SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.59 issue2 author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

    Related links

    • On index processCited by Google
    • Have no similar articlesSimilars in SciELO

    Share


    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.59 no.2 São Paulo Apr./June 2007

     

    CINEMA

    MONSTRO BRASILEIRO REVIVE EM 3D

     

    Uma cópia digital em terceira dimensão do filme O monstro da lagoa negra (1954), de Jack Arnold, foi exibida no penúltimo dia do X Encontro da Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema (Socine), que ocorreu em outubro passado na cidade mineira de Ouro Preto. A exibição contou com a apresentação de Leonardo Andrade, professor da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar) e diretor da restauração digital do filme em 3D. O resultado pôde ser conferido pelo público da Socine, que reagiu com bom humor às investidas do monstro "fora" da tela.

    O monstro da lagoa negra é um dos filmes de ficção científica mais interessantes dos anos 1950. A estória se passa na Amazônia brasileira, quando um grupo de cientistas americanos chega à "Lagoa Negra" para investigar uma curiosa descoberta arqueológica. Lá eles se deparam com uma estranha criatura, misto de homem e anfíbio, que vem atacando pessoas na região. Tem início uma aventura no estilo King Kong ou A bela e a fera, com o monstro irremediavelmente atraído pela mocinha.

    O filme de Jack Arnold traz cenas memoráveis como a do nado de Kay (Julia Adams) na lagoa, espelhado pela criatura submersa. Esse episódio notadamente erótico, "uma representação estilizada de relação sexual", segundo John Baxter aponta em seu livro Science fiction in the cinema, de 1970, é passível de uma bela leitura psicanalítica e traz a matriz do medo explorado anos depois por Steven Spielberg em Tubarão (1977). Sensibilidade ecológica e preconceito com relação aos países periféricos, também, estão presentes em O monstro da lagoa negra. No conjunto, o filme fornece um discurso colonialista recorrente no cinema até hoje: aquele dos cientistas anglo-saxões que levam civilização e esclarecimento a regiões primitivas do mundo. À parte esse discurso, o filme de Arnold tem muitos encantos, em especial para os fãs de ficção científica e horror. É provável que esteja em O monstro da lagoa negra, e não em 2001, uma odisséia no espaço (1968), de Stanley Kubrick, a maior elipse da história do cinema. Enquanto no filme de Kubrick a elipse compreende um hiato entre a pré-história e o ano de 2001, quando o homem conquista o espaço, o filme de Arnold abre com imagens e voice over que remetem ao processo de formação do globo terrestre, para depois saltar até a década de 50 do século XX.

    Pérola dos estúdios da Universal, O monstro da lagoa negra é representativo do hibridismo genérico entre ficção científica e horror, sendo responsável por um revival de toda a franquia de monstros do estúdio de Carl Laemmle. Longe de ser um trash movie, mobilizou recursos técnicos sofisticados para a época em que foi lançada, como uma caixa isolante especial para as duas câmeras empregadas nas filmagens submersas.

    O monstro da lagoa negra deu origem a duas seqüências, A vingança do monstro (Revenge of the creature, 1955), também dirigido por Jack Arnold, e O monstro anda entre nós (The creature walks among us, 1956), de John Sherwood. Os filmes de Arnold foram concebidos originalmente como filmes para exibição em 3D. Foi com o objetivo de recriar essa experiência que entraram em cena Leonardo Andrade e sua equipe de alunos do curso de imagem e som da Ufscar. Eles criaram um método digital eficaz e economicamente viável de restaurar filmes em 3D.

     

    ENTREVISTA - LEONARDO ANDRADE

    Como funciona o cinema em 3D?
    Existem dois métodos consolidados de visualização em três dimensões para exibições coletivas, como é o caso do cinema. O método mais antigo é o anaglífico. A primeira experiência cinematográfica tridimensional com esse método foi em 1922, com o filme The power of love (dirigido por Nat G. Deverich e Harry K. Fairall). Essa técnica consiste em conferir duas cores diferentes para cada imagem referente aos olhos esquerdo e direito, de modo que o espectador, ao utilizar óculos com lentes que filtrem as cores desejadas, possa separar cada uma das imagens mescladas na tela.
    Outro método utilizado nos anos 1950 é o da estereoscopia por filtragem de luz polarizada: duas câmeras cinematográficas sincronizadas, montadas à distância interocular (cerca de 6,5 cm), produzem dois filmes referentes respectivamente à visão do olho esquerdo e do olho direito. Em uma tela metalizada é feita projeção sincronizada das duas películas, usando-se filtros polarizadores.
    O espectador assiste ao filme de óculos, com filtros polarizadores iguais aos da projeção. Dessa forma, as imagens referentes a cada um dos olhos são filtradas, de maneira que cada olho percebe somente a imagem referente à sua lateralidade. Em sistemas mais aprimorados, uma única câmera, através de uma objetiva especial anamórfica, forma duas imagens sobre uma única película. Depois, um projetor também equipado com uma objetiva semelhante reproduz aquela película, gerando duas imagens separadas e polarizadas sobre tela metalizada. Da mesma forma, óculos polarizadores são necessários para a separação dos dois tipos de imagem.

    Por que o cinema 3D anda desaparecido nos últimos tempos?
    A época de ouro foi a década de 1950. Com o surgimento da televisão, as produtoras cinematográficas norte-americanas procuraram formas de atrair a atenção do público. Telas de grande formato (cinemascope), filmes coloridos, e também o cinema 3D foram usados nessa reconquista do espaço que estava sendo perdido para a TV. Nessa época foram produzidos filmes como A casa de cera (House of wax) dirigido por Andre de Toth em 1953, O monstro da lagoa negra (Creature from the black lagoon), e Disque M para matar (Dial M for murder), dirigido por Alfred Hitchcock em 1954.
    Infelizmente, o custo de produção de um filme em 3D, com captação e exibição em película, ainda é muito elevado. Atualmente, os cinemas I-Max norte-americanos realizam produções cinematográficas em três dimensões, mas com filmes focados apenas em entretenimento.

    Como foi o processo de restauração?
    Comecei a trabalhar com estereoscopia digital com o auxílio do Hélio Godoy, então na Ufscar e hoje na UFMS. O primeiro passo foi desenvolver um software, que serviu de base para o atual, que trabalhava apenas com a mixagem de duas imagens estáticas para obtenção de uma imagem estereoscópica anaglífica verde-vermelho.
    Realizando pesquisas sobre esterescopia, descobri que o filme do qual sou fã, O monstro da lagoa negra, havia sido filmado em 3D, além de ter diversas cenas subaquáticas. Consegui uma cópia em DVD, para ser vista com um aparelho que controla óculos especiais (denominados "obturador"), que fecha a visão do olho complementar ao ser exibida na tela da TV uma imagem para um determinado olho. As imagens contidas nesse DVD são entrelaçadas, ou seja, a imagem do olho direito e a do olho esquerdo compõem um único quadro dividido em linhas pares e ímpares (sistema de estereoscopia de chaveamento de imagens). Foi extremente frustrante ter em mãos uma mídia que continha informações digitais em três dimensões, mas não ter o aparelho para visualização.
    A partir da cópia digital do filme (em resolução baixa, cerca de 360 x 480 pixels para cada quadro), foi produzido um software para ampliar a resolução dos quadros e mixar seus canais de cor, para obtenção de quadros ciano-vermelho. Essa técnica anaglífica foi escolhida pela facilidade de projeção (usa apenas um projetor digital e óculos com filtros de cor para os expectadores).
    Após desenvolver o software, todo o material digital foi processado para obter uma nova cópia. O próximo passo foi resolver a sincronização do áudio. Para esta função e para a aquisição dos óculos para os espectadores, surgiu a idéia de realizar um projeto de extensão universitária dentro da Ufscar. Foi contratado um bolsista (Daniel Roviriego, do curso de graduação em imagem e som), que realizou a sincronização do som com áudio dublado em português. Se o material original fosse uma cópia 35mm digital, ao invés de um DVD, a resolução do produto final seria muito superior.

    Esse processo representa uma alternativa mais viável para cinema 3D?
    O processo desenvolvido transforma duas imagens captadas em uma única, sendo que essa nova imagem possui canais de cores separados, possibilitando a exibição a partir de um único projetor. Outro fato importante é que as novas tecnologias de captação digital de alta definição já possuem profundidade de campo suficiente para produzir um efeito tridimensional factível. Mesmo usando duas câmeras digitais para captação, o custo atual é imensamente inferior em virtude das novas tecnologias apresentadas.

    No exterior, quem mais realiza projetos desse tipo?
    No inicio da década de 1990, foi lançado o filme A hora do pesadelo 6 – o pesadelo final, sob direção de Rachel Talalay, no qual os minutos finais apresentam cenas em três dimensões. Há pouco tempo os estúdios Disney realizaram Pequenos espiões 3D (Spy kids 3D) dirigido por Robert Rodriguez, exibido quase totalmente em 3D. Também em 2003, o diretor James Cameron realizou Ghosts of abyss, para ser exibido em 3D nos cinema I-Max. Mas além dos projetos de grandes produtoras, existem filmes tridimensionais com orçamentos menores feitos de modo experimental pelo mundo todo, tendo em vista que ainda não existe um padrão de captação e codificação de imagens estereoscópicas.

    Há previsão de restauro de outros filmes 3D no futuro?
    Estamos pensando em trabalhar em Disque M para matar, de Alfred Hithcock, além de realizar novos filmes captados com câmeras digitais estereoscópicas.

     

    Alfredo de Oliveira Suppia