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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.59 n.3 São Paulo jul./set. 2007

     

     

     

     

    SAÚDE INDÍGENA

    Vulnerabilidade coloca em risco índios no Maranhão

     

    Nos últimos meses, os índios Guajajara, da terra Araribóia, ganharam espaço nas revistas e jornais de todo o país devido aos protestos por mudanças nas políticas de saúde indígena e contra os desmatamentos de áreas florestais em suas terras. Para István van Deursen Varga, coordenador do mestrado em saúde e ambiente do Departamento de Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), tais ocorrências estão intrinsecamente relacionadas. Essas comunidades têm permitido a ação das madeireiras por se encontrarem em situação vulnerável, com acesso precário às políticas e serviços indigenistas e de atenção à saúde. "A saúde é uma moeda forte, usada para seduzir e pressionar os povos indígenas a reduzir seus territórios e permitir a devastação. A chegada dos madeireiros e carvoeiros traz dinheiro, água, estradas etc, ou seja, eles suprem demandas não atendidas pelo Estado", avalia Varga.

     

     

    Os Guajajara vivem em terras situadas na margem oriental da floresta amazônica, no Maranhão. Somente a terra indígena Araribóia, que fica no centro do estado, tem cerca de 9 mil índios. A situação atualmente é mais complicada para os Guajajara que habitam a região norte de Araribóia, cujas matas estão mais preservadas, porque esses índios resistiram à entrada dos exploradores de madeira na década de 1990. "Esses índios não têm tido acesso a políticas, programas e serviços de educação e saúde e, como têm menor grau de escolaridade, apresentam menos condições de acompanhar, apreender e de interferir na condução das políticas e serviços públicos a eles voltados", analisa Varga. Já muitos dos Guajajara da região sul, que cederam a pressões e ofertas da frente madeireira nas décadas de 1980-90, em sua maioria vivem nas cidades, têm maior grau de escolaridade e atuação política mais consistente junto às instituições responsáveis pelo atendimento de saúde indígena. A venda das madeiras permitiu a várias famílias Guajajara alcançar condições socioeconômicas mais favoráveis. Esses dados foram obtidos a partir de investigações epidemiológicas, que buscavam mapear os casos de aids entre os Guajajara que vivem nas cidades.

    RISCO DE EXTINÇÃO Além dos Guajajara, vivem em meio às matas da terra indígena Araribóia os Guajá, que se autodenominam Awá, e são, atualmente, os grupos indígenas mais afetados pela devastação. Como são estritamente caçadores e coletores, esses índios dependem inteiramente da floresta, onde perambulam em pequenos grupos. O avanço das motosserras sobre suas terras tem provocado drásticas alterações nos modos de vida e organização, incluindo mortes já relatadas e documentadas. Recentemente, organizou-se uma campanha nacional e internacional para evitar a extinção dos Awá, chamando atenção dos governos estaduais e federal, e da sociedade civil, para a situação de vulnerabilidade desses povos. A ONG inglesa Survival Internacional, que atua na defesa dos direitos dos povos indígenas em todo o mundo, participa da campanha.

    István Varga lista alguns dos problemas que considera os responsáveis pela precariedade do atendimento à saúde dos povos indígenas no Maranhão: a terceirização dos serviços de saúde; a atual configuração dos Distritos de Saúde Indígena; e a discrepância entre as estimativas da população indígena feitas pelo IBGE e pela Funai/Funasa, que se reflete na organização das políticas públicas de saúde.

    ATENDIMENTO PRECÁRIO A terceirização da saúde, embora tenha funcionado em outros estados, não funciona bem no Maranhão, devido à falta de experiência e organizações dos povos indígenas na área. O resultado, explica Varga, é que a responsabilidade pela saúde indígena foi assumida por organizações pouco sólidas e pelas próprias prefeituras que, historicamente, têm conflitos com os indígenas maranhenses.

     

     

    Outro problema apontado pelo pesquisador, que foi consultor da Funasa em 1993, é a territorialização pouco consistente. Na época em que foram criados os Distritos Sanitários Especiais Indígenas (Dseis), sob responsabilidade da Funasa, solicitou-se cinco Distritos para o Maranhão. Entretanto, foi criado um único Distrito para todo o estado, que se situa na ilha de São Luís, a mais de 400 quilômetros da aldeia mais próxima, com o objetivo de atender 27 mil índios. "O resultado é que o atendimento hoje, em várias comunidades, chega a ser ainda pior, apesar de maior quantidade de recursos disponíveis, do que era na época da Funai, que tem quatro sedes no Estado", lamenta o pesquisador.

    DISCREPÂNCIA DE DADOS Para se ter uma idéia, no estado de São Paulo, o censo do IBGE de 2000 estimava a existência de 63,7 mil índios, enquanto a Funai/Funasa trabalhava com a estimativa de 3 mil índios, de acordo com Varga. Essa discrepância deve-se às diferentes metodologias usadas para realizar esse levantamento: enquanto o IBGE utiliza a auto-identificação como critério para definir raça e etnia dos entrevistados, as entidades de atendimento aos indígenas trabalham com a hetero-classificação, excluindo, por exemplo, os povos indígenas que vivem em ambiente urbano e não em aldeias. A hetero-classificação lida com as bastante discutíveis definições, tais como: o que é ser índio? O que se pode ser considerado uma aldeia? Existem povos, por exemplo, que não reconhecem a tutela dos postos indígenas da Funai e, em virtude disso, passam também a não fazer parte das contas dessa instituição.

     

    Susana Dias