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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.59 n.4 São Paulo  2007

     

     

    AS PERSPECTIVAS DA POLÍTICA DE C&T

    Renato Dagnino

     

    INTRODUÇÃO Não parece necessário justificar que uma avaliação sobre as perspectivas da Política de C&T (PC&T) esteja focada nos discursos dos atores relevantes que sobre ela têm-se manifestado. Bem menos consensual, a julgar pela forma como a PC&T é normalmente considerada – uma policy não contaminada pela politics –, parece ser a opção de analisá-los a partir do instrumental de análise de política. Mas, o suposto metodológico que ele proporciona, de que quando existe um ator hegemônico, o seu modelo cognitivo e a sua agenda particular tendem a se transformar também em hegemônicas, é útil para a análise da PCT. Ele ajuda a compreender, através da análise do discurso dos atores, porque a hegemonia do ator comunidade de pesquisa exerce um papel de blindagem política (political) da política (policy) de C&T brasileira. Espero que ajude também a avaliar as implicações do cenário tendencial em construção pelo seu segmento que defende o pacto conservador entre um simulacro periférico de agenda da empresa e um espectro globalizado de agenda da ciência. E, finalmente, que motive o seu segmento de esquerda a se organizar em torno da agenda dos movimentos sociais interessados num estilo alternativo de desenvolvimento.

    A seção que segue trata da perspectiva analítica que utilizo, uma vez que ela condiciona os resultados que apresento e porque minha expectativa é que ela possa ser utilizada por aqueles que apreciem a forma como ela conduz aos resultados que exponho.

    Apresento, também, uma breve retrospectiva da Política de C&T brasileira organizada a partir das agendas dos atores que com ela se têm envolvido. E, ainda, me dedico à análise do que pode ser interpretado como o discurso atualmente veiculado pelo os atores relevantes: os movimentos sociais, a comunidade de pesquisa e o empresariado.

    Ainda a título de introdução, cabe enfatizar que o conteúdo deste trabalho é inteiramente pessoal. As opiniões nele contidas são de minha inteira responsabilidade e, reconheço, contra-hegemônicas. Algumas delas, devido à perspectiva analítica que utilizo (orientada a identificar os valores e interesses políticos subjacentes às políticas públicas a partir do discurso e comportamento dos atores intervenientes) e ao objetivo de fomentar o debate acerca dos rumos da C&T brasileira, poderão ser consideradas excessivamente polêmicas ou até mesmo agressivas. Mas, como acredito que na atual conjuntura da nossa PCT, a única forma de errar menos é debater mais, peço antecipadamente desculpas aos colegas que ora me lêem por tratar temas que se aproximam perigosamente do limite do que se entende como espaço acadêmico (1). E solicito que, tal como publicamente ou em privado têm feito outros colegas, questionem as minhas idéias. Só assim eu poderei errar menos e realizar meu propósito profissionalmente assumido de contribuir mais para que nosso país tenha uma PCT cada vez melhor.

    Dado a característica recém apontada, o estilo deste trabalho é bastante informal. Por isso, entre outras coisas, há poucas e localizadas indicações bibliográficas. E não há uma detalhada exposição de argumentos que estão desenvolvidos em outros trabalhos de minha autoria.

    UM POUCO DE TEORIA: ALGUNS CONCEITOS DA ANÁLISE DE POLÍTICA Esta primeira seção apresenta conceitos e fatos estilizados pertencentes ao instrumental de análise de política. Como ela é um tanto longa e como seu conteúdo não é indispensável para o entendimento das demais, ela pode ser "pulada". Não obstante, ela é essencial para fundamentar o argumento de que a PCT não deveria seguir sendo entendida como uma policy desprovida de um caráter de politics, cujo objetivo é apenas "estimular o progresso científico e tecnológico" e "promover o desenvolvimento econômico e social".

    O conceito de agenda do processo decisório, ou do processo de formulação da política, ou agenda decisória, pode ser entendido como um conjunto de problemas, demandas, assuntos que os que governam (ocupam o aparelho de Estado num determinado momento) selecionam e classificam como objetos sobre os quais decidem que vão atuar.

    Os problemas enfrentados (e percebidos) pelos grupos sociais, ou atores, envolvidos com uma política conformam agendas particulares. Entre elas, está a agenda de governo, que expressa os valores e interesses daqueles que governam.

    Numa primeira aproximação, a agenda decisória seria uma combinação (média ponderada pelo poder relativo do ator) das agendas particulares (que expressam valores, crenças, posturas político-ideológicas e interesses) dos atores. Considerando que o termo ator é usado para designar um coletivo (grupo social, organização, etc, em geral não-monolítico), convém salientar que o mesmo vale para uma agenda particular: ela também é uma combinação dos valores e interesses de indivíduos diferentes com poder distinto.

    Nem todos os problemas que conformam as agendas particulares têm a mesma facilidade de fazer parte da agenda decisória e, assim, impor aos que governam a necessidade de atuar sobre eles. A força de um governo (governabilidade) é inversamente proporcional à distância entre a agenda de governo e a agenda decisória que a contém. Assim, quanto maior a disparidade entre as duas agendas, maior a probabilidade de enfrentamento entre os que governam e os demais atores envolvidos, e maior a exigência de governança (capacidade de governar). Ou maior a probabilidade de que o governo venha a abandonar a sua agenda (e seu projeto político) ou incorporar a ela problemas provenientes da agenda de seus adversários para obter seu apoio político.

    A agenda decisória é o núcleo da política e pode ser considerada como o Estado em processo. São as sucessivas tomadas de decisão sobre agendas conformadas a partir de sucessivas interações entre atores juntamente com o resultado desses processos, o que vai estabelecendo os contornos (ou o "mapa") do aparelho de Estado. A agenda, num horizonte de menor prazo, é um reflexo da relação entre Estado e sociedade e expressa a direção de um governo. A maneira como se elabora a agenda decisória expressa a vitalidade ou debilidade da vida pública em um sistema político e influencia a maneira como se elabora a agenda dos atores com menor poder.

    Para aprofundar essa questão, é necessário entender que a agenda decisória é um resultado de três tipos de conflito que devem ser identificados pelo analista de política: (a) os abertos, entre as agendas particulares de atores com poder semelhante, que se explicitam no processo conformação da agenda decisória; (b) os encobertos, que, embora percebidos pelos atores mais fracos, não chegam a ser incorporados à agenda decisória devido à sua debilidade e são por isto de difícil observação; (c) os latentes, cuja expressão como problemas que conformariam a agenda particular de um ator mais fraco nem chega a ocorrer, dado que é obstaculizada por mecanismos ideológicos controlados pelos atores mais poderosos, e pelo correspondente consentimento dos mais fracos.

    A identificação dos conflitos latentes é ainda mais difícil do que a dos encobertos. Ela não pode ser feita "a olho nu" mediante a consideração da agenda decisória conformada a partir da relação entre os atores. Ela exige uma análise profunda do contexto político e ideológico e das relações de poder existentes entre os atores atingidos por uma dada política, assim como do seu modelo cognitivo. Isso porque, no limite, os atores mais fracos, por sequer serem capazes de formular uma agenda particular (uma vez que não percebem claramente os problemas que os prejudicam), nem conseguem influenciar a conformação da agenda decisória para poderem participar do processo de decisão.

    À medida que um ator entra em interação com outros atores e agendas, no âmbito de processos decisórios, sua agenda particular passa a dar origem ao seu modelo cognitivo particular. Isto é, o modelo, a partir do qual ele irá descrever, explicar e prescrever acerca do objeto da política e do seu contexto, e participar no processo decisório. Dependendo do poder relativo do ator, seu modelo cognitivo poderá ser percebido como correto, ser socialmente legitimado, e influenciar decisivamente a forma e conteúdo da política. No limite, e semelhantemente ao que ocorre no caso das agendas quando um ator dominante consegue impor a sua agenda como a agenda da política, quando existir um ator capaz de enviesar significativamente o processo decisório, a política incorporará o modelo cognitivo particular desse ator. Ele passará a ser o "modelo cognitivo da política"; o qual passará a servir de referência para todos os atores intervenientes, levando ao fortalecimento do poder do ator dominante e dificultando ainda mais a irrupção de conflitos encobertos e latentes.

    A debilidade dos atores mais fracos influencia triplamente a conformação da agenda decisória e, por extensão, o conteúdo da política. Primeiro, porque seu menor poder diminui a probabilidade de que sua agenda particular "entre" na agenda decisória. Segundo, porque sua agenda particular não costuma refletir todos os problemas que efetivamente o prejudicam (devido à existência de conflitos mantidos como latentes em função dos mecanismos ideológicos vigentes). Terceiro porque o "modelo cognitivo da política", cujas características dependem dos valores e interesses do ator dominante, tende a atuar no sentido de dificultar ainda mais a irrupção de conflitos encobertos e latentes.

    Elementos de caráter político-ideológico atinentes aos atores, às redes que eles conformam e aos ambientes em que se verificam as atividades abarcadas pela política, fazem parte do conjunto de informações necessário para entender os processos e tomada de decisão.

    Quatro aspectos merecem ser lembrados: a. um problema social não é uma entidade objetiva que se manifesta na esfera pública de modo naturalizado, como se ela fosse neutra e independente em relação aos atores – ativos e passivos – do problema; b. não há situação social problemática, senão em relação aos atores que a constroem como tal; c. reconhecer uma situação como um problema envolve um paradoxo, pois são justamente os atores mais afetados os que menos têm poder para fazer com que a opinião pública (e as elites de poder) a considere como problema social; d. a condição de penalizados pela situação-problema dos atores mais fracos tende a ser obscurecida por um complexo sistema de manipulação ideológica que, com seu consentimento, os prejudica.

    É devido à existência desses aspectos que, frequentemente, não são os que pertencem ao grupo econômica ou politicamente mais fraco, penalizado por uma situação-problema, os que procuram incorporá-la à agenda decisória. E, sim, os que dela se consideram conscientes e estejam com ela ideologicamente identificados (e que possuam poder para atuar). Alternativamente, pode ocorrer que um ator passe a defender a agenda particular de um outro que, embora dotado de poder econômico ou político, se encontre ausente do processo decisório por não estar consciente daquilo que, segundo o primeiro ator, seriam os seus interesses. Isso tenderá a ocorrer quando o ator já engajado na elaboração da política pressente que isto pode trazer vantagens para a defesa da agenda particular advogada pelo seu grupo ou para um segmento em processo de diferenciação ou ao qual pretende se filiar.

    Explicar o êxito ou fracasso de uma política supõe a consideração de duas dimensões. A primeira é a dos atores intervenientes no processo decisório, em que se procura entender como o ator dominante atua no sentido de fazer valer seus interesses. A segunda é a que se ocupa da identificação das falhas (ou déficits) de implementação vis-à-vis às de formulação. Essa dimensão indica com freqüência que embora, obviamente, o insucesso da política só se materialize quando ela é implementada, as razões que o explicam remetem ao momento da formulação. Portanto, por mais que possam estar asseguradas as condições para a implementação perfeita, uma política mal formulada (apoiada num modelo cognitivo pouco coerente com a realidade, num modelo normativo irrealista, ou numa agenda irrealista ou bloqueada) jamais poderá ser bem implementada.

    Como outros tratados nesta seção, os pontos levantados nos dois últimos parágrafos são especialmente pertinentes para a análise da PCT brasileira.

    UM POUCO DE HISTÓRIA: AS AGENDAS DA PCT BRASILEIRA De acordo com o recém-exposto, a agenda decisória da PCT seria uma combinação (média ponderada pelo poder relativo do ator) de quatro agendas particulares: a. da comunidade de pesquisa (agenda da ciência); b. dos governantes (agenda do governo); c. dos empresários (agenda da empresa); e d. da "sociedade em geral" (agenda dos movimentos sociais).

    Esta seção apresenta sumariamente aspectos que ajudam a entender como essas agendas foram interagindo e originando o modelo cognitivo e a agenda da PCT. Ela também apresenta elementos da situação atual que servem de base para a exploração que se faz na seção seguinte sobre como se posicionam os atores.

    No início dos anos de 1970, analistas da PCT latino-americana destacavam que, ao contrário do que ocorria nos países avançados, ela era pautada por uma agenda distante das demais políticas. Os assuntos de interesse do governo – a agenda do governo – pouco apareciam na PCT. E de fato, embora tenham existido importantes iniciativas que, através das empresas estatais, lograram dinamizar a relação pesquisa-produção (ou universidade-empresa), a Reforma Gerencial do Estado terminou por inviabilizar novas experiências.

    Menor presença tinha a agenda da empresa. Nosso capitalismo periférico e mimético (primeiro, primário-exportador e, depois, de industrialização via substituição de importações) não gerava, ao contrário do que ocorria nos países avançados, uma demanda local por C&T. O que explicava porque a agenda da empresa exercia pouca influência na PCT e porque a da ciência era, por default, dominante. A ausência de um "projeto nacional" fazia com que a agenda do governo não alcançasse um patamar sustentado e com que a dos movimentos sociais, numa sociedade que permanecia desigual e autoritária, se mantivesse latente. Assim, a agenda da PCT se resumia praticamente à agenda da ciência, ou seja, aos temas clássicos de interesse da comunidade científica que, advogavam os cientistas, eram importantes para o desenvolvimento socioeconômico.

    Mas como o diagnóstico já naquela época era de que nosso problema não era de falta de capacidade para desenvolver "boa ciência", era natural que o viés ofertista conferido à PCT pela comunidade pesquisa, fosse contrabalançado por medidas que visavam a vincular a pesquisa universitária pública à empresa. Com isso se esperava alterar a baixa propensão a inovar do empresário latino-americano.

    Como o senso comum acadêmico, subestimando a racionalidade do empresário, atribuía esse comportamento à sua "atrasada" percepção do papel da inovação para o aumento do seu lucro e ao ambiente protecionista, a globalização e a abertura comercial neoliberal representaram uma esperança de mudança. O fato de que na periferia do capitalismo esse comportamento não se deve apenas ao padrão mimético da demanda por bens e serviços determinado pela dependência cultural e materializado sob a forma de um modelo de desenvolvimento dependente, mas por uma "forma distinta de produzir mercadorias", explica porque essa esperança não foi satisfeita.

    De fato, contrariando a interpretação de Schumpeter que atribui a dinâmica inovativa à concorrência intercapitalista que se dá na órbita do mercado, o empresário periférico não inova porque na órbita interna da empresa – ou seja, no setor de produção – onde enfrenta seus trabalhadores, não é necessário o "progresso tecnológico" que nos países avançados lhe proporciona mais-valia relativa. Políticas concentradoras, ancoradas numa anômala concentração de poder político e econômico, engendraram um mecanismo de inflação-reajuste regulado pelo Estado que levou à deterioração continuada do salário real e à instauração de uma forma de extração da mais-valia (absoluta) que prescinde da inovação.

    Ao entender a PCT como uma combinação de agendas diferentes, ganha plausibilidade o argumento de que seria a operação desse mecanismo, de inquestionável poder explicativo no plano da racionalidade empresarial, e não simplesmente o padrão cultural mimético (para não falar da idéia de senso comum do "atraso" do empresário periférico), que faria com que, na ausência de um interesse empresarial pelo desenvolvimento de C&T, predominasse a agenda da ciência.

    Foi só no final dos anos de 1980, e sem que tivesse se alterado o quadro esboçado acima, que, por iniciativa de acadêmicos partidários da Teoria da Inovação que "estavam" burocratas, assuntos presumivelmente de interesse da empresa e tidos como de importância para o crescimento econômico – a agenda da empresa – apareceram na agenda da PCT.

    Curiosamente, o espaço para empresa na agenda de PCT, a se julgar pela escassa participação dos empresários nos debates e decisões sobre essa política, foi aberto pela comunidade de pesquisa – o tradicional ator dominante da PCT. Esses "acadêmicos empreendedores", como são conhecidos, estão interessados em interagir com as empresas nacionais inovadoras (que sobreviveram à desindustrialização e à desnacionalização provocada pela abertura neoliberal), e com as multinacionais intensivas em tecnologia, porque acreditam que, nesse processo, legitimam socialmente as atividades de pesquisa da universidade. Essa idéia passou a ser hegemônica na PCT, materializando-se na criação de arranjos institucionais para incentivar a interação universidade-empresa, como parques e pólos tecnológicos, incubadoras, projetos cooperativos, mecanismos para estimular a absorção de pessoal pós-graduado pelas empresas etc.

    Assume-se que tais arranjos são, de fato, do interesse das empresas locais, mas é bem conhecido que as empresas têm respondido a eles de forma extremamente tímida às chamadas de financiamento de P&D (2, 3). Estudos de avaliação mais focados têm mostrado que recursos como os destinados para pesquisa cooperativa com a empresa através dos Fundos Setoriais, por exemplo, acabam sendo alocados de acordo com a lógica e os interesses da comunidade acadêmica (4, 5).

    Adicionalmente, é possível mostrar a partir dos dados coletados pelo IBGE (6, 7) que aqueles instrumentos de apoio à P&D parecem ter pouco a ver com o interesse das empresas locais: sua estratégia de inovação não se apóia na P&D, mas sim na compra de máquinas e equipamentos. Parece, então, que a comunidade de pesquisa, via mimetismo e no âmbito de um processo de "transdução" mais abrangente, vem tentando encenar o papel de um outro: a empresa.

    Guardando uma relação de sinergia com os aspectos ressaltados até aqui, está o modelo cognitivo que ampara essa percepção. Sua característica mais marcante, no plano econômico, são as idéias de que o conhecimento produzido na sociedade deve necessariamente transitar pela empresa para atingir e beneficiar a sociedade (na forma produtos com preços cadentes e qualidade crescente, empregos qualificados com salários crescentes, impostos que revertem para a sociedade promovendo a competitividade sistêmica, etc). E de que a compulsão a inovar para maximizar o lucro seria o motor de um círculo virtuoso de competitividade das empresas, das nações, do bem-estar dos seus cidadãos e dos habitantes do planeta.

    Esse elemento do modelo cognitivo com o qual se elabora a PCT está associado a outra idéia de senso comum de que a tecnociência (conceito que denota o fato de que 70% do gasto mundial em pesquisa é privado e que, deste, 70% é realizado por multinacionais) é neutra. Isto é, que depois de ser produzida num dado ambiente (em que, como tenho argumentado, predominam valores e interesses que como é esperado a "contaminam" com o "germe" da exclusão social), ela pode ter a sua utilização orientada para propósitos de inclusão. Apesar crescentemente refutados pelos estudiosos, os mitos da neutralidade e do determinismo da tecnociência continuam ocupando um lugar central no modelo cognitivo da PCT.

    O DISCURSO DOS ATORES RELEVANTES Esta seção se desenvolve em torno da idéia de que o discurso dos atores envolvidos com a política é o primeiro nível de expressão do seu modelo cognitivo. E que sua análise, embora sem seguir os cânones do campo disciplinar da análise do discurso, permite identificar aspectos que, de modo menos preciso e extremado, vão aparecer na maneira como eles irão tentar conformar a agenda decisória e influenciar a trajetória da política. Ela se concentra, por isso, na análise de três discursos recentes sobre a PCT que, até o momento em que escrevo, parecem configurar as suas trajetórias possíveis.

    O discurso dos movimentos sociais Antes de iniciar este item, é importante ressaltar que o que aqui se analisa não se refere à agenda do governo, mas sim a de um dos atores que influencia (ou deveria influenciar) na sua conformação, o presidente da República. E que, entretanto, esse discurso não parece expressar a agenda do governo. Situado numa posição bastante crítica em relação a PCT vigente, ele expressa com mais propriedade a agenda dos movimentos sociais.

    Embora não tenha repercutido na mídia especializada, o discurso do presidente, no Inpe em 13 de março, por indicar o conteúdo que ele aparentemente gostaria de conferir à PCT e pela sua densidade política (politics), ele se caracteriza como o evento recente mais importante da nossa política (policy) de C&T. Na verdade, independentemente da simpatia ou antipatia que se tenha pela sua pessoa, há que reconhecer que é a primeira vez que um governante se refere aos aspectos políticos que cercam essa política pública. Os quais, é importante enfatizar, quase nunca são referidos pelos que com ela se envolvem.

    Começo ressaltando o elevado simbolismo contido na forma como o presidente iniciou o seu discurso, depois de escutar (com uma certa impaciência, a julgar pela forma como deixava escorregar entre os dedos um papel dobrado que batia na mesa) o longo discurso do ministro de C&T.

    No que interpreto como uma insatisfação a respeito de como está sendo utilizado o potencial científico e tecnológico das instituições públicas de ensino e de pesquisa e de como tem sido orientada a PCT e, em particular, como uma reação ao contumaz tom apologético com que se havia destacado os resultados do Programa do Satélite Sino-Brasileiro, o presidente declarou: – "Eu não vou ler o [meu] discurso porque é uma cópia fiel do discurso que o Sérgio Rezende leu aqui. Certamente, quem fez o meu fez o dele, ou ele fez o meu e tirou xerox para facilitar a vida dele."

    Com a aguda ironia bem-humorada que o caracteriza (que arrancou tímidos risos da sisuda platéia), o presidente habilmente anunciou a idéia-força que marcou sua fala: não era hora de comemoração, mas de uma auto-crítica que, como cidadãos-pesquisadores, cabia à comunidade de pesquisa ali reunida fazer.

    De fato, ele prosseguiu dizendo: "...na medida em que nós não fizemos as lições que outros [países] fizeram [alfabetização, reforma agrária, distribuição de renda] nós somos um país dividido entre gente que participa do Brasil de ponta, do Brasil tecnológico, do Brasil avançado, como todos vocês participam, e, ao mesmo tempo, nós temos um país em que o estoque de pessoas que ficaram marginalizadas começa a causar preocupação e começa a causar incertezas na sociedade brasileira." E, completou: "O desafio que está colocado para nós, agora, depois de visitar o Inpe é provar que nós somos capazes de fazer isso...".

    Lançado perante aquela platéia, o desafio parece significar que "agora", depois de ter usufruído [desde o regime militar] de um tratamento privilegiado – seja em relação ao plano internacional, seja em comparação a outros segmentos sociais –, a comunidade de pesquisa deve contribuir, com o conhecimento que a sociedade lhe permitiu adquirir, para "fazer as lições" da "alfabetização, reforma agrária, distribuição de renda".

    Com a autoridade que a democracia confere a um presidente para orientar as políticas de seu governo, mas que até agora nunca havia sido empregada no âmbito da PCT, ele seguiu aludindo ao que provavelmente tinha lido no discurso que não fez: "O resultado que nós temos hoje, de coisas extraordinárias que eu tenho visitado no Brasil, é uma conquista de todos nós. Mas, às vezes, as coisas que não dão certo de pronto, nós carimbamos um responsável, tiramos o corpo fora e fica por conta de alguém que nós queremos responsabilizar."

    Interpreto essa declaração como uma censura à postura recorrente da comunidade de pesquisa de atribuir a outrem [à ganância das elites, ao "imperialismo", aos políticos corruptos, quando não ao que considera uma falta de consciência da sociedade acerca da importância da C&T que impede que mais recursos sejam alocados para a realização de sua atividade] a responsabilidade pela calamidade social que nos cerca.

    Ao tentar "tirar o corpo fora", a comunidade de pesquisa estaria se eximindo da responsabilidade de seguir pesquisando, divulgando e ensinando um conhecimento cuja finalidade é alavancar um processo de acumulação de riqueza concentrador e excludente. E por não reorientar sua agenda de pesquisa para atacar os problemas da maioria da população. E, ainda, por não ser capaz de reconhecer que não sabe como enfrentar as complexas questões tecnológicas, científicas e ambientais associadas à duplicação do Brasil necessária para abrigar os não-cidadãos de hoje.

    Entendo a pergunta que o presidente formula "...não está na hora da nossa consciência assumir um compromisso, com este país, um pouco mais além da nossa própria sobrevivência enquanto seres humanos e enquanto pesquisadores" como um chamamento à comunidade de pesquisa de esquerda. Àqueles que, sentados naquela sala, têm consciência de que é necessário mudar, mas que seguem iludidos pelos mitos da neutralidade da ciência e do determinismo tecnológico, ou que não têm ainda a coragem de assumir que pertencer ao main stream ou figurar no science citation index não é suficiente para construir um país decente.

    O presidente deu mais um recado a ser levado em conta quando se reflete sobre as perspectivas da PCT:– "...durante muitas décadas o Brasil não combinou as oportunidades que teve de aproveitar o crescimento para permitir que houvesse uma certa igualdade de oportunidades no conjunto da sociedade." A julgar pelo tom do seu discurso, ele parecia sinalizar para uma inflexão na PCT, tão desejada pela comunidade de pesquisa de esquerda, que abra espaço para seu engajamento na construção de um Brasil mais justo e democrático.

    O discurso da comunidade de pesquisa O recado contido no discurso do presidente parece ter sido bem entendido por influentes policy makers pertencentes à comunidade de pesquisa que participaram no seminário "O Brasil no século 21" realizado em 28 de março, na Faculdade de Economia e Administração da USP, sob a coordenação de Delfim Netto.

    Suas opiniões, que apareceram no Boletim da Fapesp sob o sugestivo, ainda que desgastado, título de "Motores do desenvolvimento, si non é vero, é bene trovatto", respondem negativamente à pergunta que fez o presidente: "...não está na hora da nossa consciência assumir um compromisso, com este país, um pouco mais além da nossa própria sobrevivência enquanto seres humanos e enquanto pesquisadores?"

    Escolhi e cito seis delas que expressam as duas agendas dominantes da PCT. A agenda da ciência, defendida pelos que querem manter a orientação hegemônica até dez anos atrás e a da empresa, dos que também no âmbito da comunidade de pesquisa vêm tentando legitimar-se por essa via. De fato, embora sejam conflitantes, elas se têm mostrado negociáveis. E antagônicas à démodé agenda do governo (que se mostrou compatível com a agenda da ciência no período militar) e à latente agenda dos movimentos sociais (que ganha força com o discurso do presidente).

    A primeira, é a de que a "publicação de trabalhos em revistas de circulação internacional é um grande impulso para o desenvolvimento científico e tecnológico"(8). Ela contém duas idéias crescentemente questionadas, mas que continuam a ser olimpicamente repetidos pelos partidários da agenda da ciência. Na realidade, a publicação de trabalhos é resultado e não impulso (ou causa) para o desenvolvimento científico. E o desenvolvimento tecnológico, tal como têm mostrado vários países, tem muito pouco a ver com a publicação de trabalhos científicos; especialmente em países periféricos.

     

     

    A segunda opinião é de que "na origem histórica da universidade está a necessidade de solucionar problemas da sociedade e de inserir novos produtos no mercado...". Novamente, dois equívocos. Quem trabalha na universidade deveria saber que nem na origem, nem na missão atual da universidade consta "inserir novos produtos no mercado". Esta idéia tem sido vendida pelos partidários da agenda da empresa que tentam orientar a PCT para o mercado usando a falácia neoliberal de que isso contribuiria para "solucionar problemas da sociedade".

    Ligada a essa, uma terceira imputa a culpa pela "falta de interação com o setor produtivo" (por eufemismo, a empresa privada) dizendo que ela "... se tornou uma lógica própria das instituições de ensino no país" que "...não favorece a difusão do conhecimento para solucionar problemas econômicos ou sociais". Como se o nosso capitalismo periférico, dependente e imitativo, que combina suas faces primário-exportadora e substituidora de importações com uma brutal concentração de renda, não se caracterizasse por uma, economicamente racional, aversão à inovação tecnológica. E como se "solucionar problemas econômicos" fosse preocupação da empresa. E mais, como se os "sociais" pudessem ser resolvidos mediante aquela "interação".

    A quarta opinião alega que "a universidade tem papel fundamental para a criação do conhecimento, mas, para que um produto ou processo inovador sejam aceitos pelo mercado, a pesquisa deve ser ... um assunto dominado primordialmente pelas empresas". De novo aparece o equívoco de limitar o papel da universidade pública (pois disto se trata) à criação de conhecimento para satisfazer à agenda da empresa. Como se não existissem outras agendas de atores que contribuem mais para a sua existência, que demandam soluções cientificamente mais originais e complexas e com maior impacto social e econômico para o país.

    Associada a essa, uma quinta salienta que "precisaríamos de pelo menos 150 mil cientistas nas empresas para transformar nosso conhecimento em desenvolvimento econômico". Ela reitera a solução de compromisso entre as duas agendas hoje dominantes: precisamos oferecer mais mestres e doutores para satisfazer essa demanda do mercado, de 150 mil. Entende-se mal o que seja oferta e demanda: trabalham em atividades de P&D nas empresas públicas e privadas o equivalente a 3 mil mestres e doutores. Se esse estoque aumentar – magicamente – 10% ao longo deste ano, haverá uma demanda adicional de 300; quando então a oferta de mestres e doutores em ciências e engenharias (que cresce 10% ao ano) será de 30 mil. Essa relação de 1:100 mostra o absurdo a que a desconexão entre as agendas de nossa PCT nos têm levado. E o equívoco que seria tentar equilibrar esse desajuste acionando apenas aquelas duas agendas.

    Sobretudo num país que, como ressaltou o presidente, "não fez as lições da alfabetização, reforma agrária, distribuição de renda" e que, por isso, possui agendas latentes (do governo e dos movimentos sociais) a serem incorporadas à PCT. Para que, entre tantas outras coisas, a sociedade possa aproveitar o investimento que realizou na formação dos seus mestres e doutores.

    Mas para que isso ocorra, é necessário que a comunidade de pesquisa de esquerda se oponha à solução de compromisso entre as duas agendas hoje dominantes (da ciência e da empresa) que a sexta opinião alude: "...quando empresas estrangeiras têm interesse em parcerias com universidades brasileiras, além de seus dirigentes procurarem entidades que mais formam mestres e doutores, a lista de publicações dos pesquisadores é um dos requisitos básicos". E que se engaje na construção de uma PCT em que as "empresas estrangeiras" não sejam o ator a ser beneficiado à custa de uma competição sem sentido entre as universidades públicas e seus professores.

    O discurso do empresariado A terceira peça desta análise também apareceu no Boletim da Fapesp, em 26 de abril. Sob o título "Do consenso à ação" a matéria comenta os resultados do 2º Congresso Brasileiro de Inovação na Indústria, organizado por três das instituições mais representativas do mundo empresarial – a Confederação Nacional da Indústria, o Instituto Euvaldo Lodi e o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – encerrada no dia anterior, "com a presença de 700 empresários, acadêmicos e representantes do governo".

    O consenso que, segundo o Boletim da Fapesp, "predomina entre os atores envolvidos com o desenvolvimento científico e tecnológico no Brasil, é que a indústria brasileira precisa de mais inovação". O que, tendo em vista o que ela, de modo restritivo, considera "atores envolvidos" e "desenvolvimento científico e tecnológico", não chega a surpreender.

    Outra matéria disponibilizada no sítio da CNI repete o mantra de que "os investimentos em P&D são imprescindíveis para ampliar a participação do Brasil no mercado internacional e acelerar o ritmo de crescimento da economia" e aponta as cinco "condições" para o aumento da inovação na empresa. Todas referem-se a medidas de política pública e compreendem a ampliação dos recursos disponibilizados pelas agências e pela renúncia fiscal, a modernização do Instituto Nacional de Propriedade Industrial, o aumento da interação dos órgãos voltados ao apoio da inovação com aqueles de controle do orçamento, e a utilização do poder de compra do Estado para estimular a P&D. O que tampouco chega a surpreender. Sobretudo tendo em vista a maneira como os empresários brasileiros costumam se pronunciar a respeito de temas importantes para o país: listando as reivindicações que querem ver atendidas pelo governo sem no entanto comprometerem-se com nada mais do que uma alusão difusa ao seu papel como promotores do crescimento econômico e do bem-estar social; e, ultimamente, da competitividade...

    Voltando à matéria divulgada pela Fapesp, vê-se que ela destaca a opinião de quatro pessoas que tiveram uma participação de relevo no Congresso; o que atesta o prestígio que gozam no meio empresarial. A sessão em que participaram – Agenda Empresarial e Prospectiva Tecnológica e Industrial – a julgar pelo seu título, indicaria os balizamentos estratégicos que o empresariado deveria adotar para, no futuro prospectado, aproveitando as "condições" que enunciaram, cumprir o seu papel.

    Mais do que analisar o discurso dessas pessoas, mesmo porque isso não adicionaria nada ao já comentado, interessa aqui refletir sobre quem são elas, já que isso pode servir como algo parecido com uma evidência empírica do que tenho dito a respeito de qual é o ator que está tentando introduzir a agenda da empresa na PCT.

    O que pode espantar alguns (mas que não surpreende os que me acompanham nesta análise) é que apesar do caráter da sessão e do Congresso, nenhum deles é empresário!

    Para encerrar este ponto, agrego que eles, à semelhança dos que proferiram o discurso analisado no item anterior, por serem personagens influentes do processo decisório da PCT, são parte importante da correia de transmissão através da qual chegam ao aparelho de Estado as demandas dos atores, no caso, os empresários, que pretendem dela se beneficiar. E por onde saem os recursos que irão diretamente beneficiá-los(9).

    À GUISA DE CONCLUSÃO Concluindo, ressalto a distância existente entre o que sinalizou o presidente e a visão daqueles membros da comunidade de pesquisa que, apesar de sua fé na empresa e no mercado, do seu alinhamento ideológico-político com forças conservadoras, de sua participação destacada no governo FHC e da divergência que têm com a agenda dos movimentos sociais, continuam influenciando uma política pública chave para a consecução das metas do atual governo. A manutenção dessa tendência é uma das perspectivas da PCT.

    Uma outra poderá se fortalecer caso o segmento de esquerda da comunidade de pesquisa, que se identifica com os interesses (políticos, econômicos) e valores (ambientais, morais, étnicos, de gênero) dos movimentos sociais partidários de um estilo alternativo de desenvolvimento for capaz de incorporá-los às suas agendas de pesquisa e docência e ao processo decisório da PCT. Dessas alianças, emergirão linhas de atuação custeadas pelo governo em condições pelo menos análogas às que dispõem a empresa privada, a serem implementadas em institutos públicos de ensino e de pesquisa. Um conjunto alternativo de critérios, variáveis, procedimentos e estratégias, que ao invés do hoje dominante, seja capaz de construir a base cognitiva necessária à implementação daquele estilo alternativo de desenvolvimento, irá sendo consolidado.

    Viabilizar essa outra perspectiva demanda um movimento distinto do que estamos assistindo, em que as agendas da ciência e da empresa se estão compactuando. A agenda dos movimentos sociais, pela sua natureza, terá que ser adotada com principalidade pelo governo, subordinando o simulacro de agenda da empresa que anda em busca de um ator – a "burguesia nacional" – em si mesmo artificial e anacrônico. Ao "reprojetar" radicalmente a agenda da ciência (hoje um espectro periférico do que o capitalismo global engendra para combinar de forma suicida o consumismo exacerbado e a obsolescência planejada) ela será capaz de contribuir para alavancar o cenário da democratização que a sociedade busca construir.

    Em minha opinião, o primeiro passo – que é conseguir que os conflitos latentes implícitos na agenda dos movimentos sociais se explicitem como conflitos abertos no processo decisório da PCT – demanda da comunidade de pesquisa de esquerda uma politização dessa política.

     

    Renato Dagnino é professor titular do Departamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências da Unicamp.

     

     

    NOTAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

    1. A revista Ciência e Cultura, cuja missão é tratar o "... cenário das grandes questões culturais de nossa época, identificando tendências e abordando temas próprios do conhecimento e da dinâmica de suas transformações culturais, científicas e tecnológicas" me parece um canal especialmente apropriado para o debate.

    2. Velho, L.; Velho, P.; Davyt, A. "Las políticas e instrumentos de vinculación universidad-empresa en los países del Mercosur". Educación Superior y Sociedad, v.9, n-º 1, p. 51-76, 1998.

    3. Velho, L.; Velho, P.; Saenz, T., "P&D nos setores público e privado no Brasil: complementares ou substitutos?", Parcerias Estratégicas, n-º 19: 87-127, 2004.

    4. Pereira, N. M. "Fundos Setoriais: Avaliação das estratégias de implementação e gestão". Texto para discussão (Ipea), v. 1, p. 01-40, 2005.

    5. Pereira, N. M. ; Hasewaga, M. ; Azevedo, A. M. M. "Avaliação de aderência de Fundos Setoriais" (contrato CGEE 124/2006). 2006. (Relatório de pesquisa)

    6. IBGE- Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica. Rio de Janeiro: IBGE.2005.

    7. Pesquisando uma amostra das 84 mil empresas com 10 ou mais pessoas ocupadas (das cerca de 5 milhões que, segundo o Sebrae, existem no país), se evidenciou que 28 mil introduziram no mercado alguma inovação de produto ou processo nos últimos três anos. E que, destas que provavelmente constituem o universo das empresas inovadoras brasileiras, apenas cerca de 200 inovaram, de fato, em termos mundiais! Esse desempenho é coerente com sua baixa propensão a gastar em P&D (de cerca de 0,3% do PIB, enquanto que no Japão ou na Suécia este indicador chega próximo a 3 e 4%, respectivamente). De fato, 80% dos empresários consultados declarou que a importância da aquisição de máquinas e equipamentos para sua estratégia de inovação era alta ou média, e somente 20% declarou ser a P&D (à qual alocam cerca de 20% das despesas com inovação).

    8. O diagnóstico benevolente a respeito da qualidade da nossa ciência tem sido questionado, entre outros, por Schwartzman e, mais recentemente, por Nicolski. Segundo a informação apresentada por este último é possível argumentar que a defasagem muitas vezes comentada entre o Brasil e a Coréia em termos do indicador de desenvolvimento tecnológico (patentes) é da mesma ordem de grandeza de um outro que se pode obter combinando indicadores de artigos publicados, citação de artigos e qualidade dos artigos. E que, segundo ele, essa baixa qualidade poderia ser melhorada aumentando o vínculo da pesquisa com a "demanda real".
    - Schwartzman, S. "A pesquisa científica e o interesse público", Revista Brasileira de Inovação (Rio de Janeiro), vol. 1, n-º 2, p. 361-395, 2002.
    - Nicolsky, R. "Tecnologia e aceleração do crescimento". JC e-mail 3349, de 14 de setembro de 2007.

    9. Vega-Jurado e outros, analisando o caso boliviano afirmam que se "ha creado un circulo vicioso: las universidades no producen conocimiento novedoso que puedan ofrecer a las empresas, pero al mismo tiempo las empresas no lo demandan, de tal manera que la relación universidad-empresa está orientando la universidad hacia una "universidad consultora".
    - Vega-Jurado, J., Fernández-de-Lucio, I. e Huanca-López, R. "¿La relación universidad-empresa en América Latina: apropiación incorrecta de modelos foráneos?". J. Technol. Manag. Innov. Volume 2, Issue 2. 2007.