão: "Nossa consciência histórica não poderia ‘sedimentar’, se podemos assim dizer, de maneira progressiva e contínua, como para os povos europeus, mas se agregaria sob os auspícios do choque, da contração, da negação dolorosa e da explosão" (10).

    O que seria uma crítica genética que não se baseie no estabelecimento de cronologias nem na reconstituição de um processo de criação? Essas propostas estão começando a surgir agora e todas têm em comum a importância do recorte. Mais do que reconstruir o caminho de criação de uma obra, esses estudos se centram, por exemplo, no uso de um determinado espaço (as cartas, ou as margens), na elaboração de uma personagem, no desenvolvimento de um tema, ou de um aspecto narrativo (o papel do leitor, por exemplo).

    Dessa forma, agora convivemos com dois tipos de geneticistas, aqueles ultra-especializados, que precisam do mais mínimo documento para estabelecer uma cronologia próxima da "real", e aqueles que usam os documentos em prol de uma busca teórica própria, que não se atém à especialidade da obra de um determinado autor. Esses novos pesquisadores arriscam-se inclusive a dizer que podem fazer crítica genética sem manuscritos, como explica Philippe Willemart:

    "Grosso modo, os geneticistas dividem-se em dois grupos acerca do caminho a seguir em suas pesquisas. Alguns pretendem reconstituir o percurso genético do começo dos traços ao texto publicado e deverão recorrer, em nosso caso, aos escritos precedentes, à correspondência ou aos romances, às poesias, às peças de teatro, ou até mesmo às edições anteriores. Outros, partindo do texto publicado, e pouco preocupados com uma cronologia que não corresponde à realidade da criação, subentendem que nossa mente trabalha como em um palco e não segundo o tempo do calendário e se virarão mais facilmente na direção dos livros lidos, cadernos de trabalho ou anotações que serviram de base à escritura. Farão então pesquisas na biblioteca do escritor se ela existe ou em arquivos digitalizados em computador, CD ou disquete."(11)

     

    Claudia Amigo Pino é docente de literatura francesa na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP). Atualmente dirige o grupo Criação e Crítica e foi coordenadora do Grupo de Trabalho de Crítica Genética da Associação Nacional de Pós-Graduação em Letras e Lingüística na gestão 2004-2006.

     

     

    NOTAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

    1. Dosse, François. História do estruturalismo. 2. O canto do cisne, de 1967 a nossos dias. São Paulo: Ensaio/ Editora da Unicamp, p. 411. 1994. A última frase da citação é extraída de uma entrevista com Louis Hay, um dos fundadores da crítica genética.

    2. Salles, Cecília Almeida. Crítica genética. Uma (nova) introdução. São Paulo: Educ, 2000.

    3. Grésillon, Almuth. Éléments de critique génétique. Paris: PUF, p15. 1993.

    4. Salles, Cecília Almeida. Op.cit.

    5. Grésillon, Almuth. "Méthodes de lecture". Em: Les manuscrits des écrivains. Paris: CNRS/Hachette, 1993. P. 149.

    6. Salles, Cecília Almeida. Gesto inacabado. Processo de criação artística. São Paulo: Annablume, p 29. 1998.

    7. Op. cit. pp. 46-47.

    8. Em certa medida, também é possível chegar a essas conclusões na crítica literária. Afinal, se considerarmos que a obra é o efeito que ela produz no leitor, como muitos já defenderam, estaremos também considerando o crítico como o sujeito e o objeto da crítica literária. Porém essa posição é assumida e o objeto de estudo passa a ser os dispositivos do texto que produzem efeitos no leitor. Esse ainda não é o caso do estudo dos manuscritos: os geneticistas ainda não se concentraram em estudar os dispositivos do manuscrito que criam efeitos no leitor. Talvez para isso fosse necessária uma postura muito mais radical em relação ao valor estético dos manuscritos, que iria contra a valorização do autor e dos acervos que acompanha o desenvolvimento da crítica genética.

    9. Foucault, Michel. L’archéologie du savoir. Paris: Gallimard, p 16. 1969. Tradução e grifos nossos, assim como os dos próximos trechos citados.

    10. Glissant, Édouard. Le discours antillais. Paris: Seuil, p 131. 1980. Tradução nossa.

    11. Willemart, Philippe. "A crítica genética diante do programa de reconhecimento vocal". Publicado em Manuscrítica. Revista de crítica genética. Nº 12. Junho de 2004. pp. 38-39