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    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.60 n.1 São Paulo  2008

     

     

    ANOTAÇÕES DE VIAGEM

    SOBRE MUSEUS E INSTITUTOS CULTURAIS BRASILEIROS

     

    Em viagem de estudos feita ao Brasil no final de 2006, dispus-me a analisar o atual estado de alguns museus locais, evidenciando características típicas e originais, em comparação ao contexto italiano. A formação dos museus no Brasil, salvo algumas exceções, data do período pós-Primeira Guerra, e o dado mais relevante é a variedade de instituições museológicas sobre o território nacional, variedade diretamente proporcional à vastidão do patrimônio artístico, histórico e folclórico do país. Entretanto, uma das conclusões de minha pesquisa é que tal patrimônio é, freqüentemente, bem pouco conhecido pela população local. Circunscrevendo o assunto às cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, os museus mais importantes no Rio são - Museu da Cachaça, Museu Salles Cunha, Museu Naval e Oceanografico do Rio de Janeiro, Museu Internacional de Arte Naif, Museu Histórico Nacional, Museu do Primeiro Reinado, Museu da República – no que se refere à conservação e difusão do patrimônio literário, histórico, artístico e antropológico do povo brasileiro. Porém, meus estudos estiveram centrados nas seguintes instituições cariocas: Museu de Arte Moderna(MAM); Museu de Arte Contemporânea (MAC), de Niterói, e Museu Nacional de Belas Artes. Em São Paulo, menciono o Museu do Imigrante, com o objetivo de conservar, preservar e difundir documentos, objetos, histórias e memórias dos imigrantes, independentes de sua nacionalidade e sua etnia; o Museu Botânico, o Museu de Arqueologia e Etnologia, o Museu de Arte Brasileira, o Museu de Arte Sacra, o Museu Paulista, este que privilegia a história material da socidade paulista nos séculos XIX e XX, e os importantíssimos Museu de Arte Moderna (MAM), a Pinacoteca do Estado e o Museu de Arte de São Paulo (Masp).

    Os dados recolhidos na pesquisa, além dos bibliográficos, são fruto de visitas a esses museus e entrevistas com os diretores e profissionais ligados diretamente aos setores que me interessavam, que é o do sistema educativo dos museus. Por razões de espaço, não poderei destacar o exemplo da Pinacoteca de São Paulo, excepcional do ponto de vista das estratégias de marketing utilizadas para se compreender o potencial do museu e nas propostas artísticas efetivadas. Uma particular atenção merece, ainda, o Masp, por sua formação fruto de um espírito pioneiro e original nos museus brasileiros, por sua importante coleção de nível internacional mas, hoje, pela distância em que se encontra dos objetivos e dinamismo iniciais, com dificuldades de toda ordem.

    A efervescente atividade educativa de museus como a Pinacoteca de São Paulo e o MAC, de Niterói, é uma demonstração efetiva que, no Brasil, a valorização e a fruição das instituições museológicas é determinada como decorrência do incentivo dado pelo sistema de educação e da sua capacidade de satisfazer as exigências dos visitantes, uma vez que possuem coleções importantes, de ressonância internacional.

    INSTITUTOS CULTURAIS A revalorização dos museus tradicionais é, todavia, confrontada com a forte tendência de privatização, provocada pela proliferação de uma série de institutos culturais, em sua maioria gestados por bancos, radicados em todo o território nacional e um verdadeiro pólo de atrações culturais. Por ser um mecanismo bastante complexo, incentivado a partir da criação de leis e decretos, resulta que qualquer instituição financeira, especialmente as mais influentes, pode dar vida a uma própria fundação ou instituto cultural, caracterizado por uma programação dinâmica e rica de ofertas novas para o cidadão brasileiro. Não podendo me referir a todos visitados, destaco o Itaú Cultural, na avenida Paulista, coração de São Paulo, e o Instituto Cultural Banco do Brasil, presente nas duas capitais – Rio e São Paulo.

    Os institutos oferecem uma gama de atividades, com freqüência, não correlacionadas: exposições de artes, oficinas – um laboratório de artes plásticas onde o espectador se improvisa como artista criador –, manifestações musicais, teatrais, de dança, fotografia, cinema, ofertas de acordo com a formação e a exigência de seu público.

    A questão importante é: qual é o motivo do consenso acordado pelo público dos institutos culturais, ao invés do que existe com os museus tradicionais? O museu tradicional se mantém, também no Brasil, como um ponto de referência imprescindível pois nasce de um projeto artístico pré-definido e, ainda, com a criação de um acervo e de uma coleção permanente, realiza manifestações artísticas concebidas a partir de um denominador comum. O instituto cultural não possui, a não ser em poucos casos, uma coleção própria, e a organização de exposições fica a cargo, a cada evento, de equipes diferentes, o que restringe a coerência e a homogeneidade do projeto.

    Alguns exemplos: o museu realiza uma programação na qual estão incluídos, ligados a um fio condutor científico, a coleção, os eventos e atividades de aprofundamento (um bom exemplo desse perfil é a Pinacoteca de São Paulo). Os institutos culturais, por seu lado, oferecem percursos tecnológicos, que são excepcionais de um lado, mas com a tendência freqüente da espetacularização dos eventos. Essas instituições são, de certa forma, obrigadas a seguir nessa abordagem para não sofrerem uma redução dos visitantes, sempre atentos às novidades e, sobretudo, à diversidade de atividades dos institutos culturais. Dessa forma, o critério de escolha das obras não segue, necessariamente, o de sua importância em si mas, sim, o grau de atratividade de público.

     

     

    Para aqueles habituados a uma concepção científica de museu, no sentido de responder a uma exigência de conhecimento e aprofundamento, o desenvolvimento de institutos culturais não pode ser considerado um grande ganho, uma vez que ao apresentar uma variedade tão grande de atividades (arte, dança, espetáculos, música, cinema etc) diminui, automaticamente, os princípios de cientificidade, aprofundamento, conseqüência da atividade e o seu fio condutor. Permito-me enxergar tais institutos como centros comerciais de cultura, onde se entra sem uma idéia precisa do que se quer, passa-se um dia inteiro de atividades ao término das quais se fica satisfeito pela energia e recursos dispendidos, uma despesa não programada mas sim induzida pelas ofertas apresentadas.

    Vamos nos deter, por um momento, em um fenômeno "antropológico" tipicamente brasileiro: os shoppings. As dificuldades urbanas no Brasil, a precariedade da vida – por causa do clima, da violência, das organizações civis – minam a tranquilidade do cidadão. Mesmo que se deseje gozar de maior isolamento em atividades culturais, é impossível usufruir da vida na rua e da cultura aberta – pensando em modelos como, por exemplo, dos museus ao ar livre da Itália. Com isso, as pessoas buscam cada vez mais a proteção de espaços fechados e, freqüentemente, em ambientes de centros comerciais. Esse tipo de estrutura, em prédios de alguns andares, oferece uma gama de atividades que permite a permanência do cidadão por uma jornada de dia inteiro: escolas, centros recreativos, estéticos, de serviços e entretenimento, voltados a várias camadas sociais da população, sempre contando com vigilância especializada em segurança. Porém, resta uma lacuna não preenchida por essas estruturas: a da cultura.

    Visitando esses centros comerciais, pude compreender a real essência dos institutos culturais e a grande solução que significam para o público brasileiro. O instituto cultural com esse perfil – incompreensível no contexto socio cultural italiano – é uma espécie de shopping da cultura, em que não é garantida uniformidade nem coerência temática; e, tampouco, nasce como um lugar para se entrar com um objetivo pré-determinado. Neles, assim como nos centros comerciais, não se tem necessariamente um critério de escolha da atividade pois o objetivo prioritário é oferecer um leque de atividades o mais amplo possível, em ambiente de tranquilidade durante toda a jornada em seu interior.

    Sem criticar o tipo de oferta que se tem nesses institutos, é importante perceber que essa parece ser a melhor resposta às exigências da população, que não tem uma história longa de museus e que, em sua maioria, não tem consciência do próprio percurso histórico e artístico. Nascidos com excepcional estratégia de marketing, esses institutos acabam por cumprir um papel de sustentar e provocar um aumento tangível de participação de público em eventos de natureza cultural e artística.

     

    Anna Cipparone
    tradução Wanda Jorge

     

    Anna Cipparrone ganhou uma bolsa de estudos da Academina de San Luca (Itália) para seus estudos em Paris e Campinas; é formada em história e conservação de bens culturais e pesquisadora na área de valorização e difusão do patrimônio histórico-artístico da Calabria junto aos jovens.