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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.59 no.4 São Paulo  2007

     

     

    CINEMA

    CARLOS CANELA: FICÇÃO CIENTÍFICA À MINEIRA

     

    Cinema de ficção científica no Brasil já não é corriqueiro, que dirá um cinema de ficção científica mineiro. É aí que se destaca os trabalhos em curta-metragem do cineasta Carlos Canela, diretor de pelo menos três filmes fantásticos ou de ficção científica realizados pela Carabina Produtora de Imagens, de Minas Gerais, com apoio de leis de incentivo estaduais e federais.

    Nascido no município mineiro de Ervália, Canela envolveu-se com teatro desde muito jovem. Ele conta que começou a escrever roteiros que "sempre passavam pela estética do teatro do absurdo, buscando romper os limites que a realidade nos impunha. Finalmente, em 1999, após fazer um curso de vídeo descobri as possibilidades do cinema. E não parei mais". O diretor foi seduzido pelo potencial imaginativo do cinema. Um dos primeiros filmes a impressioná-lo The wall (Pink Floyd The wall, 1982), de Alan Parker que assistiu aos 16 anos num cinema de Barbacena, interior de Minas. "Sem querer romantizar a coisa, devo dizer que a partir daquele momento eu decidi fazer ficção. The wall era um filme que ia a um extremo ficcional, misturando ficção científica com animação, com o ritmo e montagens de videoclipes e com abordagens que beiravam a loucura de filmes clássicos de suspense. E eu me lembro exatamente de minha reação na época: ‘caramba, isso é que é cinema?’", recorda Canela.

    POTENCIAL O cineasta mineiro demonstra ceticismo em relação a um "cinema-realidade", acreditando mais no potencial comunicativo de "uma estória em cima de uma realidade que não é a nossa". Isso explica o recurso à metáfora em boa parte de seus filmes. "Eu nunca havia pensado nisso, mas acho que, nesse meu percurso contra a corrente, a metáfora parece ter sido a melhor forma de sair da onda de um cinema-realidade-intelectualizado-de-experimentação-técnica que estamos vivendo atualmente. Não é a metáfora pela metáfora, mas é a busca de um novo olhar sobre o já dito", conclui o cineasta.

    O primeiro filme de Carlos Canela é Bailarina (2001), sobre um futuro próximo no qual um Estado altamente burocrático regula a arte de forma rigorosa. Mas uma bailarina rebelde, que se apresenta publicamente sem autorização, provoca uma confusão no sistema. Canela comenta que a idéia surgiu quando ele e sua mulher, a produtora Suzana Markus, faziam seu primeiro curso de vídeo. Para o exercício de fazer um roteiro, Canela pensou na imagem de uma bailarina dançando em plena praça central da cidade. A idéia acabou não sendo aproveitada no curso, mas ficou na sua cabeça. "Resolvi escrever o roteiro e, sem que fosse intencional, ele acabou se transformando em ficção científica – bem mais no roteiro, aliás, do que no filme final", conta. Mas o mote principal da estória só surgiria mesmo depois de Canela ter integrado uma comissão de orçamento participativo da prefeitura de Belo Horizonte.

    SEGUNDO FILME Dois lados (2003), escrito e dirigido por Canela, é um filme-metáfora sobre o embate entre os lados direito e esquerdo do cérebro de um homem comum. O filme constrói uma metáfora criativa sobre o confronto entre a razão e a emoção. Embora tenha sido finalizado só em junho de 2007, foi filmado em abril de 2003. Carlos Canela explica que a inspiração veio do filme A cela (The cell, 2000), de Tarsem Singh, thriller de ficção científica cyberpunk em que uma mulher penetra no cérebro de pessoas que estão numa espécie de coma e tenta ajudá-las a sair desse estado. "Fiquei com aquela imagem na cabeça. O que aconteceria se um homem acordasse, um dia, dentro de seu próprio cérebro? Como ele conviveria com o seu lado obscuro, com tudo que é processado lá dentro e ele jamais teve coragem de enfrentar?", comenta Canela.

    CURTA INÉDITO O terceiro filme do cineasta mineiro na chave da ficção científica é um curta ainda inédito, O homem da cabeça de papelão (2007), que conta a história de Antenor (Odilon Esteves), um jovem honesto, sincero e revoltado com a corrupção e a injustiça num "país do sol" onde sempre chove, as pessoas falam por rimas, celebram a desfaçatez e condenam a moralidade e os sentimentos autênticos. Canela explica que o projeto desse filme surgiu de uma peça de teatro montada por um grupo de Belo Horizonte, sobre o conto homônimo de João do Rio. A abordagem da peça passava pelo teatro do absurdo e Suzana Markus sugeriu a Canela que fizessem uma adaptação para o cinema. "Li o roteiro da peça e o conto que lhe deu origem e o que mais me impressionou foi a atualidade de seu tema, embora tenha sido escrito no início do século passado. Imaginei, então, como seria essa história se ela se passasse num futuro não muito distante. Como sobreviveriam as pessoas em uma sociedade em que todos mentem e a corrupção é sua principal forma de organização?".

     

     

    Embora reconheça dificuldades financeiras e infra-estruturais como fatores restritivos ao cinema de fantasia no Brasil, Carlos Canela não se inibe em assumir projetos do gênero:"a ficção científica está aí para quem quiser usar".

     

    Alfredo de Oliveira Suppia