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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.60 n.2 São Paulo  2008

     

     

     

     

    ENERGIA

    O biodiesel que vem da água aguarda produção em escala industrial

     

    Esqueça a soja, a mamona, o amendoim e o dendê. Está em desenvolvimento a produção de uma promissora matéria-prima para o biodiesel que vem da água. As microalgas estão na mira de instituições de pesquisa e de empresas do setor de energia e já geram uma grande expectativa no mercado de biocombustíveis. Em laboratório, elas superaram, e muito, a produtividade dos grãos de oleaginosas, produzindo, em alguns experimentos, dez vezes mais que o dendê, considerada uma das oleaginosas mais rendosas com 4.400 quilos de óleo bruto por hectare. A cultura de microalgas ainda apresenta alta absorção de gás carbônico, o que alivia a atmosfra já sobrecarregada desse gás, rendendo dividendos no mercado de créditos de carbono. Além disso, a produção não depende de solo fértil, pode ser realizada sobre áreas secas e demanda menos água para manutenção do que as irrigações das lavouras. Por não disputar terras nem plantas com a indústria alimentícia, as microalgas ainda arrefecem a polêmica mundial sobre a falta de alimentos, um drama no qual os biocombustíveis figuram como protagonistas.

     

     

    Porém, é preciso saber se tantas vantagens anunciadas encontram viabilidade na produção em larga escala. As primeiras fábricas de combustível de microalgas serão postas à prova a partir deste ano. No dia 1º de abril, a americana PetroSun iniciou a produção de sua primeira planta de biodiesel a partir de microalgas. Em seu site ela anuncia a pretensão de construir, ainda este ano, outras unidades semelhantes no México, Austrália e Brasil. O sol, abundante durante a maior parte do ano, e a experiência na produção de biocombustíveis faz do Brasil um palco por excelência da corrida mundial pelo óleo das microalgas. Além da PetroSun, um grupo alemão começará em breve atividades no país ligadas à produção dessas algas, afirma o físico Klaus Wagener, que prefere não revelar o nome da empresa. Wagener participou como pesquisador do programa Energia de Biomassa da Comunidade Européia e hoje atua como consultor especialista em microalgas.

    Outra vantagem verde-amarela é o conhecimento científico nacional nesse tipo de cultivo, com mais de vinte anos de experiência. No início da década de 1980, um tanque de microalgas figurava entre os carros do estacionamento da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). O equipamento fazia parte de um projeto de pesquisa que teve a participação da esposa de Wagener, a química Angela Wagener. O objetivo era utilizar as microalgas como fontes de proteína alimentar animal e humana. "Já sabíamos do potencial das microalgas na produção de óleo, mas naquela época os biocombustíveis não tinham tanta atenção da sociedade", conta a pesquisadora. Várias pesquisas com objetivos semelhantes foram feitas em Cuba e na Índia, países com problemas de déficit alimentar. Mas foi somente no início deste século que os estudos para a produção de diesel de microalgas se intensificaram.

    Há cinco anos, o Instituto Nacional de Tecnologia (INT), instituição ligada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, começou a pesquisar microalgas, para buscar um suplemento alimentar para animais, mas o potencial energético das micro-plantas acabou falando alto. Através de uma parceria com a Fundação Mokiti Okada, o instituto mantém hoje um tanque de pesquisa e já registrou um pedido de patente relacionado a um novo sistema de cultivo de microalgas. Porém, para atingir a escala industrial, a produção terá de superar vários obstáculos, como a viabilidade econômica do processo, por exemplo. "Até agora, os resultados que obtivemos são em escala de bancada, mas já são bastante promissores, o que nos anima a testar o sistema numa planta-piloto, num projeto que tem exatamente como objetivo a viabilização econômica desse empreendimento", revela a química Cláudia Teixeira, pesquisadora do INT.

    Outro desafio é que as fazendas de microalgas exigem uma infra-estrutura bem diferente de suas similares com plantações convencionais. Elas podem ser cultivadas em tanques rasos, de 20 cm a 30 cm de profundidade, com agitadores para garantir uma absorção homogênea de luz pelas plantas. É necessário um laboratório equipado para análises diárias, além de equipamentos para a coleta e absorção do óleo. Vários fatores influenciam na produtividade, como a iluminação, a espécie usada e até o manejo da produção. Técnicas de estresse, por exemplo, podem aumentar a quantidade de óleo, como explica Cláudia: "quando submetidas à escassez de nutrientes, algumas espécies aumentam seu teor de lipídios (gordura da célula), são como pessoas que estocam comida em tempos de guerra".

    Também não há consenso sobre as espécies de microalgas mais adequadas à produção, pois o universo de pesquisa é extremamente amplo. "Há mais de três mil espécies catalogadas e só a nossa equipe estuda mais de 50 delas", expõe o químico Marcelo Montes D’Oca, da Fundação Universidade Federal do Rio Grande. A equipe de D’Oca atua desde 2006 em parceria com a Universidade Federal de Santa Catarina e com o Centro de Pesquisa da Petrobras (Cenpes) em um trabalho para o desenvolvimento da produção de biodiesel de microalgas. O pesquisador também dá uma idéia do farto material de análise que ainda há pela frente. "O combustível obtido de microalgas é diferente dos extraídos das oleaginosas e as suas propriedades ainda variam de acordo com o tipo (ou tipos) de microalgas envolvidos na produção", explica. Isso significa que as características físico-químicas desse biodiesel vão depender de muitas variáveis que precisam ser definidas e analisadas, entre elas se terá maior ou menor rendimento e se ele vai substituir o diesel convencional e/ou será usado como aditivo.

    FAZENDA À VISTA Uma planta piloto brasileira de diesel de microalgas deve nascer no início do próximo ano no sertão da Paraíba. Na cidade de Santa Terezinha, a fazenda Tamanduá tem se dedicado a duas atividades distintas, o cultivo de microalgas para a produção de proteínas e a fabricação de biodiesel a partir da semente de pinhão manso. A competência adquirida nas duas frentes tem despertado, na fazenda, o interesse em conduzir experimentos para produzir biodiesel de microalgas. "Devemos começar com uns dez tanques de 2,2 por 22 metros cada", prevê o engenheiro florestal Ricardo Almeida Viégas, da Universidade Federal de Campina Grande, colaborador científico da fazenda onde desenvolve vários projetos com estudantes de graduação e pós-graduação. Uma parceria com a Universidade Federal da Paraíba será estabelecida para desenvolver processos de extração do óleo a partir de microalgas.

    Como se não bastassem as possibilidades de ganhos econômicos e ecológicos, a energia extraída das microalgas ainda poderá significar avanços no saneamento público nacional. "As microalgas podem ser excelentes decompositoras de esgoto", afirma Angela Wagener. Segundo a química, pequenos vilarejos ou bairros podem ter sua própria estação de tratamento de esgoto com decomposição por microalgas. "Por que não utilizar o subproduto do tratamento na produção de biodiesel? Essas comunidades ou prefeituras ainda poderiam lucrar com isso", diz a pesquisadora, lembrando que energia e saúde pública podem avançar simultaneamente.

     

    Fábio Reynol