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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.60 n.1 São Paulo  2008

     

     

    ROBSON RAMOS

     

     

    O RELÓGIO

    Na casa do meu avô, havia um relógio daqueles que só se vê nos filmes. Grande, trabalhado em madeira, de pêndulo dourado; um grave alarme ecoava a cada hora, era possível escutá-lo por toda a casa. Herança de um tio distante, estava na família há gerações.  Meu avô o considerava outro filho, o único que não o abandonara na velhice.

    Nunca gostei do tal relógio, não saberia explicar direito, dava-me medo. Parecia controlar as pessoas. Meus tios não chegavam antes que ele soasse às seis da tarde. O jantar nunca era servido antes da vinda da oitava hora.

    Conversei com meus pais, disseram que era "bobagem de criança", que eu não tinha motivos para ter medo. Escondido com meus primos no sótão, falei baixinho, o relógio poderia nos controlar. Devo confessar que, se alguém viesse me contar algo assim, eu também não acreditaria facilmente. Mas era verdade! Apenas um dos meus primos me levou a sério, o mais novo e o menos lúcido.

    O plano era simples: ele jogaria o álcool e eu riscaria o fósforo. Se alguém perguntasse, diríamos estar tentando matar uma aranha. O que sobrasse do relógio provavelmente seria jogado no lixo, o problema seria resolvido. Tudo estava preparado. Quando eu ia jogar o fósforo, minha tia segurou minha mão, perguntando o que eu estava fazendo. Segui o plano. Ela me olhou com um ar de repreensão e me deu um sermão de como as criaturas de Deus são importantes para o equilíbrio da natureza. Esperei que ela saísse para não haver mais riscos. Tentamos novamente, mas não funcionou como esperado. O fogo não se alastrou, mas os números do mostrador pareciam menos visíveis, um tanto pálidos.

    Algum tempo depois, meu avô adoeceu estranhamente. Os médicos não tinham diagnóstico, e todos da família ficaram surpresos. Ele tinha uma saúde de ferro, iria enterrar a todos nós, com certeza. Passou alguns dias no hospital, mas, aos poucos, perdeu a batalha. Quando fomos ao velório, o relógio estava lá, mas havia algo estranho: os números estavam com a cor de antes. Um novo ódio se acendeu em mim e eu estava disposto a queimar toda a casa, se necessário, para destruir aquele maldito relógio! Esperei que o cortejo com o corpo do meu avô saísse.

    No outro dia, chegou a notícia de que uma vela caíra no chão, iniciando um incêndio que destruiu toda a casa. O relógio, contudo, se salvara, ficava distante das cortinas e do tapete, e os bombeiros conseguiram retirá-lo dos escombros.

    Na semana seguinte, meu pai foi levado ao hospital às pressas com os mesmos sintomas do meu avô.

    No corredor do hospital, a mãe abraçava o filho que, em estado de choque, chorava desesperadamente, gritando: Parem o relógio! Parem o relógio!

     

     

    Robson Ramos é contista e estudioso da literatura. Possui contos publicados em algumas antologias e períodicos. O conto faz parte de um livro ainda não publicado – O Labirinto.