SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.59 issue4 author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

    Related links

    • On index processCited by Google
    • Have no similar articlesSimilars in SciELO

    Share


    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.59 no.4 São Paulo  2007

     

     

    O comércio ilegal põe em risco a diversidade das aves no Brasil

    Leonardo Barros Ribeiro
    Melissa Gogliath Silva

     

     

    As aves sempre despertaram grande interesse nos seres humanos devido à beleza de suas cores e canto, sendo criadas como animais de estimação pelas populações indígenas mesmo antes da colonização. No Brasil, muitos animais são negociados em feiras livres, próximos aos locais de apreensão ou transportados para outros municípios e países. Estudos realizados sobre o tráfico de animais silvestres em todo o país revelaram que as aves representam o grupo mais comercializado de todos os animais.

    O tráfico de animais silvestres constitui o terceiro maior comércio ilícito do mundo, perdendo apenas para o tráfico de narcóticos e armas. Estima-se que o comércio ilegal deva girar em torno de US$ 10 a 20 bilhões/ano e a participação do Brasil seria de aproximadamente 5% a 15% deste total, correspondendo à retirada, por ano, entre 12 a 38 milhões de animais silvestres das matas brasileiras. Os principais locais de captura dos animais estão nos estados da Bahia, Pernambuco, Pará, Mato Grosso e Minas Gerais, sendo escoados para as regiões Sul e Sudeste, onde se encontram os principais consumidores. Estas regiões suprem o chamado tráfico interno (mais fácil), onde os animais são destinados a coleções particulares, zoológicos, universidades, centros de pesquisas, multinacionais da indústria química farmacêutica, lojas de mascotes, criadores, feiras livres ou ao mercado exterior (relativamente de maior lucro). Segundo relatório da Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas), em relação ao tráfico internacional, os principais destinos são Europa, Ásia e América do Norte. Os animais são enviados por aeroportos internacionais, mas as fronteiras com os demais países da América do Sul também representam uma forma de escoamento da fauna nacional. Todavia, estima-se que cerca de 90% dos animais traficados morrem antes de chegarem aos destinos finais devido às condições inadequadas desde a captura e manutenção, mas, principalmente, do transporte.

    Dentre os impactos mais significativos gerados pelo tráfico de animais destaca-se a redução da abundância de determinadas populações, visto que a captura excessiva é a segunda principal causa da redução populacional de várias espécies, perdendo apenas para a degradação e a redução dos habitats provocadas pelo desmatamento. Como conseqüência, os ecossistemas sofrem modificações nas estruturas das comunidades que, com suas populações reduzidas podem não mais desempenhar sua função ecológica.

    O Brasil representa uma das nações que mais perde suas riquezas naturais para os países desenvolvidos. Alguns fatores impossibilitam a total eficiência das ações de combate ao tráfico, como as dificuldades operacionais associadas à vasta extensão territorial, a baixa severidade das penalidades previstas na legislação ambiental e a miséria em que vive grande parte da população

    PRINCIPAL ALVO DO TRÁFICO A América do Sul possui a mais rica avifauna do planeta, com mais de 2.950 espécies, entre residentes e visitantes. O Brasil possui um número estimado em 1.796 espécies, sendo 191 endêmicas segundo o Ministério do Meio Ambiente (MMA). Apreensões do Ibama em todo o Brasil, durante os anos de 1999 a 2000, mostraram que 82% dos animais comercializados naquela época eram aves. Isto se deve principalmente à beleza de cores das plumagens e à melodia de seus cantos, aliado à ampla distribuição geográfica e alta diversidade.

    A estimativa é de que 4 bilhões de aves por ano sejam comercializadas ilegalmente, destas, 70% são destinadas ao comércio interno e cerca de 30% são exportadas. Do total de aves comercializadas, poucas são apreendidas e um número muito menor possui condições de ser devolvida à natureza.

    Algumas aves têm altas cotações no mercado internacional, como a arara-azul-de-lear (Anodorhynchus leari), vendida por US$ 60 mil, e o papagaio-da-cara-roxa (Amazona brasiliensis) por US$ 6 mil, ambos comercializados para coleções e zoológicos particulares. Outras aves são adquiridas como animais de estimação: a arara-vermelha (Ara chloroptera) e o tucano-toco (Ramphastos toco), que atingem US$ 3 mil e US$ 2 mil, respectivamente.

    No comércio interno, os preços alcançados são mais baixos, com exceção das aves consideradas raras. Conforme os "passarinheiros", as espécies mais valorizadas são sangue-de-boi ou tiê-sangue (Ramphocelus bresilius), pintassilgo (Carduelis yarrellii), saíra-pintor (Tangara fastuosa), canário-da-terra (Sicalis flaveola) e papagaio-verdadeiro (Amazona aestiva), vendidos por preços que variam de R$ 30 a R$ 200. Essas aves são consideradas raras, pois são provenientes das regiões Norte ou Centro-Oeste, e estão sendo encontradas cada vez em menor freqüência em seus habitats naturais, o que pode demonstrar um reflexo da captura indiscriminada.

    Os exemplares da família Psitacidae, como o papagaio-verdadeiro (Amazona aestiva) e papagaio-do-mangue (Amazona amazonica) despertam um grande interesse devido à habilidade em imitar a voz humana, à inteligência, beleza e docilidade. Por conta de tal procura, esse grupo apresenta o maior número de espécies listadas na Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção.

    Dentre as espécies comercializadas, os exemplares machos são mais procurados por possuírem maior capacidade de canto e uma plumagem mais bonita. Essa captura intensificada é um fato agravante para o equilíbrio populacional das espécies envolvidas, uma vez que, segundo especialistas, cerca de 90% das espécies de aves adotam um comportamento monogâmico (quando um macho acasala-se com uma única fêmea) durante seu período reprodutivo.

    As pessoas que possuem animais silvestres em casa, provenientes da natureza, contribuem para uma série de problemas. Os animais retirados da natureza perdem a habilidade de caçar seu alimento, de se defenderem de predadores ou de se protegerem de condições adversas. Além disso, um animal preso é privado do processo reprodutivo, ficando incapacitado de gerar descendentes, aumentando o risco de extinção de várias espécies. Segundo o MMA, 2003, o comércio gerado pelo tráfico já contribuiu para a extinção de algumas das espécies do Brasil, como a ararinha-azul (Cyanopsita spixii), e ainda coloca outras espécies em risco de extinção como o papagaio-de-peito-roxo (Amazona vinacea) e o papagaio-chauá (Amazona rhodocorytha).

     

     

    SOLUÇÕES Mas por que existe o tráfico de aves? Porque há quem capture os animais na natureza, e quem se interessa e compra esses "produtos". O tráfico é alimentado pelo cidadão comum que, de forma irresponsável, cruel e egoísta condena animais livres à prisão perpétua, apenas para seu deleite. No entanto, é preciso saber que existem leis que protegem toda a biodiversidade brasileira e punem quem as desrespeitem.

    A Lei de Crimes Ambientais (Lei n° 9.605) criada em fevereiro de 1998, considera os animais, seus ninhos, abrigos e criadouros naturais, propriedade do Estado, sendo, portanto a compra, a venda, a criação ou qualquer outro negócio envolvendo animais silvestres crime inafiançável. Segundo essa lei, se o ato criminal atinge espécies ameaçadas de extinção, a pena é aumentada em 50%. Se além de constante na lista oficial nacional de ameaçada de extinção, a espécie constar ainda no anexo I ou II da Cites (Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Fauna e Flora Selvagem em Perigo de Extinção), a multa por espécime apreendido pode de R$ 500 alcançar R$ 3 mil ou mesmo R$ 5 mil (Decreto Federal n° 3.179/99).

    A aquisição e a posse ilegais de animais silvestres são, portanto, consideradas crimes ambientais, estando o infrator sujeito a multas e penalizações. O ideal é que a sociedade tenha uma mudança de comportamento em relação às aves e a toda a fauna silvestre, preferindo que vivam livres, em seus ambientes originais, e denunciando a comercialização ilegal. De qualquer modo, pessoas que queiram adquirir animais da fauna brasileira como pets, devem agir com responsabilidade e procurar os criadores comerciais, que vendem animais nascidos em cativeiro e legalizados, conforme estabelecem as leis do Ibama. Para aqueles que têm em casa animais de origem ilegal e que por algum motivo queiram se desfazer deles, a atitude correta é ir a uma sede do Ibama e fazer a entrega voluntária sem o risco de sofrer qualquer penalidade. Nunca se deve soltar esses animais novamente na natureza, pois mesmo libertos em locais propícios, dificilmente sobreviverão, além de poderem estar levando doenças para os demais animais silvestres.

    Apesar das leis e empenho de todos aqueles que se preocupam com os efeitos danosos provocado pelo tráfico de animais, é certo que o patrimônio faunístico brasileiro como os demais de outras partes do mundo permanece sob violenta pressão que poderá ocasionar, em curtíssimo prazo de tempo, o enriquecimento de alguns poucos e o desaparecimento definitivo na natureza de valiosas espécies. Se permanecer esse quadro, em breve só o registro visual restará para indicar a passagem histórica de uma determinada espécie na natureza.

     

    Leonardo Barros Ribeiro é mestre em comportamento e biologia animal, doutorando do Programa de Pós-Graduação em Psicobiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
    Melissa Gogliath Silva é mestre em zoologia pela Universidade Estadual de Santa Cruz, (BA).