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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.59 no.3 São Paulo July/Sept. 2007

     

     

    INFLUÊNCIA DO DESMATAMENTO SOBRE O CICLO HIDROLÓGICO NA AMAZÔNIA

    Julia Clarinda Paiva Cohen
    Josivan da Cruz Beltrão
    Adilson Wagner Gandu
    Renato Ramos da Silva

     

    CONTEXTUALIZAÇÃO DO PROBLEMA A bacia amazônica representa a maior extensão de florestas tropicais da Terra, exercendo significativa influência no clima local e global, devido aos fluxos de energia e água na atmosfera. Presume-se que alteração dos ciclos da água, energia solar, carbono e nutrientes, resultantes da mudança no uso da terra na Amazônia possam provocar conseqüências climáticas e ambientais em escalas local, regional e global (1).

    Nas últimas três décadas, a Amazônia vem passando por um processo acelerado de ocupação, que levou a um desmatamento de 14% de sua área (2-3). Esse desmatamento está concentrado em uma faixa, que se estende pelo sul da região desde o Maranhão até Rondônia, denominada "Arco do Desmatamento", representando uma área de transição entre dois dos maiores biomas brasileiros, a Amazônia e o Cerrado, que contém partes preciosas da biodiversidade das duas regiões.

    Cenários de mudanças globais indicam um clima de 2 a 6º C mais quente para a Amazônia no final deste século. Esse aquecimento pode ter impacto importante sobre a manutenção do bioma amazônico. É também cada vez mais evidente que a fragmentação da floresta, devido a mudanças do uso de solo, está fazendo a floresta ficar mais suscetível a incêndios, aumentando a inflamabilidade e a taxa de queimadas (4).

    O ciclo hidrológico da região amazônica ainda é pouco compreendido, e recentemente, com as atividades do Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA), foram elucidados mecanismos importantes na formação de nuvens naturais e das influenciadas por partículas de queimadas na Amazônia (4). Observou-se forte supressão da formação de nuvens rasas formadas a partir de aerossóis de queimadas, com possível impacto no ciclo hidrológico (5).

    Diversos estudos numéricos com Modelos de Circulação Geral (MCG) foram feitos para avaliar o impacto climático global e regional da substituição total da floresta amazônica por pastagem (6 a 11). Em geral, esses estudos indicam um clima mais quente e seco na região. Entretanto, outros estudos feitos também com MCG mostram resultados opostos, sugerindo que esses modelos são altamente sensíveis aos processos físicos que eles representam.

    Ao contrário de estudos com MCG, os resultados de modelos de meso-escala, cuja resolução espacial é maior do que àquelas do MGG, observa-se que o desmatamento total da Amazônia não provoca uma diminuição generalizada na precipitação na Amazônia (12,13). No leste da Amazônia, a topografia, o litoral e sistemas de grandes rios têm um importante papel nos padrões anômalos de precipitação, ventos e energia, na simulação de desmatamento total da Amazônia (13).

    Estudos observacionais também têm avaliado a influência do desmatamento sobre a chuva (14,15). A comparação de atividade convectiva entre regiões de floresta, savana e desmatadas são maiores na época seca.

    Assim, para avaliar "Como as características da superfície na Amazônia, interferem no clima local e regional", apresenta-se resultados de simulações com um modelo regional complexo de alta resolução, onde cenários de uso da terra são utilizados ao invés de fazer a substituição total da floresta por pastagem.

    MODELO E SIMULAÇÕES NUMÉRICAS Simulações numéricas foram feitas com o modelo BRAMS (Brazilian Regional Atmospheric Modeling System), que representa a versão brasileira do modelo regional RAMS (Regional Atmospheric Modeling System) (16). Esse modelo apresenta uma completa representação física de processos radiativos e de microfísica de nuvens, ambos com os processos associados aos aerossóis, transportes convectivos associados às nuvens e à turbulência seca, e de interação superfície-atmosfera, incluindo um módulo de vegetação dinâmica GEMTM (General Energy and Mass Transport Model) (17).

    A maioria dos MCG e modelos de meso-escala utilizam modelos de superfície da terra com vegetação estática, onde se assume que a distribuição espacial das espécies, cobertura de vegetação, área foliar e rugosidade, são constantes com o tempo (18-19). No entanto, sabe-se que na natureza variações sazonais e anuais na vegetação são típicas para os ecossistemas terrestres, assim a natureza estática da superfície da terra nos modelos atmosféricos atuais está longe da realidade, e pode conduzir a simulações climáticas com sérios erros (19).

    Processos de trocas de massa (H2O e CO2) e energia entre a superfície da terra e a atmosfera são importantes condições limites para o estudo do clima. Fluxos de calor latente, calor sensível, momentum e CO2 da superfície são termos fontes e sumidouros nos modelos atmosféricos. Essas trocas de massa e energia são controladas por processos físicos e biológicos no ecossistema solo-planta, tais como: característica espectral da folha, taxa de fotossíntese, estrutura do dossel e textura do solo, que desempenham importante papel no controle dos fluxos de massa e energia entre a superfície e a atmosfera (17).

    Foram feitas simulações para os três meses mais chuvosos (janeiro a março) e menos chuvosos (agosto a outubro) observados no ano de 1999. Utilizou-se uma grade com espaçamento horizontal de 60 km, cujas matrizes horizontais e vertical incluem 99 x 63 x 34 pontos. A resolução vertical foi variável com espaçamento inicial de 100 metros na camada mais baixa do modelo, aumentando para cima pelo fator de 1,15 até o espaçamento vertical atingir 1000 metros, e é então mantido até o topo do modelo (22 km). A inicialização do modelo foi variável e utilizou as análises do modelo global do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC), pertencente ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) que também foi utilizado como condição de fronteira para a região simulada, com atualização a cada 6 horas.

    Como condições de contorno na superfície e dados de entrada no sub-modelo de interação superfície-atmosfera foram utilizadas a distribuição da cobertura vegetal, obtida através de modelo empírico de dinâmica de desmatamento, que simulou os impactos da pavimentação das rodovias no avanço do desmatamento ao longo da Amazônia (20). Esses mapas de classe de vegetação foram produzidos para dois casos distintos. No primeiro caso, chamado de "sem governança", as forças de destruição/desmatamento ocorrem sem efetiva contraposição. No segundo caso, chamado "governança", os vários seguimentos da sociedade, em conjunto com o Estado, desempenham um importante papel em prol da utilização regulada dos recursos naturais e conseqüente conservação da integridade ambiental da bacia amazônica. Nessas simulações utilizam-se os dois cenários de cobertura vegetal, um para o ano de 2002 (Figura 1.a) e o outro para 2050 (Figura 1.b), ambos "sem governança". Observa-se que a classes de vegetação dominantes nesse domínio são a floresta, pastagem, cerrado e caatinga as quais estão ressaltadas.

     

     

    Defini-se como experimento "controle" aquele gerado com as condições de superfície encontrada no cenário de desmatamento de 2002 e experimento "futuro" para aquele que utilizou o cenário de desmatamento de 2050.

    RESULTADOS Para o experimento "controle", a quantidade acumulada de chuva gerada pelo modelo foi superestimada em relação ao valor observado, no entanto a distribuição espacial da precipitação mensal acumulada para os três meses chuvosos e os três meses menos chuvosos do ano de 1999, mostrou-se concordante com os mapas observados.

    A diferença da chuva gerada entre os experimentos "futuro" e "controle" mostram a anomalia da chuva devido ao cenário de desmatamento encontrado em 2050 sem governança (Figura 2). A substituição da floresta por pastagem mostrou redução de chuva em determinadas regiões e aumento em outras, tanto no período chuvoso como no período menos chuvoso. No estado do Pará há redução da chuva de até 25% no período chuvoso, tendo diminuído para até 15% no período menos chuvoso. Entretanto, no interior da Amazônia, no estado do Amazonas, observou-se que a chuva é reduzida em maior magnitude e área de abrangência no período menos chuvoso. Resultados semelhantes foram encontrados em outros estudos tanto com a substituição total da floresta por pastagem(13) ou com cenários de usos da terra (12). Assim, observa-se que a expansão do arco do desmatamento não provoca uma redução generalizada da precipitação como encontrado nos resultados de MCG. (6 a 11)

     

     

    Nos dois períodos, observou-se um aumento de temperatura na maior parte da região amazônica. Porém, no período menos chuvoso, o máximo aquecimento (maior que 1º C) esteve localizado nas regiões mais desmatadas no leste do estado do Amazonas e na divisa com o Acre (Figura 3a).

     

     

    Outro aspecto importante foi o aumento da velocidade média do vento próximo à superfície, na região costeira e ao longo dos grandes rios. Esse resultado está associado à redução no coeficiente de rugosidade, decorrente do desmatamento, que promove um aumento da velocidade do vento nessas regiões, principalmente no período menos chuvoso.

    DISCUSSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS No presente trabalho, dois grandes avanços permitiram importantes melhoras na representação e entendimento do impacto do desmatamento na Amazônia. Inicialmente, o modelo usou cenários mais realísticos da esperada mudança da cobertura vegetal devido ao desmatamento. Adicionalmente, o modelo climático utilizou um esquema de vegetação dinâmica propiciando mudanças em suas características estruturais em função das condições climáticas.

    O impacto do desmatamento obtido mostra uma Amazônia mais seca e quente, no entanto a magnitude dessas mudanças é menor se comparada com resultados de experimentos usando MCGs. (6 a11)

    Estudos recentes sugerem que para representar melhor os processos meteorológicos locais, tais como as grandes linhas de instabilidade, uma resolução melhor precisa ser usada(21). Simulações com resolução de 20 km estão em fase de produção e deverão ser publicadas em breve.

     

    Julia Clarinda Paiva Cohen é graduada em meteorologia pela UFPA, com mestrado em meteorologia pelo Inpe e doutorado em ciências atmosféricas pela USP. Atualmente é professora associada I do Departamento de Meteorologia, Centro de Geociências da UFPA e docente do Programa de Pós-Graduação Interinstitucional (UFPA-MPEG-Embrapa) em ciências atmosféricas com enfoque multidisciplinar.
    Josivan da Cruz Beltrão é graduado em física pela UFPA. Atualmente é aluno do curso interinstitucional (UFPA-MPEG-Embrapa) de mestrado em ciências ambientais e bolsista do Programa de Bolsas de Estudo Para a Conservação da Amazônia (Beca), financiado pelo Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB).
    Adilson Wagner Gandú é graduado em física pela USP, com mestrado e doutorado em ciências atmosféricas pela USP. Atualmente é professor doutor no Departamento de Ciências Atmosféricas, Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP, e docente no Programa de Pós-Graduação Interinstitucional (UFPA-MPEG-Embrapa) em ciências atmosféricas com enfoque multidisciplinar e em ciências atmosféricas da USP.
    Renato Ramos da Silva é graduado em física pela USP, com mestrado em meteorologia pelo Inpe e doutorado em engenharia civil e ambiental pela Duke University. Atualmente é pesquisador no Departamento de Meteorologia, Centro de Geociências da UFPA e professor permanente do Programa de Pós-Graduação Interinstitucional (UFPA-MPEG-Embrapa) em ciências atmosféricas com enfoque multidisciplinar.

     

     

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

    1. Nobre, C.A.; Oyama, M.D.; Oliveira, G.S.; Marengo, J.A.; Salati, E. "Impact of climate change scenarios for 2100 on the biomes of South America. First International" - CLIVAR Conference, Baltimore, USA, 21-25, 2004.

    2. Prodes - Programa de desmatamento da Amazônia – Monitoramento da floresta amazônica por satélite, Inpe/Ibama, 2005.

    3. Nepstad, D.; Carvalho, G.; Barros, A.C.; Alencar, A.; Capobianco, J.P.; Bishop, J.; Moutinho, P.; Lefebvre, P.; Silva, U.L.; Prins, E. "Road paving, fire regime feedbacks, and the future of Amazon forests". Forest Ecology and Management 154:395-407, 2001.

    4. Andreae, M.O.; Rosenfeld, D.; Artaxo, P.; Costa, A.A.; Frank, G. P.; Longo, K.M.; Silva-Dias, M.A.F. "Smoking rain clouds over the Amazon". Science, Vol 303, 1342-1345, 2004.

    5. Silva Dias, M.A.F.; Artaxo, P. Andreae, M.O. "Aerosols impact clouds in the Amazon Basin". GEWEX. Newsletter, Vol. 14, No. 4, pág. 4-6, 2004.

    6. Nobre, C.A.; Sellers, P.J.; Shukla, J. "Amazonian deforestation and regional climate change". Journal of Climate 1991 4: 957-988, 1991.

    7. Lean, J.; Bunton, C.B.; Nobre, C.A.; Rowntree, R.L. "The simulation of Amazonian deforestation on climate using measured Abracos vegetation characteristics". In GASH, J.H.C. et al. Amazonian deforestation and climate. Chichester (England): John Wiley & Sons Ltd., 611 pp., 1996.

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    9. Costa, M.R.; Foley, J.A. "Combined effects of deforestation and doubled atmospheric CO2 concentrations on the climate of Amazonia". J Climate, 13:18-34, 2000.

    10. Werth D.; Avissar, R. "The local and global effects of Amazon deforestation". J. Geophys Res. 107(D20):artigo nº. 8087, 2002.

    11. Correia, F. W. Alvalá, R. C. S, Manzi, A. "O impacto das modificações da cobertura vegetal no balanço de água na Amazônia: um estudo com modelo de circulação geral da atmosfera (MCGA)". Revista Brasileira de Meteorologia, v.21, n.3, -15, 2006.

    12. Correia, F. W. Alvalá, R. C. S, Manzi, A. "Modeling the impacts of land cover change in Amazonia: a regional climate model (RCM) simulation study". Aceito para publicação na Theoretical and Applied Climatology.

    13. Gandu, A.W.; Cohen, J.C.P.; Souza, J.R.S. "Simulation of deforestation in eastern Amazonia using a high-resolution model". Theoretical and Applied Climatology, v. 78, 2004.

    14. Durieux, L.; Machado, L.A.T.; Laurent, H. "The impact of deforestation on cloud cover over the Amazon arc of deforestation". Remote Sensing of Environment 86:132-140, 2003.

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    18. Sellers, P.J.; Hall, F.G.; Strebel, D.E.; Asrar, G.; Murphy, R.E. "Satellite remote sensing and field experiments". In: Hobbs, R.J.; Mooney, H.A. Remote sensing of biosphere functioning. Ecological studies 79. Springer, New York, pp. 169-219, 1990.

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