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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.59 n.3 São Paulo jul./set. 2007

     

    LANÇAMENTO

    OBRA MOSTRA A FORMAÇÃO DO BRASIL MUITO ANTES DE CABRAL

     

    É possível imaginar preguiças-gigantes de quatro toneladas e quase quatro metros de altura se relaxando à sombra de uma árvore no interior de Minas Gerais? Ou, ainda, acreditar que, por essas mesmas paragens, o homem chegou a conviver com imensos mastodontes e tigres-dentes-de-sabre, parentes próximos daqueles animais pré-históricos que protagonizam o desenho animado A era do gelo? Uma obra de fôlego dá fundamentos para isso e sacia a curiosidade dos leigos que se interessam por nossas origens: trata-se do livro Pré-história do Brasil, organizado por Bia Hetzel e Silvia Negreiros e recém-lançado pela editora Manati.

    A sofisticada edição de 227 páginas em capa dura, que teve lançamento simultâneo em português e inglês em abril, é dividida em duas partes. A primeira traz textos que seguem uma linha cronológica que começa com a formação geológica do planeta há três bilhões de anos atrás, passando pela separação dos continentes e por eventos comprovadamente ocorridos no Brasil, como derramamento de lavas vulcânicas, terremotos e quedas de grandes asteróides e cometas. Após mencionar dinossauros, como os de sete metros de comprimento e quatro de altura encontrados em Mato Grosso, e pterossauros com 52 dentes, uma crista óssea de um metro na cabeça e asas com quatro metros de envergadura, encontrados na chapada de Araripe, nas divisas de Ceará, Piauí e Pernambuco, essa primeira parte do livro fala de uma megafauna que viveu aqui e incluía animais como preguiças-gigantes, mastodontes e tigres-dentes-de-sabre, todos extintos. Em seguida, os textos apresentam os primeiros humanos a habitar o Brasil, seus hábitos, sua cultura, suas migrações pelo país, os conflitos entre povos diferentes e a sua dizimação pelo domínio europeu.

     

     

    No começo do século XIX, o naturalista dinamarquês Peter Lund, que veio ao Brasil para se curar de uma tuberculose, descobriu por acaso que cavernas da região de Lagoa Santa, em Minas, guardavam imensas ossadas muito antigas – que mais tarde se saberia pertencerem a humanos e a animais pré-históricos como aqueles. Embora soubesse da importância do achado, que o fez passar 46 anos de sua vida em Lagoa Santa, boa parte deles dedicados a pesquisas nas cavernas da região, Lund talvez não imaginasse que seus estudos iriam contribuir para a teoria da evolução de seu contemporâneo Charles Darwin e para o início de importantes descobertas que iriam redefinir as hipóteses sobre a antiguidade da presença do homem no continente americano.

    Além dos ossos encontrados em Lagoa Santa, outros indícios de que o homem já ocupava as Américas há mais tempo do que se imaginava são pinturas em paredes de grutas como as da região de São Raimundo Nonato, no Piauí, com datações de mais de 11 mil anos atrás. Dos achados de Lund para cá, muita coisa se descobriu sobre o passado da ocupação do território brasileiro antes da chegada da esquadra de Cabral. Boa parte das pesquisas realizadas para desvendar esse passado, que ganharam impulso no Brasil nos anos 1980 e 1990, estiveram restritas por muito tempo à divulgação no meio acadêmico, através de revistas especializadas – com algumas exceções, como a descoberta de Luzia, que mereceu destaque da imprensa nacional e internacional por ser tida como o fóssil humano mais antigo das Américas.

    O PASSADO RECONTADO "[O livro] é uma síntese dos resultados de pesquisa da nossa pré-história realizada por conceituados arqueólogos, antropólogos e paleontólogos. Mostra como o estudo do passado está sendo feito e que, com o avanço das ciências envolvidas, provavelmente ainda haverá alterações em uma parte significativa do que já sabemos", afirma a arqueóloga Madu Gaspar, do Museu Nacional, ligado à Universidade Federal do Rio de Janeiro, responsável pela coordenação científica na elaboração do livro. Juntamente com Wagner de Oliveira, ela entrevistou vinte pesquisadores de diversas áreas e instituições, como o antropólogo evolutivo Walter Neves, da USP, que estuda as características biológicas dos primeiros americanos e foi o responsável pela definição dos traços de Luzia, e a arqueóloga Niéde Guidon, presidente da Fundação Museu do Homem Americano, que administra em parceria com o Ibama o Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí, onde há inúmeros sítios arqueológicos e a maior quantidade de pinturas rupestres conhecidas nas Américas.

    A segunda parte do livro Pré-história do Brasil dá uma idéia do vasto tesouro de arte rupestre já descoberto e estudado no país. As fotos das pinturas rupestres do Parque Nacional da Serra da Capivara e das formações geológicas dos sítios onde elas foram encontradas são apenas uma parte de mais de cem páginas com acima de 250 ilustrações de formações rochosas, pinturas e gravuras de nove estados das regiões Norte, Nordeste, Sudeste e Sul do Brasil. Dentre os dez fotógrafos responsáveis pelo ensaio "Brasil rupestre" que compõe a segunda parte do livro está Bernardo Magalhães, que teve 40 registros de sua autoria, de pinturas e gravuras rupestres, selecionados para uma exposição que ficou aberta ao público em abril no Museu Histórico do Exército, no Forte de Copacabana, no Rio de Janeiro.

     

     

    MULTIDISCIPLINAR "Para organizar esse panorama de descobertas e imagens da pré-história de um país que é quase um continente, temos de mergulhar em escorregadios e, em muitos aspectos, ainda incompletos campos do conhecimento que são a arqueologia, a antropologia ecológica, a paleontologia e a biologia", diz Bia Hetzel que também colaborou com o trabalho de pesquisa geral, de imagens e com a edição de textos. Em relação a esses campos "escorregadios" do conhecimento, os responsáveis pelo livro Pré-história do Brasil não têm receio em mostrar as incertezas das ciências, o fervor dos debates de correntes contrárias, as mudanças de visão sobre o passado e o quanto ainda há por descobrir. A obra tem, ainda, uma seção que é um verdadeiro apelo a esforços de preservação e divulgação do patrimônio cultural, focando sua importância para a formação da identidade brasileira.

     

    Rodrigo Cunha