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    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.60 n.1 São Paulo  2008

     

     

    BRASIL COLÔNIA

    CADERNOS DE RECEITAS DAS SINHÁS: ENCONTRO COM A GASTRONOMIA

     

    Um ambiente de cheiros e sabores das grandes cozinhas da casa-grande das fazendas do século XIX. Esse é o universo reconstruído pelo livro Delícias das sinhás. História e receitas culinárias na segunda metade do século XIX e início do século XX, resultado de projeto que reuniu, organizou e analisou um conjunto de cadernos de receitas pertencentes às sinhás, designação dada pelos escravos às senhoras esposas dos fazendeiros do ciclo do açúcar e do café da região de Campinas, no interior paulista. Os cadernos fazem parte do acervo dos Arquivos Históricos do Centro de Memória da Unicamp. O livro traz ainda um ensaio histórico sobre os aspectos da alimentação e da culinária na Campinas oitocentista.

    As receitas culinárias são fontes instigantes para uma história da alimentação. A proposta do livro é apresentar uma análise histórica da tradição alimentar das famílias residentes nos meios urbano e rural da Campinas da segunda metade século XIX e início do século XX, acompanhada de uma série de receitas de doces e bolos. É o primeiro resultado do projeto de pesquisa sobre a história da alimentação em Campinas, realizada pela equipe de pesquisadores do Centro de Memória da Unicamp, desde 2002. Segundo o historiador Fernando Abraão, organizador do livro, por meio desses cadernos é possível levantar questões sobre a produção de alimentos, a evolução dos preços, as políticas de importação e exportação de ingredientes, a utilização de certos produtos e as conseqüentes mudanças no paladar.

    Além disso, o estudo das receitas possibilita analisar as relações de gênero envolvidas na criação ou no consumo de determinados pratos. "É fundamental destacar a simbólica conotação feminina que o açúcar adquiriu, na medida em que foi se popularizando e adentrando nosso cotidiano. Isso foi determinado pelo fato de as mulheres terem sido responsáveis pelo preparo das sobremesas servidas durante os banquetes e jantares. Era de bom-tom que as anfitriãs cuidassem pessoalmente da elaboração do cardápio, da supervisão da feitura e do servir os doces", explica.

    ORIGEM PORTUGUESA Os doces sempre deram o toque final às refeições, mas também eram servidos entre as danças, os folguedos e comemorações festivas e familiares. Aletria, baba-de-moça, bavaroise de laranja, arroz doce, beijos de claras, doce de abóbora, goiabada, merengues: a variedade de doces deu origem a uma peculiar doçaria paulista. Com a análise das receitas foi possível decifrar a transformação da culinária de origem portuguesa por meio da junção das culturas africana e indígena na cozinha das sinhás. São receitas que exigiam lento preparo e muitas mãos. "A fabricação artesanal dos doces exigia um cotidiano de tempos mais lentos, muitas mãos para o remexer constante da colher de pau nos grandes tachos fumegantes, em busca do ponto exato do doce, da compota", conta Abrãao. Outro destaque é a fartura dos ingredientes: banha de porco ou manteiga, açúcar e ovos, especiarias e frutas.

     

     

    Com o intuito de enriquecer a análise historiográfica, 82 receitas foram preparadas pelo jornalista, especializado em gastronomia, Fernando Kassab. Foram usados mais de 100 dúzias de ovos, 70 quilos de açúcar e 10 quilos de manteiga. "As receitas originais rendiam muito, o que sugere famílias imensas, empregados aos montes e visitantes que não tinham hora para ir embora", diz o jornalista, que também foi responsável por um minucioso ensaio fotográfico sobre como eram feitos cada um dos doces das sinhás.

     

    Patrícia Mariuzzo