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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.59 no.2 São Paulo Apr./June 2007

     

     

    Os sindicatos na sociedade contemporânea

    Iram Jácome Rodrigues
    Jacob Carlos Lima

     

     

    O mundo do trabalho tem se situado no centro das principais transformações ocorridas no estágio atual de desenvolvimento do capitalismo. A incorporação das novas tecnologias de informação e a flexibilização das relações de produção induziram a criação de novas formas de trabalho (em tempo parcial, temporário, a domicílio etc.), e mudaram significativamente as características da classe trabalhadora. Essa situação afetou de modo significativo as práticas sindicais e colocou em xeque as estratégias construídas em períodos anteriores do desenvolvimento econômico.

    A partir dos anos 1950, a ação sindical viveu momentos de fundamental importância quando a instituição trabalhista foi amplamente reconhecida e seu poder se consolidou enormemente.

    O sistema econômico e social que emergiu após a Segunda Guerra Mundial e até inícios dos anos 1970, em grande parte da Europa Ocidental, EUA e Japão, foi responsável por uma estabilidade que representou um incremento do bem-estar e aumento da riqueza em todos esses países. Durante o período, além do aumento do bem-estar e altas taxas de crescimento econômico, a democracia e o Estado de Bem-Estar Social foram consolidados e o Estado estimulou o desenvolvimento da atividade produtiva através de empréstimos e investimentos de longo prazo.

    Esses investimentos, em cada país, coordenados pelos Estados nacionais, embora assumissem alguns aspectos mais específicos, tinham como principal característica o processo de regulação do Estado no que tange à política macroeconômica, ou seja, uma decisiva intervenção do Estado na economia, com o objetivo de garantir o equilíbrio no campo econômico e a paz social no terreno político. Essas singularidades se manifestavam em diferenças no padrão dos gastos públicos, na organização do sistema de bem-estar social e na presença maior ou menor do Estado nas decisões econômicas.

    Desse modo, o complexo de arranjos institucionais e corporativos se constituiu na essência do que veio a ser denominado compromisso fordista e foi o principal ponto de apoio de sua estruturação. Vale dizer, Estado, grandes corporações e sindicatos passaram a ser a nova base desse regime de acumulação que se caracterizava pela produção em massa de bens padronizados e em série.

    Nos anos recentes, no entanto, as grandes organizações industriais que, em alguma medida, representavam a força do trabalho organizado foram ficando, paulatinamente, obsoletas. Competição global, recessão e incertezas econômicas crescentes, em alguma medida, colocaram em crise o sindicalismo e as bases institucionais nas quais ele se desenvolveu.

    Essas mudanças têm trazido enormes desafios para a ação sindical. As respostas a essa questão, bem como a compreensão de seu significado para a atuação dos trabalhadores não é consensual, sendo fonte de debates em âmbitos diversificados da sociedade.

    Em linhas gerais, pode-se dizer que os obstáculos à atividade sindical se colocam, principalmente, em decorrência de que, historicamente, as ações trabalhistas sempre se pautaram pela demanda de acesso a bens e/ou poder públicos e privados para o trabalhador nacional. Por isso, o sindicato tem encontrado muitas dificuldades para enfrentar a chamada revolução microeletrônica e o fenômeno de globalização da sociedade. Nesse processo, o que se tem observado é que as reivindicações, muitas vezes, se espraiam, do nível econômico e/ou político para a sociedade como um todo e, de outra parte, em muitos casos, muda do âmbito nacional, tanto para a esfera local quanto em direção à esfera global.

    Além disso, nesses últimos anos, alterações no mundo do trabalho têm trazido profundas conseqüências para a ação sindical e tendo como um dos seus principais resultados – além do aumento significativo do desemprego – o crescimento de uma legião de empregados precários, parciais, temporários etc. Neste início do século XXI, observa-se que esses trabalhadores estão se tornando parte cada vez mais significativa da economia. Esse é, pois, um obstáculo adicional ao trabalho organizado.

    De certa forma, a questão do trabalho hoje reafirma elementos que marcaram sua centralidade na explicação do social no século XX, ampliando seu escopo na compreensão da sociabilidade humana e das possibilidades de futuro.

    O assalariamento, que caracterizou a relação capital/trabalho durante largo período, criou as condições de agregação de direitos sociais aos contratos de trabalho. Já a flexibilidade propiciada pela revolução tecnológica, representada pela informatização e a telemática, desterritorializou a produção e o trabalho, internacionalizando os mercados, desorganizando identidades coletivas fundadas no local, no regional, no nacional. O "local" é ressignificado dentro dos nós de uma sociedade em rede, na qual atuam empresas, Estados e trabalhadores.

    As empresas, por vezes, atuam globalmente, acima dos Estados nacionais. De outra parte, tentam adequar suas políticas na atração de investimentos e procuram se inserir no processo de internacionalização, percebido como inexorável e sem volta. A noção de "desenvolvimento nacional" vinculado à industrialização é "superada" pela necessidade de inserção produtiva a redes globais. Ser competitivo significa ter menores custos e acompanhar as inovações tecnológicas. Menores custos representam o corte de trabalho vivo, ou no caso da produção trabalho-intensivo, procurá-lo onde é mais barato.

    Desse modo, os assalariados são os mais afetados pela nova ordem econômica mundial. Ganhos sociais resultantes de lutas de um século são perdidos em nome da competitividade global. Os trabalhadores, enquanto atores coletivos, perdem importância na mudança social, por sua fragmentação, dispersão geográfica e crescente vulnerabilidade social. As utopias perdem força. Assim, novos desafios são colocados à ação coletiva exigindo um repensar do trabalho em suas novas-velhas formas e em sua complexidade.

    No caso brasileiro, que não fugiu à regra em termos das transformações, é importante discutir a lógica das ações sindicais no novo contexto da realidade do trabalho, considerando diferentes ramos e setores econômicos bem como regiões do país, tendo em vista avaliar a presença de mudanças nas estratégias e implicações para os trabalhadores. Como se configura, pois, a situação no Brasil no que tange às novas estratégias e formas de ação sindicais? Qual o grau de representatividade das instituições sindicais?

    O cenário que se constrói propõe algumas questões: qual o lugar do trabalho na sociedade do século XXI, comparando-se com a realidade do século XX? Qual a efetiva possibilidade do desenvolvimento econômico promover o crescimento do emprego no Brasil vis-a-vis o quadro internacional de crescimento sem aumento de empregos? É possível pensar em desenvolvimento social que, escapando de preocupações meramente econômicas, garanta proteção à sociedade e aos trabalhadores para além de seus vínculos de trabalho? Estariam os trabalhadores e sindicatos preparados para enfrentar os marcos trazidos pela flexibilização, agora possivelmente chancelada em termos legais? Qual o papel do governo no que se refere à proteção aos trabalhadores e benefícios diretos (e indiretos) não mais vinculados somente à formalização do mundo do trabalho, que lhes dê mais segurança em um quadro de crescente instabilidade? Quais os limites e as possibilidades das práticas empresariais em um cenário em que a empresa assume papel de destaque não só em termos produtivos e competitivos, mas também em termos de preocupações sociais e competindo, por vezes, com a ação sindical nos locais de trabalho? Como se desenvolverá a relação entre sindicatos e Estado no contexto de um governo oriundo do movimento sindical?

    Em resumo, é importante analisar, de um lado, as novas características do trabalho e o perfil da classe trabalhadora que o ciclo recente da economia mundial e brasileira está a demandar, buscando analisar as implicações sociais que daí decorrem. Por outro lado, discutir o momento atual no qual são formuladas propostas de mudanças na legislação sindical e trabalhista, arenas nas quais os atores políticos estão articulados para defender os seus interesses, bem como os possíveis impactos concretos das mesmas. Analisar a relação entre Estado e movimento sindical, que na atual conjuntura apresenta características particulares tendo em vista a ampla presença de sindicalistas no interior do aparelho de Estado. E, por fim, refletir sobre a articulação do movimento sindical com os outros movimentos sociais diante de questões que afetam significativos setores da sociedade, como o desemprego, a precarização do trabalho, o tema do trabalho infanto-juvenil, gênero, informalidade, terceirização, exclusão, imigração, pobreza, bem como estratégias sindicais voltadas ao desenvolvimento regional e local em seus respectivos territórios.

    É, nesse sentido, que ganha relevância a discussão e reflexão sobre esses fenômenos contemporâneos e seus impactos na realidade brasileira.

     

    Iram Jácome Rodrigues é professor do Departamento de Economia e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da USP.
    Jacob Carlos Lima é professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar).