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    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.59 n.4 São Paulo  2007

     

     

     

    EXPOSIÇÃO

    Moscas francesas em visitação pública

     

    Cientistas e artistas visuais uniram-se num trabalho museográfico, no mínimo, fascinante: criar uma exposição temporária sobre moscas (Mouches). A mostra ficou de abril a setembro deste ano no Museu Nacional de História Natural, em Paris, mas para quem não foi lá, ainda é possível realizar um passeio virtual pela exposição no endereço eletrônico (www2.mnhn.fr/mouches/), um site igualmente criativo e dinâmico.

    O Museu de História Natural de Paris tem grandes canteiros imperiais que expõem a diversidade de espécies vegetais de várias regiões do mundo. Na Grande Galeria de Evolução, objetos da coleção naturalística de Jean-Baptiste Lamarck surgem remodelados em um contexto museográfico que articula diversidade dos seres vivos e evolução biológica. Exemplares variados de esqueletos de animais são comparativamente expostos em outra galeria. Coleções guardadas em prédios suntuosos, caminhos por entre os jardins em que há sensação de proximidade com fragmentos de vegetação e de fauna de muitos lugares, alguns até hoje apresentados na mídia como desconhecidos e misteriosos.

    A exposição Mouches estava no subsolo da Grande Galeria de Evolução, onde a vida proliferava em meio à putrefação, à decomposição. Esse esforço museográfico conjunto entre ciência e artes visuais teve resultado morbidamente fascinante: abaixo dos três pisos em que a diversidade da vida espalha-se por entre corredores, imagens e artefatos, a matéria morto-viva é o substrato das moscas, mosquitos e pernilongos. A brilhante provocação para se pensar a vida humana na esteira do ciclo de vida desses seres de pequeno tamanho respalda-se pedagogicamente ao se inverter a interpretação da natureza pelos conhecimentos da biologia e, a partir das relações com as artes, expressar intensamente o "moscocentrismo" da existência humana: frágil, curta e incômoda.

     

     

    REPRESENTAÇÃO DA MORTE O trajeto obrigatório do público por todas as salas coloca-nos em situações em que a mosca vive na projeção fílmica de um corpo humano assassinado, tem fases do seu ciclo de vida desenvolvendo-se dentro de molduras de quadros – gerando paisagens moventes de pupas – e morre pela ação de inseticidas e mata-moscas domésticos de vários períodos históricos. É intensa a percepção da mosca como incômodo, e a produção desse efeito alcança limites extremos particularmente nas vídeo-instalações.

    Dentre as várias salas da exposição, a estética visual da enfermaria, com suas paredes pintadas de vermelho que têm na metade da sua altura, de ponta a ponta, como se fosse uma moldura de decoração, um conjunto de palitinhos brancos cortados – símbolos da passagem do tempo – intensifica a presença do perigo de doenças transmitidas por "moscas". As camas da enfermaria têm nos seus lençóis a impressão do ciclo de vida do parasita e de seu transmissor ao homem. É impressionante como a relação delicada da morte por essas doenças foi tratada museograficamente, combinando a simplicidade de relação entre objeto, contexto expositivo, aparatos e legendas.

    Um dos auges de originalidade é a sala do Julgamento, onde o público é convidado a sentar-se à mesa, e absolver ou condenar a mosca após ouvir argumentos de defesa e acusação, e observar várias réplicas de pinturas de diferentes séculos em que a mosca foi representada em meio às figuras humanas e de santos. É genial a transformação do ato banal, corriqueiro e cotidiano de matar a mosca em uma decisão de fundo ético e polêmico. Limite do nonsense, desconcertante e sedutor.

     

    Antonio Carlos Amorim