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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.59 n.3 São Paulo jul./set. 2007

     

     

    LITERATURA

    CLARICE LISPECTOR E A HORA DA ESTRELA

     

    O Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, inaugurado há pouco mais de um ano com a exposição da obra de Guimarães Rosa, abre seu espaço, agora, para a escritora Clarice Lispector. É a chance do público conhecer as diversas faces dessa ucraniana, que declarou abertamente seu amor à língua portuguesa em suas obras. Rosa lhe disse que não a lia para a literatura, e sim para a vida, o que muito a lisonjeou. O psicanalista e amigo Hélio Pellegrino a definiu como "uma pessoa com uma dramática vocação de integridade e totalidade".

    Ao mesmo tempo que escrever lhe dá um sentimento de realização, também lhe provoca dor: reescrevia os livros obsessivamente, incapaz de lê-los depois de publicados. Viajou pela Europa e morou em diversos países, experiência que deixou marcas em crônicas, cartas e entrevistas (A descoberta do mundo, Para não esquecer). Suas entrevistas não são nada convencionais, e muitas vezes acabam por revelar mais da própria entrevistadora. Parte do acervo de Clarice está nessa exposição em São Paulo, que tem em sala reservada aos visitantes uma espécie de "caça ao tesouro": gavetas que contêm rascunhos, cartas, fragmentos de uma personalidade complexa e fascinante.

     

     

    Clarice reclamava da necessidade de se mostrar inteligente todo o tempo, das cerimônias oficiais acompanhando o marido diplomata Maury Gurgel Valente(em Cartas perto do coração, sua correspondência com Fernando Sabino). No Brasil, Brasília seria "a imagem de seu pesadelo", enquanto a Recife de sua infância nutre de lembranças seus escritos. Seus filhos foram inspiração de diversos livros infantis: O mistério do coelho pensante, A mulher que matou os peixes, entre outros.

    O TEMA DA MORTE Clarice conversava e escrevia sobre a morte. Ganhou fama de "lúgubre", "sombria" e pessimista como os existencialistas. No entanto, era capaz de ver o ato de amor como uma assombrosa revelação – Água viva, 1973. Dizia que "viver ultrapassa todo o entendimento", e sua escrita é extremamente viva. Considerada introspectiva, a escritora não se voltava somente para dentro de si. A morte de um bandido, com muitos tiros, por exemplo, provoca-lhe um texto em que se diz atingida pelas balas. Em A hora da estrela questiona a capacidade dos intelectuais de realmente entenderem e se fazerem porta-vozes dos desvalidos.

    Em entrevista à TV Cultura, nega-se a dizer de onde veio o nome da personagem Macabéa, mas como não evocar, por contraste, a perfidiosa e ardilosa Lady Macbeth, de William Shakespeare? A escritora negava ter influências diretas, mas é inevitável a comparação com Virginia Woolf, por exemplo, em Mrs Dalloway, feito principalmente do fluxo de pensamentos, sentimentos, impressões e lembranças da protagonista. Tinha consciência aguda de que a escrita só se completa na leitura, e não acobertava para o leitor os rastros de sua ficção a fim de tornar o texto mais "real" ou "realista". Recusava as acusações de que escrevia de forma difícil: "O que escrevo é simples. Eu não enfeito". Pouco depois do lançamento de A hora da estrela, em 9 de dezembro de 1977, Clarice morria pela última vez. Afinal, como sempre dizia, morria sempre que concluía um livro.

     

    Flávia Natércia