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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.59 n.4 São Paulo  2007

     

    DEBATE

    CITAÇÃO POÉTICA PODE SER PLÁGIO?

     

    Estimulado pelo artigo publicado na seção de "Tendências" desta revista, em julho passado, onde a pesquisadora Sonia M. R. Vasconcelos discute a questão do plágio na academia, decidi transformar minha reflexão sobre o assunto num artigo. A pesquisadora aponta a necessidade de seriedade, postura ética e respeito acadêmico,de forma muito bem apresentada e que tem minha plena concordância.

    O que gostaria de apresentar, porém, é que a questão da propriedade nem sempre é tão clara – pelo menos para um leigo. Penso na questão do plágio por outro viés, o da referência poética de uma obra literária.

    Cito – de memória e, portanto, sujeito às naturais falhas humanas, ainda mais porque minha área de atuação é a matemática e não a literatura – o filme O carteiro e o poeta. O primeiro de dois pontos que levanto é com base na história do carteiro, que usa um dos versos do poeta (Pablo Neruda) numa carta à sua amada. Quando o poeta, para ajudar o carteiro, descobre aí o seu próprio verso e confronta o carteiro com essa apropriação, este declara, a um Neruda bastante surpreso, que a poesia não pertence ao seu autor e sim àqueles que dela precisam. Certamente um caso de plágio, pelas definições dos dicionários citados pela professora Sonia. No entanto, o argumento foi aceito de modo natural pelo poeta, pelo menos naquilo que o filme relata...

    Uma segunda instância é referente a uma parte do conto Sargento Getúlio, de João Ubaldo Ribeiro. Há muitos anos eu assistia ao filme de mesmo nome, quando o protagonista Lima Duarte põe-se a declamar um monólogo que me chamou imediatamente a atenção. Chegando em casa, comparei o texto do filme com o monólogo escrito por Shakespeare, em Hamlet, quando, diante da dúvida sobre viver ou morrer se seguem as conhecidas palavras "... wether ‘tis nobler in the mind to suffer the slings and arrows of outrageous fortune, or to take arms against a sea of troubles and, by opposing end them..."

    Claro que com as adaptações culturais necessárias, lembro-me bem do Lima Duarte reproduzindo em um característico linguajar regional, o mesmo texto, e confesso que não sou capaz de dizer onde é que, para mim, ele fica melhor, se em Hamlet, ou na boca do sargento que, com seu prisioneiro político, tentava entender uma ordem superior para "sumir por uns tempos".

    Novamente, pelos dicionários citados, parece que sim... Mas literatura de qualidade – certamente – em ambos casos! Não tenho a pretensão de querer ou de sequer poder julgar, à luz do artigo que tão bem descreve o plágio, este caso, mas será que aquilo que vale para nós, na academia, deverá valer de modo idêntico para a arte? Creio que a propriedade existe na literatura, é evidente, mas o assunto pode ser aí muito mais polêmico e nebuloso.

     

    João F. Meyer