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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.60 n.1 São Paulo  2008

     

     

    O jornal na escola

    Andrea Magnanelli

     

     

    O campo educacional passou por muitas transformações ao longo do século. Na Idade Média, o acesso à língua escrita era restrito ao clero, como bem mostra o filme "O nome da rosa". Aquele que entrava na formação religiosa teria, então, acesso ao mundo das letras. Porém, com o surgimento da burguesia, com a urbanização e o desenvolvimento, essa classe social sentiu necessidade de ingressar no mundo letrado. As escolas surgem para atender aos interesses dessa burguesia em expansão. Cabe lembrar que o termo "escola" vem do período helenístico e significa "lazer, tempo livre". Importante também notar que as primeiras escolas brasileiras foram criadas pelos jesuítas com o objetivo de catequizar e "humanizar" os índios.

    A noção da "escola para todos" apareceu muito tardiamente, tanto nos países europeus como no Brasil. Aqui, apenas no início do século XX, decorrente da industrialização no país. Nesse pequeno recorte se pode constatar como o fator econômico influencia as transformações ocorridas na educação e, conseqüentemente, também nas escolas. No Brasil, uma outra influência exercida sobre a educação ocorre a partir da década de 1960. Com a ditadura militar, a predominância para o ensino passa a ser o raciocínio técnico-científico. O currículo escolar passa a ser alterado, com base nessa concepção proveniente dos Estados Unidos.

    Um outro campo também passa a exercer diversas e poderosas influências – a psicologia –, como veremos a seguir.

    Nos últimos anos, a educação ganha a dimensão de bandeira política. Um dos maiores problemas do Brasil na área educacional é o analfabetismo e o analfabetismo funcional. Este último diz respeito às pessoas que apesar de decodificarem o código da escrita não sabem interpretar o que lêem. Ou seja: essa pessoa é capaz de reconhecer as letras e inclusive ler palavras, porém na hora de ler um texto maior ou criar algo além de um simples bilhete, não consegue. Embora decodifique as palavras escritas, lhe foge a compreensão do sentido do que é escrito.

    FORMAS DIFERENTES DE ALFABETIZAR Correntes e formas de alfabetização existiram e continuam a ser introduzidas no sistema de ensino brasileiro. Entre as concepções de maior destaque estão o sistema fônico e o construtivismo.

    Uma disputa acirrada sobre qual tem maior eficácia permeia até hoje o campo educacional. A década de 1970, com o crescimento do uso da concepção construtivista nas escolas, foi um momento de outra transformação na educação brasileira. Professores começaram a estudar esse novo pensamento e passaram a aplicar esse método de aprendizagem nas escolas. Paulo Freire foi importante na década anterior por propor um novo olhar para a alfabetização de adultos.

    Depois de alguns anos, o ensino público, que ainda fazia uso das cartilhas, sofreu uma grande mudança com a criação dos Parâmetros Curriculares Nacionais. Atualmente, a maior discussão é sobre a escolha do método ou concepção que será utilizado nas escolas públicas. No entanto, é de grande importância entender um pouco sobre essas correntes. Há mais de 50 anos, foi criado o método alfabético-silábico, conhecido como tradicional aqui no Brasil. A autora da cartilha, a educadora Branca Alves de Lima, encontrou um meio para facilitar o aprendizado das letras e conseqüente alfabetização das crianças. A partir da associação de letras com imagens (G de gato, B de barriga,...) a criança aprenderia a escrever as sílabas e posteriormente pequenas palavras. Essa aprendizagem se dá por famílias: BA, BE, BI, BO, BU, por exemplo. A junção das sílabas forma palavras e pequenos textos que acompanham cada etapa. Por exemplo, na família do B, "o boi baba"; ou do V "Eva viu a uva". Essa metodologia é ensinada com base em uma cartilha, que possui exercícios para a criança completar pontilhados, copiar letras e sílabas, etc. Segundo pesquisadores, esse método difere do fônico, que pretende que as crianças associem grafemas e fonemas para tornarem-se leitoras. Esse estudo é defendido por teóricos da França, Inglaterra e Estados Unidos. Aqui no Brasil, Fernando Capovilla é o grande defensor da inserção desse método de alfabetização nas escolas brasileiras.

    Durante a década de 1970, a psicóloga e pesquisadora argentina, Emilia Ferreiro realizou um estudo que revolucionou o modo de pensar a alfabetização até então. Baseada nos estudos de Jean Piaget, de quem foi orientanda nos anos 1960, criou juntamente com outras pesquisadoras, a psicogênese da língua escrita. Seus estudos partem do pressuposto que a criança ao ingressar na escola já traz consigo repertórios de escrita e de leitura. A criança passa por algumas hipóteses de escrita antes de tornar-se um leitor convencional. A partir desses estudos, surgem professores que dirigem outro olhar para a alfabetização. É importante ressaltar que os estudos realizados por Ferreiro não se tornaram um método. Não há o método construtivista. Há uma concepção construtivista onde o papel do professor é oferecer oportunidades de aprendizado e fornecer subsídios para que a criança avance nas suas hipóteses até tornar-se uma leitora. Não há o trabalho com cartilhas ou livros didáticos. O professor cria o material conforme a demanda do seu grupo. Dessa forma, a alfabetização não ocorre apenas quando a criança tem idade para ser alfabetizada. A escrita invade o território da sala de aula, invade a escola. O professor precisa, então, fornecer diferentes gêneros textuais. Começa então o trabalho com contos de fada, parlendas, músicas, fábulas e jornais.

    Quando o professor construtivista realiza um trabalho com jornal na sala de aula, algumas etapas são contempladas. Na roda (momento onde todos se sentam no chão em círculo para discutir algum assunto trazido pelo professor ou pelos alunos) há a explicação ao aluno sobre o que é o jornal, questionamento de quem na família lê jornal, se lêem, quando lêem, por que lêem,... Geralmente esse professor opta por levar como modelo um dos dois principais jornais de São Paulo. Grande parte das escolas construtivistas faz uso do jornal como parte do material didático. A partir dos textos jornalísticos, o professor procura atingir diferentes objetivos que variam conforme a idade dos seus alunos. No entanto, é comum encontrarmos nas salas de aulas notícias pregadas no mural, que são consideradas importantes pelo professor para desenvolver e ampliar o conhecimento de mundo dos seus alunos.

    Muitos têm acesso hoje às informações por diferentes veículos: telejornais, internet, rádio,... O trabalho com o jornal na escola construtivista vem muitas vezes resgatar o hábito de leitura desse meio de comunicação. O trabalho com ele possibilita o aluno "entrar em contato" com o texto jornalístico, conhecer a linguagem jornalística e produzi-la, conhecer as notícias e saber opinar criticamente sobre elas. A partir dessas discussões o professor pretende formar um aluno com opinião, capaz de produzir textos jornalísticos com certa criticidade sobre o mundo atual. O trabalho com jornais nas escolas deve acontecer principalmente nos anos iniciais do ensino fundamental, a partir de reportagens trazidas pelos professores e/ou pelos próprios estudantes.

    A idéia é deslocar o discurso do jornal apenas como veículo de informação. Uma das propostas deste trabalho é ir além de questionar e trabalhar criticamente com as reportagens. É estimular o questionamento e debate de que as notícias publicadas não são fatos fechados e verdadeiros.

    Tais discussões criam territórios para falar sobre as relações de poder que habitam a nossa sociedade. Questionar, por exemplo, para que tipo de criança se dirige a Folhinha ou o Estadinho? Possibilitar que surja o discurso das classes marginalizadas e como estas continuam muitas vezes marginalizadas na notícia publicada no jornal. Criar espaços para que os nossos estudantes, além de opinarem criticamente, possam questionar e pensar sobre as diferenças e multiplicidades que habitam as nossas "culturas babélicas". Possibilitar espaço para um silêncio, para um calar, para um não opinar. O que não nos falta hoje é uma receita de como trabalhar com jornais. As livrarias estão cada vez mais obesas com a quantidade de títulos que saem a esse respeito. De como usar, fazer, produzir um jornal. De como tornar-se um leitor a partir do jornal.

    Talvez o que nos falte é um território onde o jornal possa ser visto como um meio de veiculação de notícias que pode estar sujeito a discursos já capturados pelo pensamento eurocêntrico. Um território onde o trabalho com o estudante vise ir além da produção textual ou produção opinativa. Sair da discussão dialética. Fugir do concordo/não concordo/por quê? Possibilitar uma escritura única. Tecida por cada estudante que foi e é atravessado por suas experiências. O trabalho com jornal não deve ser eliminado. E sim transformado. Sofrer uma metamorfose onde a multiplicidade de olhares e dizeres possam ser acolhidos. Desconstruído no sentido que escreve Jacques Derrida – os discursos precisam ser desconstruídos; não negados ou rejeitados. Uma desconstrução onde as escritas falem "desde o interior de si próprias" (Skliar, 2005:19). A partir dessa desconstrução, possibilitar que os estudantes possam "resistir à tirania do Um, da metafísica ocidental (...) desfazer aquela metafísica habitada pelos binarismos, pelas oposições (...)" (Skliar, 2005:20). Território onde não surja o "eu espectralizado" (Skliar, 2005:20). Onde o outro apareça a partir de suas próprias singularidades. O jornal na escola sofre então uma metamorfose onde a multiplicidade de olhares... dizeres... calares... possam, talvez, serem acolhidos.

     

    Andrea Magnanelli é pedagoga, docente da Teia de Saberes - Núcleo de formação de professores da Escola Estilo de Aprender (SP)

     

     

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

    Corazza, S., Tadeu, T. e Zordan, P. Linhas de escrita. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

    Skliar, Carlos (org.). Derrida & a educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.

    Corazza, S. e Tadeu, T. Manifesto por um pensamento da diferença em educação, in: Composições. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.