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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.60 no.1 São Paulo  2008

     

     

    BIOLOGIA SINTÉTICA

    Patentear o máximo do mínimo da vida

     

    No final de junho de 2007, aconteceu em Zurique (Suíça) o Synthetic Biology 3.0, um congresso científico internacional que discutiu os últimos avanços em biologia sintética. Trata-se de uma área recente de pesquisas ligadas à engenharia genética, que busca construir formas sintéticas de vida, partes biológicas novas ou redefinir sistemas biológicos existentes para a execução de tarefas específicas. O evento ocorreu alguns meses após o cientista e empresário Craig Venter, fundador e CEO do Craig Venter Institute nos EUA, entrar com um pedido de patente sobre o mínimo de genes necessários para a criação de um ser vivo sintético. Minimal bacterial genome é o nome da patente pedida por Venter sobre o conjunto dos 381 genes da bactéria Mycoplasma, considerado por sua equipe o tamanho mínimo de um genoma para se construir um organismo sintético. Apesar do pedido de patente não deixar claro se um organismo sintético como esse já existe, ele já recebeu o apelido de Synthia.

    Diante desse panorama, o ETC Group, uma organização da sociedade civil com sede no Canadá, alerta para a falta de discussão acerca dessas novas tecnologias.

    Synthia está sendo patenteada pelo que não é, pois a patente também reivindica todo organismo sintético construído, faltando, pelo menos, 55 dos 101 genes que o grupo de Venter determinou como "não essenciais". Ou seja, para não se enquadrar nessa patente, o organismo construído tem de ter, no mínimo, 47 genes considerados desnecessários. Essa questão faz Kathy Jo Wetter, membro do ETC Group perguntar se, no caso de alguém criar um organismo sintético em que faltem alguns dos genes que faltam em Synthia, este também poderá ser processado por Venter.

    Quase ironicamente, Venter negou as especulações de que já houvesse produzido uma bactéria sintética, dizendo que esse feito ainda levaria "semanas ou meses". Tal pronunciamento se deu em uma entrevista coletiva após a publicação de um artigo na Science onde Venter e sua equipe anunciou o transplante do genoma da bactéria Mycoplasma mycoides para a Mycoplasma capricolum, resultando em células idênticas à doadora, passo importante para criar um organismo a partir do zero.

    O ETC Group defende o envolvimento de toda a sociedade na discussão e condena a tentativa dos cientistas e industriais de elaborar um código de conduta para auto-regular o seu trabalho .

    MUDANÇA NA TEORIA DO GENE Outro acontecimento recente e importante no mundo da biotecnologia, relatado no The New York Times, de 1 de julho, por Denise Caruso, é a divulgação das descobertas de um consórcio de cientistas, num esforço de 35 grupos de 80 organizações em torno do mundo, nas quais contestam o entendimento de que o genoma humano seja uma coleção de genes independentes. Dessa forma cairia por terra algo institucionalizado em 1976, ano de fundação da primeira companhia de biotecnologia.

    Além disso, o próprio Venter publicou, em setembro último, um artigo revelando ter seqüenciado seu próprio DNA, estudo que revelou que a variação nos genes de um indivíduo é maior do que se previa. Em pelo menos 44% dos genes do cientista as cópias herdadas de seu pai e de sua mãe diferem entre si.

    O que pode significar, no momento em que se patenteia Synthia, a publicação de tal trabalho?

    Diante dessas novas descobertas na área da biotecnologia, lembro-me que, quando criança, brincava de colocar água de uma lagoa em frascos, esperar crescer larvas e dizer aos adultos que eram "alguns bichos que eu estava criando". Com as novidades na "arte do patenteamento", penso nas indicações do cientista Buckminster Fuller – que utilizou o sistema de patentes de uma maneira muito peculiar, visando proteger suas invenções para que se tornassem públicas – de que é preciso ter os melhores advogados, e que a patente se sustenta pela forma como é escrita. Pena não ter um bom advogado na época que "fabricava" minhas larvas.

     

    Rafael Alves da Silva