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    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.60 n.1 São Paulo  2008

     

     

     

    ENTREVISTA

    Papel social do cientista inclui divulgar seu trabalho

     

    A física pode ter fama de ser um tema para poucos, dada a sua complexidade, mas é para quebrar esse estigma que Marcelo Gleiser dedica 40% de seu tempo para levar informação, reflexão e fascínio a um público não especializado. Há 25 anos nos Estados Unidos, esse professor de física e astronomia do Dartmouth College foi levado à divulgação científica quando recebeu a missão, em 1995, de ensinar física a alunos da área de humanas. Nesse meio tempo, Gleiser consolidou seu trabalho de divulgador de ciência do país, além de atuar no exterior. Conquistou dois Prêmios Jabuti (1998 e 2002) por seus livros A dança do universo, transformado em peça, e O fim da terra e do céu, além do Prêmio José Reis de Divulgação Científica (2001). O seu carisma chegou à televisão onde já contribuiu com programas e documentários e, mais recentemente, com a série "Mundos Invisíveis" no Fantástico, da Rede Globo, para uma audiência de 40 milhões de espectadores. Nesta entrevista o pesquisador carioca fala dos cuidados a se tomar ao comunicar ciência para o público. "Mesmo que nem todo cientista deva fazer divulgação científica, já é hora de sairmos de nossas salas e participar de forma mais ativa na educação da população como um todo", conclama.

     

     

    No Brasil, a atividade em divulgação científica ainda não tem peso no currículo acadêmico e acaba sendo pouco praticada pelos cientistas em geral. Nos Estados Unidos ocorre o oposto e os próprios pesquisadores têm uma postura bem diferente em relação à mídia e ao público. Qual espaço a divulgação científica ocupa na sua rotina de trabalho e como a comunidade de físicos recebe seu trabalho lá e cá?
    Nos EUA, meu trabalho de divulgação, assim como o de meus colegas, é visto como fundamental para o engajamento da sociedade na cultura científica. As organizações que dão bolsas de pesquisa nos EUA, como a National Science Foundation (o CNPq americano), obrigam a todos os bolsistas a dedicar parte de seu tempo divulgando ciência. Dedico em torno de 40% de meu tempo à divulgação, mas que varia dependendo do projeto que esteja envolvido ou de quantas aulas tenho que dar. No Brasil, de modo geral, acho que meus colegas vêem esse trabalho com interesse, entendendo sua importância. Claro, existem sempre aqueles que ainda vêem a divulgação científica como uma tarefa impossível e inviável, mas essa atitude dinossáurica está desaparecendo. Cada vez mais, existe conscientização de que a ciência não pertence exclusivamente aos cientistas, mas sim à população, sendo parte da cultura de nosso tempo.

    Você se envolveu no trabalho de divulgação pela TV, inicialmente no programa Globo Ciência e, mais recentemente, no Fantástico. Como é divulgar ciência pela TV, considerando os limites próprios do veículo ?
    Se o objetivo é levar ciência para o maior número possível de pessoas, não há dúvida a TV é fundamental. Toma um tempo enorme e é extremamente difícil adequar a linguagem científica a um público enorme como o do Fantástico. Mas a repercussão é imensa e inspira milhares de jovens a pensar numa carreira científica. Não há nada mais gratificante do que receber e-mails de jovens interessados em ciência. A nova série –"Mundos Invisíveis", que estreou em dezembro – trata do estudo da matéria, traçando em dez capítulos a história do conhecimento sobre o assunto, desde os gregos e os alquimistas até os átomos e partículas do século XX.

    A divulgação de ciência ainda é pouco crítica, é mostrada como inquestionável, neutra e mais valiosa do que outros pontos de vista. As controvérsias são pouco tratadas. Como lidar com as controvérsias, os erros e as fragilidades científicas?
    Tento, sempre que possível, mostrar que não existe uma verdade científica, que ciência é uma narrativa construída gradativamente, na medida que nossos instrumentos e idéias vão avançando. O universo em que vivemos hoje, ou a nossa percepção dele, é completamente diferente da de uma pessoa do século XVIII ou de outra do século XVI.

    Quais as dificuldades em divulgar temas científicos para a população?
    Um dos maiores desafios da divulgação científica é escolher corretamente a linguagem com que você vai se dirigir à sua audiência. É fácil cair no jargão, usar imagens impossíveis de serem compreendidas pelo público. Outra coisa essencial é relacionar ciência à vida das pessoas. Mostrar como o cotidiano depende das descobertas científicas, como o futuro será forjado por elas, desde aplicações tecnológicas até questões mais fundamentais, como a origem do universo e da vida ou o de como o cérebro cria a consciência.

    Há uma expectativa de que a ciência solucione os problemas da pobreza, mas ela é também uma forma de exclusão no Brasil. A divulgação científica pode ser eficaz para diminuir o gap de conhecimento? Será que os divulgadores científicos são bem-sucedidos nessa missão ou apenas escrevem matérias que não interessam a ninguém?
    Basta ver o número crescente de publicações de divulgação científica sendo vendidas no Brasil para perceber que o interesse é cada vez maior: National Geographic, Scientific American, Superinteressante, Galileu, e na TV também; claramente, ciência vende. Se não vendesse, essas revistas não estariam sendo publicadas. Portanto, acho que a divulgação científica é cada vez mais bem-sucedida no Brasil.
    Mas os problemas educacionais de nosso país são imensos; o analfabetismo, a situação precária do ensino público, a pobreza que tira as crianças das escolas. Vivemos uma situação paradoxal, onde o Brasil está entre os dez países mais ricos do mundo e vemos ainda pobreza por toda a parte. A divulgação científica não é a cura desses males, mas pode ajudar. Na medida em que mostramos aos jovens de todas as classes sociais a importância da educação num mundo onde informação é o bem mais valorizado, quando mostramos que a ciência tem a capacidade de mudar a sociedade de forma profunda, quando educamos de modo a construir uma sociedade capaz de decidir seu próprio futuro e não de ser manipulada por políticos ou potências externas, fazemos nossa parte. Mesmo que nem todo cientista deva fazer divulgação científica, já é hora de sairmos de nossas salas e participar de forma mais ativa na educação da população como um todo. Dar uma palestra numa escola pública, explicar para as crianças o que faz um químico, um biólogo ou ou astrônomo, não custa mais do que uma tarde e pode fazer uma enorme diferença. E vale a pena, só para ver aqueles olhares curiosos querendo aprender mais.

    Quais os trabalhos em que está você envolvido atualmente?
    Na pesquisa, estou trabalhando em dois temas: um ligado à questão da origem da vida e de como todos os aminoácidos, que formam proteínas nos seres vivos, têm uma estrutura espacial preferencial, como a imagem no espelho de nossas mãos: no laboratório essas moléculas aparecem como "canhotas" ou "destras", mas nos seres vivos, todas são "canhotas". A questão é desenvolver um mecanismo para explicar isso, aplicando-o à Terra primordial. Outra área de pesquisa envolve estruturas com extensão espacial em física de partículas, os chamados solitons e sua importância na dinâmica do universo primitivo.
    Quanto à divulgação, fora a série nova no Fantástico e o livro que a acompanha, estou começando a escrever um novo livro, sobre a questão neo-platônica da perfeição na natureza e de como essa visão deve ser suplantada para que possamos criar uma nova visão de mundo.

     

    Germana Barata