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    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.59 n.4 São Paulo  2007

     

     

     

    ECOLOGIA

    Formigas e plantas: troca de favores e benefícios mútuos

     

    Policarpo Quaresma se assustou ao ver as laranjeiras negras de seu sítio, tomadas de imensas saúvas: "Havia delas às centenas, pelos troncos e pelos galhos acima e agitavam-se, moviam-se, andavam como em ruas transitadas e vigiadas a população de uma grande cidade: umas subiam, outras desciam; nada de atropelos, de confusão, de desordem. O trabalho como que era regulado a toques de corneta." O personagem ufanista de Lima Barreto acabou perdendo a batalha travada com as saúvas que atacaram as suas provisões, num exemplo de associação antagonista, onde as únicas privilegiadas foram as formigas.

    No entanto, fora da literatura, plantas e formigas estabelecem também interações mutualistas, onde as duas espécies se beneficiam. É o que mostra o livro The ecology and evolution of ant-plant interactions, escrito por Victor Rico-Gray e Paulo Sérgio Oliveira, publicado este ano pela editora da Universidade de Chicago, nos Estados Unidos.

    Foi nas dunas de Xalapa, no estado mexicano de Veracruz, que Oliveira e Rico-Gray iniciaram uma profícua colaboração científica. O ano era 1997. Tendo o Golfo do México ao fundo, areia escura, vulcânica, esses cientistas se lançaram ao estudo da associação de formigas com um cacto suculento (Opuntia stricta) que cresce nas dunas e tem nectários extraflorais. Essas estruturas, presentes em diversas espécies de planta, produzem, fora das flores, substâncias açucaradas que atraem, principalmente, formigas. Em troca, esses insetos sociais protegem as plantas de predadores e herbívoros. São bem conhecidos e até testados, experimentalmente, diversos sistemas em que a proteção pelas formigas se reflete sobre a sobrevivência e/ou reprodução dos vegetais.

     

     

    Para saber se o cacto se beneficia da presença das formigas, os pesquisadores montaram um experimento no qual impediram as formigas de subir nos galhos de uma parte dos cactos com uma substância pegajosa, Tanglefoot®. Observaram que os cactos "isolados" de suas guardiãs produziram menos frutos do que os "controles" — plantas visitadas normalmente pelas perambulantes formigas. E produziram, assim, o primeiro relato do efeito benéfico direto das formigas no sucesso reprodutivo dos cactos. Elas, de fato, garantem que os inimigos naturais dos frutos e dos botões ataquem menos.

    A parceria entre o ecólogo Paulo S. Oliveira, da Universidade Estadual de Campinas, e o pesquisador mexicano, Victor Rico-Gray, do Instituto de Ecologia de Xalapa, continuou, agora cada um em sua terra natal: orientaram em conjunto uma aluna mexicana e passaram a escrever o livro por 5 anos, um longo período que acabou por consolidar a amizade. "Não tínhamos a ambição de fazer um livro imenso, e sim um apanhado, da literatura, de tudo que tinha sido feito sobre isso, mas com um tratamento evolutivo moderno", conta Oliveira. Embora ambos estudem formigas, suas bagagens científicas são diferentes, porém complementares — Oliveira tem formação em zoologia e ecologia, e Rico-Gray, em botânica — o que se mostrou fundamental na estruturação do livro.

    POR QUE FORMIGAS? É tarefa fácil justificar a importância de estudar formigas: são abundantes e interagem com inúmeras espécies de plantas, animais e microorganismos. Se pudéssemos colocar em uma balança todos os animais de determinado ambiente terrestre, como já foi estimado pelos ecólogos alemães E. Fittkau & H. Klinge, em 1973, para a Amazônia, cerca de 30% da biomassa viria de formigas e cupins. As formigas sozinhas representariam de 10 a 15% da biomassa total.

    No imaginário popular, formigas são sinônimo de saúvas, "comedoras" de folhas. No entanto, formigas não são capazes de comer folhas. Elas cortam folhas para, dentro do formigueiro, cultivar os fungos dos quais se alimentam. As que comem fungos são aquelas da Tribo Attini (cerca de 190 espécies), a qual pertecem as 15 espécies de saúvas. Dentre as outras 10 mil espécies conhecidas da família Formicidae, a dieta é amplamente diversificada. Podem ser carnívoras, ou seja, matar para comer (predar) outros bichos, inclusive outras formigas. Algumas são frugívoras, e coletam o material carnoso dos frutos e das sementes, contribuindo para a dispersão das sementes. Podem também se associar com animais que sugam a seiva da planta e exudam ("jogam fora") gotículas de açúcar das quais as formigas se alimentam. A abundância e as múltiplas interações surtem um efeito muito grande na comunidade terrestre. "O estudo da ecologia e evolução das formigas é importante para entender comunidades biológicas terrestres, uma vez que várias setas de energia passam por elas", aponta Oliveira. O campo de estudo das interações de formigas e plantas é vasto e crescente. Pode-se destacar, como um marco, a pesquisa experimental que o biólogo Daniel H. Janzen fez, na década de 1960, sobre a associação obrigatória entre Acacia cornigera e formigas Pseudomyrmex ferrugineus, no México: as formigas defendem as plantas contra herbívoros e trepadeiras, e, estas, fornecem casa e alimento para elas.

    SOBRE O LIVRO Em meio às mais de mil referências citadas no livro, Rico-Gray e Oliveira se preocuparam com estudos que tivessem evidências experimentais e não apenas observações anatômicas e comportamentais. Com este norte e fortemente influenciados pelo livro Interaction and coevolution (1982) de John N. Thompson, se perguntaram: como e por que as formigas interagem?

     

     

    Além disso, os autores procuraram resumir padrões gerais da ecologia e evolução das relações entre plantas e formigas, fazendo um apanhado das interações, divididas em antagonistas, mutualistas e oportunistas. Com mais de 100 milhões de anos de história evolutiva cruzada, as associações antagonistas entre plantas e formigas deviam ser, inicialmente, mais freqüentes; após o aparecimento de novas estruturas nas plantas, as interações mutualistas evoluíram. Hoje em dia, o mutualismo é muito mais comum do que o antagonismo entre plantas e formigas.

     

    Cristina Caldas