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    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.60 n.1 São Paulo  2008

     

     

     

     

    GLOBALIZAÇÃO

    Tema emerge em conferência sobre cinema sem fronteiras

     

    A produção cinematográfica das últimas décadas mostra que esse é um dos territórios mais impactados pela globalização. A evidência está na multiplicação de co–produções internacionais, cineastas com carreiras multinacionais e festivais de cinema ao redor do mundo. De 3 a 5 de dezembro de 2007, a conferência Realism and the Audiovisual Media, realizada pelo Centre for World Cinemas da Universidade de Leeds, Inglaterra, reuniu cerca de 50 participantes, entre pós–graduandos e pesquisadores das mais diversas partes do mundo, num evento que reafirma o caráter transfronteiriço e multicultural do cinema contemporâneo.

    A conferência contou com palestras especiais dos professores Mary Ann Doane (Brown University, EUA) e Thomas Elsaesser (Universidade de Amsterdã, Holanda), e dos cineastas João Moreira Salles (Brasil) e Margarida Gil (Portugal). Salles cativou a platéia com sua palestra após a exibição de seu filme, Santiago, e gerou polêmica ao defender a idéia de que o documentário não muda a realidade, bem como não é capaz de alterar significativamente a vida daqueles que documenta. Mary Ann Doane apresentou uma bela teoria sobre o realismo do espaço no cinema, utilizando como exemplo o filme Exodus (1960), de Otto Preminger. O crítico e professor Ismail Xavier (ECA–USP), que atuou como professor visitante na Universidade de Leeds no ano passado, confrontou duas diferentes concepções de realismo expressas respectivamente nos documentários Edifício Master, de Eduardo Coutinho, e Ônibus 174, de José Padilha, ambos lançados em 2002.

    A questão realista esteve presente na fala de todos os participantes, mas a diversidade cultural foi um aspecto marcante nos trabalhos de brasileiros, japoneses, nigerianos, lituanos e turcos, entre outras nacionalidades, ao lado de americanos, alemães, franceses e britânicos. A apresentação de Onookome Okome (Universidade de Alberta, Canadá) permitiu conhecer uma filmografia quase desconhecida como a nigeriana – pelo menos no Brasil – mas que abastece o grande mercado africano. Hulya Önal (Çanakkale Onsekiz Mart Üniversitesi) tratou das principais tendências atuais no audiovisual de seu país, a Turquia. A ideologia e política por trás de reportagens e filmes japoneses nos anos 1960 e 70 foi o tema tratado pela pesquisadora Ayumi Hata; e Renata Sukaityte, doutoranda na Vytautas Magnus University, da Lituânia, discutiu a hipótese de um novo realismo no documentário recente de seu país.

     

     

    CINEMA MUNDIAL Fundado em 2005, o Centre for World Cinemas (www.leeds.ac.uk/worldcinemas/) é dirigido pela brasileira Lúcia Nagib, que assumiu a cátedra de world cinemas da School of Modern Languages and Cultures da Universidade de Leeds naquele mesmo ano. Segundo Lúcia, "normalmente o world cinema é definido de uma maneira negativa – o que ele não é. Quando assumi em Leeds, meu trabalho inicial foi desmontar, em primeiro lugar, esse binarismo oposicional – o cinema americano ou Hollywood contra o resto do mundo – e, em segundo lugar, tentar desenvolver um conceito positivo de world cinema". Essa tentativa deu origem ao ensaio "Towards a positive definition of world cinema", publicado em Remapping world cinemas: identuty, culture and politics in film (Columbia University, 2006), de Stephanie Dennison e Song Hwee Lim (orgs.), no qual Lúcia faz um levantamento das várias maneiras que existem – ou já existiram – de se encarar a questão do world cinema. Lúcia não se satisfaz com a definição de cinema mundial como resposta ou oposição a Hollywood. "A situação do mundo mudou muito, com a multiplicação dos festivais de cinema e de uma rede que não é mais alternativa, mas bastante comercial, sustentada por um grande público. Qual é o perfil desse cinema? Poderíamos delimitar várias tendências dominantes, mas existe uma gama quase infinita de modos de produção e de tipos, desde os mais populares até os mais complexos, artísticos, de difícil penetração. O que interessa é essa complexidade, não a redução de todos esses cinemas colocados dentro de uma sacola com o rótulo world cinema".

    CENTRO VERSUS PERIFERIA Essa discussão desafia modelos tradicionais como a velha oposição centro x periferia, sobre a qual Lúcia observa: "por que temos de nos preocupar tanto com Hollywood? Nos outros países, se está fazendo uma divisão do mundo de acordo com a perspectiva do local. O ponto de vista é mutável. Centro e periferia é um confronto que deriva de Marx, com relação ao capital. Essa divisão certamente ainda faz muito sentido nos dias de hoje, embora ela tenha se tornado imensamente mais complexa do que era antes, porque a globalização mistura muitas cartas do baralho. O que é o cinema americano hoje? Veja o caso de Guillermo del Toro, um maquiador mexicano que se formou nos estúdios de Hollywood, faz filmes ora em Hollywood, ora no México, com atores espanhóis, técnicos de outros países, etc. Como se determinam os aspectos industriais, de gênero e de autoria nos filmes dele? A nacionalidade do filme passa a ser um aspecto legal simplesmente, da alçada dos produtores, dos que fornecem os financiamentos".

    Sob a direção de Lúcia, o Centre for World Cinemas, o único no mundo dedicado especialmente a essa linha de estudos de cinema, já realizou eventos com acadêmicos e realizadores de alto nível internacional, como a conferência "New Latin American Cinemas", em 2005, e duas séries de workshops chamadas "Theorizong the World Cinema", com participantes da Índia, Brasil, Argentina, EUA e Inglaterra, entre outros países. O cineasta japonês Kazuo Hara ministrou workshop no "Theorizing the World Cinema II", que ainda está em curso e se encerrará em maio. "Esses seminários trazem gente do mundo inteiro e as duas últimas séries desses encontros têm sido interessantes porque a Universidade de Leeds é parte da WUN (Worldwide University Network). As universidades– membro da rede podem se conectar aos seminários e acompanhá–los por videoconferência, e nós fazemos o mesmo. Com isso há uma grande interação com universidades do mundo todo, como Wisconsin– Madison (EUA), Utrecht (Holanda), Manchester, Sheffield, Southampton (RU). O primeiro livro reunindo essa série de seminários está em produção. A professora acrescenta que, em outubro deste ano, o Centro da Universidade de Leeds abrirá seu curso de graduação em World Cinemas, o qual vem se somar ao mestrado (MA in World Cinemas), já existente.

     

    Alfredo Luiz Suppia