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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.60 n.1 São Paulo  2008

     

     

    MANABU MABE

    COMEMORAÇÕES DO CENTENÁRIO DA IMIGRAÇÃO JAPONESA

     

    Quem passou pelo túnel da avenida Paulista há um ano já viu ali – nas ilustrações em grafitti pintadas nas paredes – o anúncio do centenário da imigração japonesa ao Brasil, que será comemorada durante todo o ano de 2008. Mas não é só nas ruas que a pintura será destaque das comemorações: a cidade de São Paulo deverá ganhar um novo espaço para a arte – o Museu de Arte Moderna Nipo-brasileira Manabu Mabe. O nome faz referência e homenagem ao pintor japonês, naturalizado brasileiro, que conquistou o mundo com suas telas.

    A vida de Manabu Mabe é representativa da trajetória seguida por milhares de imigrantes japoneses que começaram a chegar ao Brasil nas primeiras décadas do século passado. Esse movimento migratório resultou num marco: moram hoje no país cerca de um milhão e meio de japoneses e nikkeys, descendentes nascidos no exterior, o que constitui a maior comunidade nipônica fora do Japão.

    VIDA DE IMIGRANTE Em 1934, aos dez anos, Mabe, como muitos outros imigrantes, chegou com os pais a bordo de um navio e foi morar no interior paulista (Birigui e Lins), onde desde cedo começou a trabalhar na lavoura cafeeira. "O que nos esperava era um serviço novo e desconhecido. Mas havia uma missão a cumprir. Nós, imigrantes, buscávamos no Brasil um mundo novo para encontrar um caminho a vencer", escreveu Mabe sobre a imigração. No seu caso, o caminho a vencer foi o da própria pintura. Segundo depoimento de seu filho Ken, que é um dos administradores do Instituto Manabu Mabe, criado pela família em 1998, um ano após a morte do artista, a época de chuvas era produtiva para Manabu. "Quando chovia, o pessoal não podia trabalhar, mas para ele era uma oportunidade de pintar", disse Ken, explicando o nome dado à autobiografia do pai : Chove no cafezal.

    De acordo com Célia Sakurai, antropóloga e coordenadora acadêmica do Museu da Imigração Japonesa, os primeiros migrantes que vieram para trabalhar na agricultura sonhavam em voltar para o Japão. Esse era um dos motivos pelos quais procuravam manter sua língua e tradições. Essa também foi a experiência do pintor. Ken lembra que seu pai no período que morou na cidade de Lins, viveu num reduto japonês, e por isso teve forte contato com a cultura nipônica, tanto que, "em termos de língua e escrita, dominava mais o japonês do que o português". As coisas começaram a mudar com a derrota japonesa ao fim da Segunda Guerra, explica a antropóloga Célia. Os imigrantes perceberam que havia melhores oportunidades de ascensão social dentro do país, e passaram a optar por se tornarem brasileiros. Aos poucos, foram abandonando a tradição japonesa arraigada e cedendo à cultura ocidental. Preocupados com a educação dos filhos, viram em São Paulo, que já era uma referência, um atrativo extra: escolas melhores que as do interior. A partir de então, intensificaram-se as mudanças de imigrantes japoneses para a capital paulista, o que ocorreu também com a família Mabe.

     

     

    CHEGADA À CAPITAL Como o trabalho na lavoura permitia a Manabu pintar apenas nas folgas e épocas de chuva, aos 33 anos decide sair do interior e trilhar o "caminho para vencer" na pintura. Em 1957 vende seu cafezal em Lins e se muda para São Paulo, no bairro do Jabaquara que, assim como o da Liberdade, concentrava a maior parte dos imigrantes e descendentes japoneses. Anos antes, Manabu Mabe já havia feito suas primeiras exposições: no Salão Paulista de Arte Moderna e nas bienais de São Paulo. Também já havia exposto em Tóquio, na International Art Exhibition. No entanto, "a vida de pintor profissional, pela qual tanto ansiara, era mais penosa do que havia imaginado", comentou o próprio artista, que trabalhou na capital paulista pintando gravatas e placas.

    Dois anos mais tarde, em 1959, veio a grande guinada: o presidente Juscelino Kubitschek o parabenizou pela contribuição "em benefício do mundo das artes brasileiras"; e recebeu o prêmio de melhor pintor nacional da quinta Bienal de São Paulo, o que o deixou "plenamente recompensado, como filho de imigrante". Para receber o prêmio, Mabe naturalizou-se brasileiro. Apenas dez dias depois, recebeu a notícia de que também havia recebido o prêmio da primeira Bienal de Jovens de Paris. As duas premiações em bienais renderam reportagem na revista Time. A partir daí, sua obra ganhou o mundo, com exposições e prêmios em vários países.

    PINTURA NIPO-BRASILEIRA A obra de Manabu Mabe retrata sua trajetória como imigrante japonês no Brasil. "Nas telas registro a minha vida e são expressões na minha indivualidade", declarou em 1985. "Viver é lutar. É preciso que a luta seja honesta. E o maior inimigo desta luta sou eu mesmo. Meu ego quando estou de frente à tela. Eu posso registrar esta vida apenas através da pintura", acrescentou em 1969.

    A evolução da produção do pintor através do tempo dá uma idéia do sentido e vivacidade que sua vida ganhou conforme pôde se dedicar mais à sua arte. Suas primeiras obras, durante os anos de 1940, ele próprio considerou como uma fase de estudo. Pintava predominantemente paisagens, natureza morta e o corpo humano. Os objetos ilustrados eram contornados com traços fortes. As cores eram mais claras e suaves. Na década seguinte passou por fases intermediárias entre o figurativismo e o abstracionismo, estilo que consolidou ao longo da carreira. Na arte abstrata de Manabu Mabe, formas sobretudo gestuais, súbitas ou suaves, têm expressão vigorosa e excitante. A partir da década de 1960, quando já morava em São Paulo e dedicava-se exclusivamente à pintura, fica perceptível o ganho de cor em suas telas – fortes e vibrantes – principalmente os tons de vermelho, amarelo, e o preto.

    Para o prêmio Nobel de Literatura, Yasunari Kawabata, a arte de Mabe "é a beleza resultante da união da tradição, do mistério e dos simbolismos orientais com as cores vivas da natureza brasileira". Ken Mabe concorda que a obra do pai seja uma mescla: herdou da cultura japonesa uma sensibilidade nata, e da natureza brasileira a inspiração para a vivacidade expressa no colorido de seus quadros.

    MUSEU MANABU MABE Faz parte das festividades pelo centenário da imigração japonesa a inauguração do museu. A idéia existe desde 1998, quando a família do pintor criou o Instituto Manabu Mabe, para manter, restaurar e catalogar sua obra. O instituto cederá obras representativas de artistas nipo-brasileiros, pertencentes ao seu acervo. Para Ken Mabe, será um espaço para artistas contemporâneos a seu pai.

    O museu ficará no prédio do antigo Colégio Campos Sales, na rua São Joaquim, nº 288, no bairro da Liberdade, a cerca de 100 metros da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa Bunkyo, onde já existe o Museu Histórico da Imigração. Tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), estava abandonado desde 1992, após ter sido destruído por um incêndio. A restauração do prédio, cedido pelo governo paulista, foi parcialmente financiada pelo Ministério da Cultura. Com vários ambientes e instalações museológicas de última geração, a intenção do Instituto e da família Mabe é que o museu transcenda o bairro da Liberdade e se torne um centro cultural de âmbito internacional.

     

    Carolina Raquel Justo