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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.59 no.3 São Paulo July/Sept. 2007

     

     

     

     

    GUIAS DE CAMPO

    Diversas publicações se dedicam a orientar turistas na observação da natureza

     

    No fundo do rio, um dourado ziquezagueia tranqüilo. De seu ninho, a coruja buraqueira abre as asas para alçar vôo. Nem o peixe nem a ave sabem, mas por trás das lentes dos óculos de mergulho ou do binóculo, eles estão sendo observados. No Brasil, o aumento do interesse pelo contato com a natureza fez surgir um novo filão no mercado do ecoturismo: os guias turísticos, ou guias de campo, publicações que orientam a observação da fauna, da flora e dos variados ecossistemas.

    O guia de campo contém, em linguagem simples e acessível, uma série de informações sobre uma região específica, como o Cerrado ou a Amazônia, com dados sobre as principais paisagens e as espécies da fauna e da flora que ali são encontradas. Pode também orientar a observação de animais e plantas, reunindo informações sobre a área de ocorrência da espécie, suas características físicas e outros dados que ajudem em sua identificação. Segundo o biólogo José Sabino, da Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal (Uniderp), o guia de campo deve ser didático e prático de usar. Sabino coordena o projeto "Peixes de Bonito", que, entre outras coisas, produziu um guia para observação de peixes de água doce, que contém dados sobre as 24 principais espécies, das cerca de 90 já identificadas nos rios do Planalto da Bodoquena – região onde se localiza a cidade de Bonito, no sudoeste do Mato Grosso do Sul. A novidade é que foi impresso em folha de papel plastificada e pode ser levado pelo turista para baixo d’água. "Já existem guias como este usados nos mergulhos submarinos, mas para água doce é o primeiro", destaca o biólogo.

    Os rios do Planalto da Bodoquena são privilegiados por sua águas transparentes e "funcionam como uma janela para a vida subaquática". Sabino destaca a riqueza da biodiversidade brasileira: o país tem o maior número de espécies de peixes de água doce do mundo, uma estimativa que varia de 4 a 5 mil espécies. Embora a maioria delas viva em águas turvas, os peixes da região de Bonito podem ser facilmente observados por conta das águas cristalinas.

     

     

    Além do papel informativo, esse tipo de guia de campo se presta à educação ambiental, com informações sobre a região e orientações de roteiro para diminuir o impacto ambiental da visitação pública. O biólogo acredita que a função do guia é também a de sensibilizar cidadãos urbanos em relação às paisagens naturais. "Em geral, o rio é visto como um lugar de onde se tira água e se devolve esgoto", explica. Uma visão que precisa ser mudada.

    O projeto possui um braço na universidade. Perto de 30 pesquisadores estudam a ecologia da região, o comportamento dos animais e pretendem descrever as 20% de espécies de peixes que ainda não foram identificadas. O livro Guia de peixes da serra da Bodoquena, uma publicação maior que acompanha o guia subaquático, terá informações mais detalhadas sobre todas as espécies de peixes conhecidas da região.

    DA ÁGUA AO AR Enquanto alguns mergulham em busca de belezas submersas, outros mantêm os pés firmes no chão, mas a cabeça voltada para o céu. "O observador de aves é um fanático, seu mundo é totalmente diferente do resto", diz a bióloga e doutora em ecologia, Martha Argel, 30 anos de trabalho com aves. Argel é uma das coordenadoras de uma parceria internacional que visa fazer um guia de observação de aves que corrija os muitos problemas dos atuais. Segundo ela, os guias brasileiros apresentam problemas de informação, tamanho, e nas ilustrações.

    No entanto, fazer uma publicação completa para observação de aves esbarra na quantidade de espécies de aves existentes no território nacional: "são mais de 1880 e se forem reunidas em um único guia, o livro ficaria enorme. E um guia de 3 quilos não é um guia", diz Martha. Por isso, o guia será dividido em seis volumes, cada um tratando de uma região específica do país. O primeiro vai conter as aves do Cerrado e do Pantanal e sua publicação está prevista para janeiro de 2008.

    O guia será bilíngue (português/inglês) e a meta é que "o Brasil integre o circuito internacional de observação de aves, devido à diversidade da fauna local". Outro objetivo é difundir a cultura de observação de aves no país, criando uma fonte de referência para estudiosos e de capacitação para os guias especializados, acrescenta a ecologista.

    Para o fotógrafo de natureza Daniel De Granville, a educação dos guias de turismo a partir do guia impresso é fundamental para fomentar a prática turística. "O guia de campo incrementa com informações técnicas o conhecimento empírico dessas pessoas", explica. O fotógrafo é um dos idealizadores do Guia de campo de Bonito, uma publicação que reúne as principais espécies da fauna e da flora da cidade turística sul-mato-grossense. Granville lembra que a diferença entre o turismo de contemplação e o de interação traz distinções também aos guias de campo. Em Bonito, os turistas buscam mais a adrenalina dos esportes de ação do que a observação da natureza.

    AVES URBANAS De acordo com a bióloga e consultora em ecoturismo, Maria Antonietta Pivatto, em outros países é comum o uso de guias dos mais variados temas (aves, flores, cogumelos, mamíferos, rochas, conchas, etc). "Aqui, ainda é artigo raro e depende de iniciativas isoladas", diz a consultora, que participou da elaboração do Guia de campo de Bonito. Ela reconhece, no entanto, que há um crescente aumento na oferta e cita publicações como Aves da Grande São Paulo, Aves do Parque Ibirapuera, Frutas do Cerrado e Plantas do Pantanal, entre outras.

     

     

    Na opinião de Martha Argel, o hábito de buscar informações em guias de observação da natureza ainda não é difundida no país. Em sua área, ela destaca um deles – o Aves da Grande São Paulo – que permite às pessoas observarem as aves sem sair da cidade. "A maior parte das visitas ocorre nos parques nacionais do Iguaçu e da Tijuca. Nos outros a visitação é muito pequena", acrescenta. Apenas 1,5% dos brasileiros freqüenta os parques, segundo a tese de mestrado da geógrafa Andréa Zimmermann, defendida na Universidade de Brasília (Unb). Para Martha, um guia que identifique quais são as aves existentes na própria cidade, no caminho da casa para o trabalho, por exemplo, pode estimular as pessoas a repararem mais a beleza a seu redor e fazer com que seu interesse expanda para paisagens mais distante.

     

    Murilo Alves Pereira