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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.59 n.2 São Paulo abr./jun. 2007

     

     

    IDENTIDADE NEGRA

    Mostra fotográfica distribui grandes painéis pelas ruas de Salvador

     

    Salvador recebeu uma grande mostra fotográfica, provavelmente uma das maiores já vistas na capital baiana, entre os dias 8 de janeiro e 16 de fevereiro deste ano. Ruas, avenidas e praças se transformaram em galerias, e a cidade ganhou ares de um imenso museu a céu aberto. Ao todo foram expostos 1.501 painéis, com imagens de pessoas consideradas negras, que integraram o projeto "Salvador Negroamor", do fotógrafo e publicitário Sérgio Guerra e do curador Alberto Pitta.

    As fotografias colocaram em cena pessoas comuns, crianças, velhos, jovens, comerciantes, mães e pais-de-santo, baianas de acarajé, entre outras personagens. Em dimensões e formas semelhantes a peças publicitárias, as fotos causavam estranhamento naqueles que não sabiam do que se tratava. Os painéis concorriam com modelos brancas seminuas, anunciando diferentes produtos nos outdoors. Alguns aguardavam a propaganda de produtos que viria depois, uma estratégia de marketing conhecida como teaser.

    AUTO-ESTIMA A mostra foi pensada visando a construção de uma imagem positiva da população negra baiana e a geração de novas sensibilidades para as discussões sobre as relações raciais na cidade. A iniciativa soma-se a muitas outras, como a de organizações culturais, religiosas, políticas, e também órgãos governamentais, por exemplo, ligados ao turismo, que na Bahia já projetam e utilizam há bastante tempo imagens de pessoas consideradas negras. Para Paula Cristina da Silva Barreto, professora da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia (Ufba), no longo prazo e tendo em vista o conjunto dessas intervenções, é possível que haja um efeito em termos de construção da identidade e de uma imagem mais positiva dos negros, repercutindo em sua auto-estima. "Cada iniciativa isolada dá uma contribuição pequena, mais simbólica que material, mas que, quando situada em um contexto mais amplo, tem um efeito importante na mudança das representações e das imagens negativas associadas aos 'negros'", avalia.

     

     

    O antropólogo Osmundo Pinho, pós-doutorando na Unicamp, também acredita que se, de fato, a exposição promoveu formas de identificação afrodescendente e criou um ambiente positivo ao reconhecimento da forte presença negra na constituição da cidade, é possível esperar uma ampliação do interesse pelo tema. Entretanto, "normalmente os processos sociais não são tão lineares e previsíveis", ressalta Pinho. Para ele, é importante perceber que "a reivindicação por igualdade racial e por uma re-qualificação da presença negra, e dos negros, na sociedade brasileira, produz atores sociais, subjetividades, instituições ou sujeitos políticos diferenciados. Ou seja, é a luta, ou os processos sociais, que produzem os sujeitos", afirma.

    POLÊMICAS "Salvador Negroamor" foi alvo de muito elogio mas também de críticas. Os blocos afros, com dificuldades financeiras, questionaram o alto investimento na mostra – US$ 1,5 milhão investidos pela Petrobrás, através da Lei Rouanet. Movimentos negros criticaram a expectativa da exposição de "devolver à Bahia sua verdadeira identidade", desconsiderando toda a luta da comunidade em andamento há muito tempo. Para Osmundo Pinho, as polêmicas e a própria concepção da mostra fazem parte de um "conjunto de transformações que têm alterado a paisagem das lutas culturais e políticas em torno das relações raciais em Salvador".

     

     

    A emergência dos blocos afros, nas décadas de 1970 e 1980, e a multiplicação de entidades políticas afrodescendentes evidencia uma mobilização da população negra na luta contra "desafricanização" da cidade, ocorrida nas primeiras décadas do século XX, diz o antropólogo. Ele explica que a "desafricanização" das ruas, da cidade e da vida cultural local era um movimento que pretendia apagar – expurgar ou assimilar – práticas culturais que remetessem à África ou à africanidade, como os candomblés, o carnaval negro das batucadas e afoxés e outras festas populares. A mobilização da população negra, que resgatou a resistência passada, resultou na "recente inclusão nos debates públicos da temática anti-racista e de valorização da contribuição negra à sociedade, forçando a constituição de agências governamentais, e de políticas públicas de caráter afirmativo", avalia o antropólogo. Os efeitos da exposição são, para Pinho, como "ecos da mobilização secular pelo reconhecimento da presença negra na cida de como positividade".

    ANGOLA E BAHIA A mostra colocou nas ruas da cidade não apenas fotos de baianos, mas também de angolanos. Outro objetivo dessa intervenção fotográfica era produzir aproximações entre esses povos, como Sérgio Guerra já havia explorado em outra exposição: "Lá e Cá – São Paulo e São Joaquim". A exposição apostou nas semelhanças entre baianos e angolanos para criar uma identidade entre eles. Entre as 16 mil fotos tiradas pelo fotógrafo, foram selecionadas as que não deixavam explícitas diferenças entre esses povos, por meio de objetos, lugares, vestes ou cenas. Muitas pessoas passearam pelas ruas sem perceber que não se tratava apenas de baianos.

    Paula Barreto lembra que outros fotógrafos, como Pierre Verger, também buscaram evidenciar a continuidade entre a África e o Brasil que, em sua opinião, acabou não sendo o ponto forte da exposição. "Tenho a impressão que o público não percebeu a proposta", diz. Apesar do slogan presente em alguns poucos anúncios do projeto, que diziam: "É Brasil. É África. É Bahia. É Angola. É Salvador Negroamor".

     

    Susana Dias