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    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.60 n.1 São Paulo  2008

     

     

     

    CIÊNCIAS SOCIAIS

    Projeto latino muda enfoque em estudo sobre a pobreza

     

    Em dois ou três dias, milionários argentinos, chilenos ou paraguaios deixam nos cassinos de Punta Del Este (Uruguai), mais do que programas governamentais de assistência social investem nas populações carentes durante um ano. Seus pares brasileiros – e, mais especificamente, os paulistas – se deslocam em carros blindados e helicópteros para refúgios na serra ou no litoral e gastam, num dia, o mesmo valor de um ano de salário de centenas de trabalhadores. Tanta riqueza apropriada desmedidamente por poucos resulta do empobrecimento de muitos, por isso não é possível entender as dimensões da pobreza e da desigualdade sem entender as dimensões e formas de apropriação da riqueza. Com esse foco, o projeto "Sociologia das desigualdades socioeconômicas" quer analisar possibilidades de diminuição da pobreza na América Latina correlacionada à redução das desigualdades. Integram o projeto os pesquisadores Antonio David Cattani, do CNPq, e Alberto Cimadamore, da Universidade de Buenos Aires, que desenvolveram parceria com a Asociación Latinoamericana de Sociologia (ALAS), com o Consejo Latinoamericano de Ciências Sociales e o Comparative Reaserch Programme on Poverty (Clacso–Crop). As pesquisas sobre pobreza trabalham, em geral, no sentido de identificá–la e estabelecer critérios e conceitos para adoção de políticas públicas. A diferença do trabalho desse grupo é que buscam relacionar pobreza e concentração de renda. "A permanência secular da concentração de riqueza, poder e prestígio social em algumas frações de classe torna necessário pensarmos a desigualdade não apenas na dimensão da pobreza, mas também na dimensão da riqueza", afirma Cattani. Segundo ele, estudar os processos de produção e reprodução das classes que estão no topo da pirâmide social é indispensável para compreender as relações de dominação, exploração e sociabilidade.

     

     

    Dados já divulgados pelo projeto mostram que as classes dominantes desses países compõem uma minoria equivalente a, no máximo, 1% da população ativa. "São alguns poucos milhares de indivíduos com capacidade de interferir decisivamente no processo político e no controle da opinião pública por meio da grande mídia, responsáveis por decisões estratégicas capazes de fragilizar ou reforçar as condições de crescimento econômico, afetando a vida do conjunto da população", diz o pesquisador do CNPq. O Brasil, por exemplo, está entre as doze maiores economias do mundo, mas é o terceiro colocado entre os países com pior distribuição de riqueza. "A desigualdade econômica não é medida por uma linha mínima de rendimentos abaixo da qual estão situados os pobres, mas pelas posições relativas ocupadas pelos diversos segmentos da sociedade. Mesmo se os pobres e miseráveis alcançarem o nível mínimo, isso não significa que haverá uma situação equilibrada e socialmente justa", diz.

     

     

    IMPACTO SOCIAL DO PETRÓLEO Em novembro de 2007, a Petrobras anunciou que conseguiu extrair petróleo de uma área de prospecção conhecida como Tupi, perto da Bacia de Santos, no litoral paulista. O campo de Tupi abrigaria reservas de cinco a oito bilhões de barris de petróleo, capaz de mudar a posição do Brasil no mercado mundial de importador e exportador. Tamanha riqueza natural, entretanto, não é garantia de redução da desigualdade social; esse, inclusive, parece ser um modelo recorrente na América Latina já que a Venezuela, outro grande exportador de petróleo, também tem altos índices de concentração de riqueza e desigualdade. A questão que se coloca, portanto, é como a riqueza se distribui. Para Cattani, a América Latina e, particularmente, o Brasil, sempre foram ricos, com grande disponibilidade de recursos naturais, gente laboriosa e com inventividade que, em quase todos os períodos históricos, foi responsável por uma substantiva geração de excedentes."O problema está nas formas históricas de apropriação desse excedente: inicialmente saqueado pelos impérios europeus, depois pelas multinacionais ou, enfim, apropriado por minorias nacionais ávidas e ladinas", afirma.

    Uma questão fundamental para entender a manutenção da desigualdade é que a riqueza garante privilégios e impunidade e assegura transferências permanentes para as minorias e o Brasil é exemplar nesse sentido: seja em períodos de estagnação ou de crescimento econômico, os ricos asseguram seu patrimônio e sua renda. A partir de certo volume, a riqueza fica imune às turbulências do mercado que afetam os demais. O que acontece, na opinião de Cattani, é que as grandes fortunas conseguem ficar acima das leis e dos deveres cívicos e fiscais que concernem os demais.

    Dentro da abordagem do projeto "Sociologia das desigualdades socioeconômicas", a pobreza não é apenas um legado histórico, um "saldo" dos períodos precedentes que precisa ser eliminado. "A pobreza contemporânea é produzida pelo sistema econômico. Políticas públicas e estratégias de desenvolvimento podem tirar pessoas situadas abaixo da linha do que é definido como situação de pobreza ou de miséria. Mas podem, também, jogar outras tantas para baixo dessa linha", acredita Cattani.

    Um dos resultados do trabalho, desenvolvido desde 2005, foi a publicação do livro Produção de pobreza e desigualdade na América Latina (Tomo Editorial/Clacso, 2007) no final do ano passado. A publicação contribui para amenizar o déficit de pesquisas acerca das origens e gestão das grandes fortunas, sobre o modo de existência dos muito ricos e sobre as conexões entre os diferentes grupos sociais. Para Cattani que também é um dos organizadores do livro, uma das dificuldades para estudar os muito ricos é o sigilo que protege as grandes fortunas. Outra barreira é ideológica. "A pobreza é considerada um problema, a riqueza não; mas o pólo pobreza não se constitui de forma autônoma, desvinculado de processos sociais. Compreender corretamente como se dá a construção, produção e reprodução da pobreza e desigualdade nos países latino americanos é um dos caminhos para se reverter esse quadro", conclui.

     

    Patrícia Mariuzzo