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    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.59 n.4 São Paulo  2007

     

     

    EM BUSCA DE UM NOVO MODELO PARA AS ORGANIZAÇÕES PÚBLICAS DE PESQUISA NO BRASIL

    Sérgio Salles-Filho
    Maria Beatriz Bonacelli

     

    Este artigo tem como objetivo recolocar o tema do papel das organizações públicas de pesquisa no processo de desenvolvimento do país. Não é tema simples, nem que se possa esgotar em poucas páginas. Mas é tema urgente. Desde logo, nossa perspectiva parte de duas proposições: a) que parte substantiva do desenvolvimento brasileiro nos últimos dois séculos deve muito às competências, trabalho, produtos e serviços criados e difundidos por organizações públicas de pesquisa (OPPs), tanto aquelas de âmbito federal quanto as de âmbito estadual; b) que essas organizações são essenciais para o desenvolvimento futuro e que não podem estar à margem da formulação e implementação das políticas de desenvolvimento científico, tecnológico, industrial, agrícola, de saúde, ambiental etc. Sendo assim, propõe-se aqui um esforço para a revisão dos atuais modelos institucionais e de gestão das OPPs no Brasil.

    Seria difícil (e nem se poderia, dada a abrangência do assunto) relatar aqui todas as contribuições que as OPPs deram ao desenvolvimento do país. Entretanto, vale sempre lembrar que a formação econômica passou pelos laboratórios, atividades e iniciativas de organizações que produziram as variedades de café, cana-de-açúcar e algodão que moveram a economia primário exportadora; que produziram as vacinas e introduziram as práticas sanitárias necessárias à urbanização e à integração brasileira na divisão internacional do trabalho; e que criaram as bases da identificação e ocupação do território e da formação da engenharia consultiva, tão necessárias à industrialização nacional.

    Seria igualmente difícil prever quais as contribuições que as OPPs darão no futuro, mas não deveria ser difícil dizer que elas são e continuarão sendo necessárias, ou mesmo essenciais. Uma coisa é certa, elas serão tão mais ou menos importantes como conseqüência das decisões de políticas públicas e das estratégias de desenvolvimento que viermos a adotar. É neste sentido que o presente artigo aponta para a necessidade de recolocar o tema no centro das políticas de C,T&I, defendendo fortemente que seja feita uma revisão dos modelos institucional e gerencial das OPPs para que elas possam efetivamente ser vetores de desenvolvimento sustentado para os próximos 100 anos.

    O tema das instituições públicas de pesquisa no Brasil tem duas características principais: vem há quase dois séculos contribuindo para o desenvolvimento do país e nunca teve o devido reconhecimento pelas contribuições que trouxe justamente a tal desenvolvimento. Com exceções mais ou menos bem sucedidas em divulgar suas contribuições, a maioria das OPPs segue um curso revolto, num misto de elevada competência, de feitos consideráveis e de baixa importância dada pelo Estado, incluindo-se aí maremotos provocados por falta de recursos e por uma política burra de controle. Burra porque definida por critérios de controle iguais para a aquisição de pregos ou de conhecimento. Essa questão não é nova, mas nem por isso velha. Ela é sim atual e se não olharmos para isso com a devida importância, ficaremos o tempo todo dizendo que a questão é velha.

    Mas esse é apenas um dos problemas que as instituições públicas de pesquisa enfrentam, já faz tempo, é verdade. Interessante foi conhecer a luta do marechal-do-ar, Casimiro Montenegro Filho que, desde a criação do Centro Técnico Aeroespacial (CTA) – nome hoje alterado para Comando-Geral de Tecnologia Aeroespacial – batalhou para encontrar um modelo jurídico e institucional mais adequado ao complexo de pesquisa, desenvolvimento e ensino de alto nível que ele criou. Foram anos de batalha junto à própria aeronáutica e junto a governos (executivo e legislativo) para tentar transformar o centro numa fundação. Não conseguiu, muito embora tenha emprestado seu nome para uma fundação que hoje dá apoio às atividades do CTA e do ITA (mais deste que daquele).

    Quando em 1997 o então Ministério da Administração e Reforma do Estado (Mare) preparou e lançou a reforma da estrutura do Estado (leia-se, do Executivo), foram criados novos modelos institucionais justamente para tentar dar melhor destino a certas atividades nas quais a presença do Estado é importante e requer flexibilidade administrativa e gerencial (1). O movimento, que depois gerou protestos de vários segmentos da própria comunidade de ciência e tecnologia (parte por razões técnicas relacionadas à fragilidade do modelo, parte por razões ideológicas relacionadas à visão de funções públicas), acabou produzindo alguns efeitos positivos na estrutura da pesquisa pública, tanto no âmbito federal como no estadual. Um desses efeitos foi colocar no debate o tema da necessidade de modelos jurídicos mais adequados às atividades desenvolvidas nessas organizações.

    A Embrapa, hoje símbolo de uma organização pública de pesquisa bem sucedida e com legitimidade social razoavelmente consolidada (2), passou, naquela época, por um momento delicado. Criada em 1973, como empresa pública, com a finalidade de dar maior densidade e coerência à pesquisa agrícola que já se fazia no país e a inaugurar um novo modelo, de corte nacional e ao mesmo tempo universal (3), a Embrapa se viu na situação de ter de mudar seu estatuto jurídico, já que como empresa dependente deveria ser extinta. Nos dois primeiros anos que se seguiram à lei que instituiu a reforma do Estado, a Embrapa procurou, por vários meios, manter-se com o estatuto de empresa pública, apesar das pressões contrárias. Simultaneamente, procuraram-se alternativas. Dentre elas a proposta de criação de uma nova figura no Código Civil brasileiro, a de "instituição de pesquisa".

    Isso mesmo, um formato inteiramente novo para atender às especificidades de uma instituição pública de pesquisa, dado que todos os modelos então existentes não eram, do ponto de vista daquela instituição, satisfatórios – e não eram mesmo. Esse episódio apenas reforça a importância desse tema no cenário nacional: é preciso, em algum momento, dar tratamento adequado para essa que é uma atividade absolutamente central no desenvolvimento do país. Foi, é e continuará sendo, a julgar pela importância que o mundo todo tem dado às instituições públicas de pesquisa (4).

    Hoje se diz ser mais difícil mexer na institucionalidade pública. Mais difícil que outrora, quando o país estava em construção, quando queríamos passar de uma colônia para uma nação independente, quando batalhamos para passar de uma economia primário-exportadora para uma nação industrializada, quando o Estado brasileiro criou, como tantos outros no mundo, uma nova trajetória nacional, coerente com os sinais dos tempos. Pois bem, como os sinais dos tempos sempre mudam e a construção de um país nunca termina, o argumento de que hoje não se pode mais fazer coisas como outrora significa apenas que se deve buscar novos caminhos (que provavelmente no futuro não serão mais possíveis, ou cabíveis).

    Essas organizações, que tanto contribuíram para o desenvolvimento do país nos últimos 200 anos e que já passaram por diferentes transformações ao longo da história, necessitam agora de uma forte e inovadora mudança de modelos institucional e gerencial (5-6). De fato, os modelos atuais são, não todos, mas em sua maioria, anacrônicos.

    Os sinais dos tempos estão aí e o país precisa de organizações públicas de pesquisa mais do que nunca, justamente porque esses sinais são aqueles que colocam a produção e a apropriação de conhecimento no centro das políticas de desenvolvimento econômico, social, ambiental, industrial, agrícola...

    Hoje, como em outros momentos da história, as OPPs estão sendo chamadas a participar do processo de desenvolvimento do país em um novo modelo de crescimento, um modelo baseado justamente na sociedade do conhecimento, na economia do conhecimento e no papel que cumpre a assim chamada classe criativa (7). Para tanto, partimos de algumas proposições que ajudam a guiar a discussão sobre o que e como se promover mudanças nos modelos institucionais e gerenciais das OPPs no Brasil.

    COMPETIÇÃO E CANIBALISMO: TRÊS DÉCADAS DE UM SISTEMA SEM COORDENAÇÃO No presente ano de 2007, o Instituto Agronômico de Campinas (IAC) comemora 120 anos de existência. Sem pieguices e sem exageros nacionalistas, trata-se de um fato que merece atenção – pois outrora se reconhecia no IAC um fator de desenvolvimento nacional, e que hoje nem tanto. Sendo o tema deste artigo justamente o do futuro das instituições de pesquisa, o aniversário de uma das mais antigas instituições de pesquisa agronômica brasileiras (8) é um bom ponto de partida para o que queremos registrar. De cara e sem rodeios, o Estado brasileiro, em todos seus níveis e instâncias, desocupou-se de um patrimônio que, na prática, demora muitos, muitos anos para se construir. O que se passou nos últimos 30 anos no Brasil na relação entre Estado (níveis federal e estadual) e suas OPPs representa, para dizer o mínimo, um atestado de miopia política e institucional. Senão, vejamos uma análise muito breve – mas realista – do que se passou nesse último período.

    Quando se olha para as políticas nacionais de desenvolvimento do final dos anos 1960 ao início dos anos 1980, nota-se o explícito interesse no envolvimento das estruturas existentes de produção de ciência e tecnologia nos projetos de desenvolvimento nacional. Assim foi nos três Planos Nacionais de Desenvolvimento dos governos militares. Assim foi nas políticas da Nova República, assim tem sido desde então (com uma breve interrupção entre o final dos anos 1980 e o início dos anos 1990 e com ênfases mais ou menos explícitas). Nos planos, estamos bem, na prática, nem tanto. Seguimos com uma distância muito grande entre os níveis estratégico (das macro políticas), tático e operacional (muita estratégia, pouca capacidade de implementação, nenhum monitoramento, nenhuma avaliação e, portanto, baixa institucionalidade das políticas).

    Uma breve periodização desses últimos 30 anos das OPPs no Brasil – sempre considerando as exceções – aponta para três momentos: a diáspora da década de 1980; a reorganização desorganizada dos anos 1990; a recuperação dos anos 2000. A diáspora dos 80 significa que as OPPs, abandonadas pelas políticas públicas, saíram em busca de soluções próprias, cada uma a seu modo. A reorganização desorganizada dos anos 1990 é a trajetória decorrente da diáspora: observa-se um movimento de transformação das OPPs, mas sem qualquer coordenação macro-institucional. A recuperação dos anos 2000 diz respeito a um movimento mais convergente (embora sem qualquer coordenação e com poucas iniciativas de políticas públicas de longo prazo para as OPPs) de reorganização que coloca hoje um ambiente mais otimista, ainda que frágil, sobre o papel que essas organizações devem ter na construção do desenvolvimento do país.

    Quando no final dos anos 1970 e início dos anos 1980 o Estado brasileiro entrou em uma crise de financiamento (da qual ainda estamos sentimos os efeitos), as estruturas e as políticas de Estado mudaram substantivamente, numa direção quase exclusivamente baseada nas suas necessidades de financiamento. O estrangulamento financeiro passou a orientar um conjunto importante de atitudes dos governos que desde então se ocuparam das políticas públicas. Evidentemente, as primeiras estruturas e políticas a sofrerem as conseqüências foram justamente aquelas tipicamente de médio a longo prazo. Vivemos, desde então, criando políticas para "apagar incêndios". Na verdade, essa prática, de tão comum, parece que virou algo natural. As políticas de C&T se enquadram nessa categoria. Como se pode supor, as atitudes e orientações que emanaram para as OPPs não foram as mais oportunas. Se antes pelo menos nos planos oficiais elas constavam como atores importantes, a partir de então, nem isso.

    A década da diáspora (anos 1980) foi a década do rompimento de compromissos históricos entre o Estado e suas OPPs. Diferente talvez de outros momentos semelhantes, dessa vez a mudança de relações veio para ficar. Como resultado, criaram-se quatro tipos de trajetórias: os path finders, os path founders, os survivors e os path losers. Algumas OPPs adaptaram seu ambiente original a partir da revisão de suas práticas de trabalho, buscando recursos e saídas para a falta de suporte das políticas e do orçamento público (path finders); outras construíram trajetórias diferentes das suas missões originais, diversificando competências e áreas de atuação (path founders); algumas, com atitudes tímidas e mais relacionadas ao lobbying político, puderam sobreviver sem grandes mudanças institucionais (mudanças cosméticas, como nome, revisão de organogramas etc.) e sem sair do estrangulamento imposto pelas condições de então (survivors); e uma quarta trajetória ilustrada pelos "perdedores" (path losers), ou seja, instituições que se perderam no caminho e foram extintas ou fundidas por falta de opção melhor.

    Estas últimas, assim como os sobreviventes, não adotaram nenhuma ação que as colocasse novamente em caminhos condizentes com o ambiente em transformação – qual seja, com recursos orçamentários extremamente reduzidos, com aumento da complexidade dos trabalhos em ciência, tecnologia e inovação e com o aumento da concorrência por recursos (humanos e principalmente financeiros) entre as instituições de pesquisa e desenvolvimento do país (OPPs e de outras categorias, como as universidades e as organizações privadas de pesquisa).

    Assim, a década de 1980 coloca claramente o tema da reorganização das instituições públicas de pesquisa, ou mesmo de todo o aparato institucional de pesquisa do país, uma vez que não somente aquelas são afetadas, mas sim todo o sistema de C&T, público e privado.

    A entrada na década de 1990 não foi muito alentadora. As mudanças nos rumos das políticas então implementadas afetaram diretamente as OPPs. Foram extintas algumas organizações direta ou indiretamente ligadas à pesquisa agropecuária (como o Planalsucar e o Instituto Brasileiro do Café, por exemplo). As condições macro-econômicas e macro-institucionais tampouco melhoraram, mas o movimento de reorganização das OPPs prosseguiu, sem muitas mudanças, exceto que no âmbito estadual as condições talvez tenham piorado mais que no âmbito federal. Muitas das OPPs mantidas pelos estados foram fechadas ou transformadas em outras, quase sempre com critérios de natureza fiscal. É nos estados onde se encontra a maior parte dos path losers acima comentados (9).

    A reorganização seguiu então desorganizada nos anos 1990. Desorganizada no sentido de que não houve diretrizes ou políticas voltadas para a reestruturação de um conjunto de organizações que claramente precisava de políticas de suporte. Neste sentido, as OPPs continuaram buscando seus caminhos, cada uma por si, o Estado contra todas.

    As características desse processo de busca não coordenada (embora consciente no âmbito interno de algumas OPPs) foram: a profissionalização da gestão, com a emergência de uma nova elite institucional (justamente a elite da gestão de C,T&I); a diversificação de funções das OPPs (com a criação de novas áreas de atuação e respectivas competências, incluindo-se aí a ampliação da prestação de serviços tecnológicos); e o canibalismo dentro do Sistema Nacional de C,T&I (10).

    A bem da verdade, deve-se registrar que nesse período configuraram-se avanços e retrocessos. Os avanços foram decorrentes de agendas estritamente micro-institucionais, da profissionalização e da modernização da gestão (gestão, bem entendida, específica, voltada para C&T e inovação). Os retrocessos foram decorrentes da combinação perversa da ausência de coordenação e de diretrizes por parte do Estado com o aumento da assimetria de capacidades entre as OPPs, tudo isso em um ambiente crescentemente competitivo (entre as OPPs e entre estas e outros atores que competem por recursos dentro do sistema).

    Na verdade, dois tipos de retrocessos podem ser identificados nesse período: o da eliminação de várias OPPs, por razões puramente fiscais e sem qualquer planejamento sobre o que colocar no lugar (este tipo está, como se disse, mais ligado ao âmbito estadual); e o do canibalismo acima apontado. O tema do canibalismo pode ser definido como se segue: imagine-se uma sala fechada, com um leão e meia-dúzia de gatinhos, ofereça-se a todos um bom pedaço de carne para ser dividido entre os presentes. Muito provavelmente a festa será de um deles, que além de tomar conta da refeição servida provavelmente se servirá dos outros possíveis concorrentes.

    Não é surpresa que um sistema que evoluiu no laissez-faire seja, necessariamente, um sistema competitivo e, dentro da realidade do país, canibal. De novo, há aspectos positivos e negativos a registrar. Os positivos se referem ao fato de que a competição tem estimulado as OPPs (algumas delas, pelo menos) a construir novas competências e a aprender a lidar com orçamentos minguantes buscando recursos fora. Os negativos se referem exatamente ao fato de que o canibalismo, embora construa instituições fortes, destrói outras que ninguém ousou perguntar se deveriam ou não seguir existindo.

    O resultado desse processo (que ainda está em curso) é difícil de prever. Um estudo exploratório sobre isso é urgente, antes que o país venha a riscar do mapa competências que lhe podem ser muito importantes no futuro. Um sistema laissez-faire só pode ter sucesso se há abundância de recursos. Na escassez (ainda que este seja sempre um conceito relativo, portanto difícil de medir), a competição tende a tomar o lugar da cooperação, colocando, dessa maneira, outros problemas para o futuro do sistema (regionalização, integração nacional, interação de competências e as decorrentes economias de escopo, dentre outros).

    No final dos anos 1990 esse processo de canibalismo atingiu níveis elevados, entrando nos anos 2000 como modelo dominante da organização das OPPs no país. As mudanças na oferta de recursos competitivos com a criação dos fundos setoriais (que entraram em funcionamento no ano de 1999 e com mais vigor a partir de 2001), ao mesmo tempo amenizou e acirrou o processo competitivo. Amenizou porque foi uma considerável injeção de recursos no sistema (o FNDCT cresceu, em três anos, cerca de 8 vezes em termos financeiros e cerca de 12 vezes em termos orçamentários). E acirrou pelo mesmo motivo: mais recursos competitivos.

    Novamente, é preciso estudar o tema prospectivamente para apoiar a formação de uma política de refundação do sistema de OPPs no país, por esses e por outros motivos que vamos abordar a seguir.

    Os anos 2000 então começam com uma nova perspectiva: o tema da inovação entra definitivamente na agenda política do país(11), há uma injeção de ânimo no sistema pelo aumento dos recursos para pesquisa, pela modernização do marco regulatório – que coloca novos incentivos e tenta chamar o setor privado ao investimento em P&D e em inovação. Trata-se, portanto, de um novo momento, com números crescentes (recursos humanos, formação de competências, proliferação de grupos de pesquisa, programas de pós-graduação, dentre outros números). É também um momento em que, coerentemente, aumenta a diversidade de espécies que se envolve com o tema de C,T&I.

    No caso das organizações de pesquisa, aumenta a presença de organizações privadas sem fins lucrativos, muitas delas do setor de tecnologia de informação e comunicação, surgidas como produto da lei de incentivos para informática (na verdade, muitas surgiram antes dos anos 2000, mas elas começam a marcar posição no sistema nacional de C,T&I na atual década). Isto evidentemente aumenta a competitividade do sistema: o ambiente tem mais recursos, mas também tem mais gente querendo esses recursos. Neste contexto, os novos entrantes chegam com muita força e capacidade competitiva, até porque precisam alavancar recursos quase como uma obrigação dos modelos institucionais. Mais que isto, essas organizações começam a desenvolver modelos gerenciais baseados na eficiência da gestão de tecnologia e inovação. São, portanto, novos entrantes muito competitivos e que alteram o cenário nacional de busca de recursos.

    O amor próprio das OPPs sai do estaleiro e se recupera nos anos 2000. Mas o amor ao próximo fica ainda na gaveta, esperando por melhor oportunidade; afinal, o ambiente se torna mais competitivo e o canibalismo segue sendo o modelo que sobra de vinte anos de falta de políticas. Simultaneamente, algumas OPPs incrementam suas competências em gestão de tecnologia e inovação (12), vindo a competir mais e melhor com as universidades e com as organizações privadas de pesquisa.

    Assim, as OPPs, na presente década, têm várias tarefas a cumprir: fazer a lição de casa no tema de profissionalização da gestão da P&D e da inovação (ainda que sejam mais voltadas a atividades de pesquisa básica, têm essa tarefa pela frente); fazer parte da lição de casa dos outros, que inclui internalizar certas rotinas que anteriormente se atribuíam ao Estado (por exemplo, renovar o quadro de pessoal por meios diferentes que os providos pelos concursos públicos); mostrar à sociedade que a OPP tem importante função social (um tema importante aqui é a profissionalização da comunicação institucional).

     

     

    UMA AGENDA PARA REVISÃO De fato, há hoje um cenário mais complexo, mas ainda assim sem coordenação. Isto não quer dizer que dentro dos governos não tenha havido ações voltadas às OPPs. Claro que houve. Mas insistimos neste artigo em afirmar que, na verdade, as políticas têm estado sempre atrás dos fatos, tentando dar algum suporte para os desafios daquelas organizações. As políticas que vêm sendo dirigidas às OPPs são quase sempre de corte micro-institucional, o que significa que estão dirigidas a uma agenda micro, exatamente com a perspectiva de introduzir nas OPPs os temas da profissionalização da gestão. Em nenhum momento se colocou na pauta uma agenda meso ou macro institucional, de organização e coordenação das OPPs dentro da perspectiva sistêmica do cenário nacional de C,T&I. (13).

    Quando aqui se fala de coordenação e de organização do sistema, não se está querendo dizer que deva existir alguma instância iluminada que diga o que as organizações devem ou não fazer. Não se trata disto. Trata-se sim de, primeiro, iniciar um processo de reflexão sobre as funções sociais das OPPs dentro de uma realidade totalmente diferente daquela na qual elas foram criadas ou passaram a maior parte de seu tempo nos últimos vinte anos. O mais interessante disso é que o momento é extremamente favorável, pelo menos no que diz respeito às oportunidades que se abrem para a ampliação da inserção dessas organizações na chamada sociedade (ou economia) do conhecimento, afinal, elas são produtoras de conhecimento. Em segundo lugar, o que chamamos de coordenação é também olhar essas organizações de forma sistêmica, no contexto do desenvolvimento do país e não apenas no plano micro-institucional (ainda que o apoio neste nível seja obviamente importante).

    Por exemplo, como operar o tema da competição versus o tema do canibalismo? Como desenvolver uma divisão de trabalho que explore economias de escala e de escopo do sistema em lugar de deixar correr uma competição predatória entre as organizações (públicas e privadas)? Como resolver o tema dos recursos humanos nas OPPs e os temas da flexibilidade administrativa e da autonomia financeira e operacional?

    Uma das questões mais importantes diz respeito à luta pelo financiamento. Até que ponto pode ou deve ir uma OPP para resolver seus problemas de recursos financeiros? O Brasil, neste particular, tem apresentado um leque muito amplo de situações. Há aquelas que seguem presas ao orçamento do tesouro, direto e prometido, até outras que foram, pelo próprio mantenedor, instadas a se virar para se financiar. Entre um extremo e outro há uma grande variedade de casos tratados de forma ad hoc, sem nenhuma orientação estratégica (por parte do Estado, bem entendido).

    Há mesmo alguns exemplos traumáticos, nos quais as OPPs, na busca desenfreada por recursos, transformaram-se em instituições de pesquisa que não fazem pesquisa. Não fazem porque são obrigadas a gerar recursos para seguir existindo e passam então a dedicar suas competências para vender serviços. Vão, evidentemente, acabar mal, por duas razões simultâneas: a) enfrentarão competição direta de empresas de consultoria sem a devida estrutura e formação para tanto; b) perderão seu diferencial, que é justamente o da pesquisa que lhes alimenta a capacidade de prestar serviços diferenciados daqueles que o mercado pode oferecer.

    Nessa condição perderão, crescentemente, a capacidade de cumprir funções públicas e, assim, sua legitimação social. Nesses casos, melhor privatizar, se é que haverá compradores interessados. Então, o problema não é apenas da ausência de governo, é também de má presença dele, de má leitura sobre as funções que devem exercer uma organização pública de pesquisa.

    Assim, gostaríamos de colocar três proposições sobre esta questão. A primeira é que a falta de coordenação levará a uma competição aberta e desenfreada das OPPs, formando um sistema de curto-prazo, fundado em serviços tecnológicos e sem a necessária densidade para sua sustentabilidade no longo prazo. A segunda é que instituições públicas de pesquisa que não fazem pesquisa, não sobrevivem. A terceira é que a ausência do Estado, na coordenação e no uso organizado e ampliado dessas organizações, é uma opção fundada na falta de consciência sobre a importância dessas organizações para o desenvolvimento do país.

    Está na hora de revisar, nos âmbitos federal e estadual, em todos os setores e áreas do conhecimento, os modelos institucionais e gerenciais das OPPs. Quando falamos sobre modelo gerencial, queremos dizer uma mudança na forma de se fazer pesquisa e desenvolvimento, na forma de se relacionar com os sistemas associados e na forma de se comunicar com a sociedade. Quando falamos sobre modelo institucional, estamos querendo nos referir à idealização de novos estatutos jurídicos, mais adequados para o exercício estratégico da produção de conhecimento em um contexto sistêmico, voltado para o desenvolvimento nacional (econômico, social, industrial, agrícola, ambiental). Em resumo, o que queremos desse patrimônio na construção do futuro do país? Alguém gostaria de começar?

     

    Sérgio Salles-Filho é professor titular do DPCT da Unicamp.
    Maria Beatriz Bonacelli é professora doutora do DPCT da Unicamp.

     

     

    NOTAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

    1. Salles-Filho, S. L. M. (coord.) et al. Ciência, tecnologia e inovação: a reorganização da pesquisa pública no Brasil, Campinas: Editora Komedi/Capes, 2000.

    2. Dizemos razoavelmente porque, embora seja uma organização de imagem positiva e forte junto à sociedade brasileira – e mesmo internacional, não custa muito desorganizá-la e tirá-la do rumo de excelência que sempre trilhou. Para isto, basta um período de dificuldades de financiamento do Estado associado à ascensão ao poder de pessoas descompromissadas com esse tipo de organização. Embora isso possa hoje parecer fora de propósito, olhando para a história do país, não é nada absurdo especular nessa direção.

    3. Fuck, M. P. "Funções públicas e arranjos institucionais: o papel da Embrapa na organização da pesquisa de soja e milho híbrido no Brasil". Dissertação de mestrado. Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT), Instituto de Geociências (IG), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Campinas, 2005.

    4. Para uma discussão no cenário internacional, alguns artigos interessantes são: Rush, H. et al. Technology institutes: strategies for best practice. International Thomson Business Press, London 1996; OCDE - Science, technology and industry Outlook 2002 (cap. 5 - "Changing government policies for public research: from financing basic research to governing the science system, 2002", p. 157-175. www.oecd.org); "OCDE, Governance of public research – toward better practices". Paris, 2003, 160 p.; Prest, A comparative analysis of public, semi-public and recently privatised research centres. Final Project Report, University of Manchester, 2002.; "RAND Science and technology, innovation and change management in public and private organisations: case studies and options for EPA". Final Report, USA, 2003; RISE, Birds were dinosaurs once – the diversity and evolution or research and technology organisations. Rise – Research and Technology Organisation (RTOs) in the service economy. Final Report, University of Brighton, England, 2004. Acesso: www.centrim.bus.brighton.ac.uk/go/rise; TSER European comparison of public research systems, Changing structure, organisation and nature of European PRS system. UK, 1999, draft; Cox, D.; Gummett, P. & Barker, K. "Government laboratories – transition and transformation". IOS Press, Nato Science Series, series 4: Science and technology policy, vol. 34, 2001, p. 77–96; Ferreira, C. "Tendências de reorganização da pesquisa: um estudo a partir de experiências internacionais". Dissertação de mestrado, DPCT/Unicamp, 2001.

    5. Salles-Filho et al (2000), op cit.

    6. Mello, D. L. "Análise de processos de reorganização de institutos públicos de pesquisa do estado de São Paulo". Tese de doutoramento DPCT/Unicamp, 2000.

    7. Florida, R. The flight of the creative class: the new global competition for talent. Ed. Collins, 2006, 320 p.

    8. O IAC não é a única instituição de pesquisa agronômica do século XIX, há ainda o Jardim Botânico no Rio de Janeiro, a Imperial Estação da Bahia e do Rio de Janeiro, a Escola de Agricultura da Bahia e a Faculdade de Agronomia do Rio Grande do Sul, além da Escola Agrícola Prática de Piracicaba, que mais tarde daria origem à Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz.

    9. Albuquerque, R.; Salles-Filho, S.; Bonacelli, M. B. & Mello, D. "Avaliação individual das organizações estaduais de pesquisa agrícola". Relatório Final de Pesquisa do Projeto Embrapa/Unicamp, 1998.

    10. Bonacelli, M.B.M. & Salles-Filho, S. L. M. "Institutos e centros de P&D – situação atual e avaliação do potencial inovativo". Relatório Final, IPEA/PNUD - DPCT, 112p. 2004.

    11. Salles-Filho, S; Bonacelli, M.B.M. "Trajetórias e agendas para os institutos e centros de pesquisa no Brasil". Revista Parcerias Estratégicas, documento para a 3ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, 2005, http://www.cgee.org.br/arquivos/p_20_5.pdf

    12. Zouain, D. M. Gestão de instituições de pesquisa. Editora FGV, 2001.

    13. Sousa, W. & Sbragia, R. "Institutos tecnológicos industriais no Brasil: objetivos e desafios contemporâneos". Brasília : Abipti, p.300. 2002.