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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.60 n.2 São Paulo  2008

     

     

     

    CARDIOLOGIA

    Melhora no diagnóstico de "hipertensos de consultório" reduz custos de prescrições inadequadas

     

    No dia-a-dia, a pressão arterial é normal. Mas quando o paciente entra no consultório médico e se submete ao exame que mede a pressão sanguínea, torna-se "hipertenso". O médico, que só vê o paciente durante a consulta, conclui que aquele paciente sofre de hipertensão arterial e então prescreve um tratamento correspondente. Um erro de diagnóstico como esse ocorre em cerca de 20% dos pacientes presumidamente hipertensos no mundo todo e, além de causar desperdícios financeiros ao sistema público de saúde e ao paciente, traz conseqüências danosas à saúde destes.

    Essa "hipertensão de consultório" é conhecida como HAB (Hipertensão do Avental Branco) e atinge mais mulheres do que homens. De acordo com o médico José Marcos Thalenberg, chefe do Serviço de Monitorização da Pressão Arterial do Setor de Cardiopatia Hipertensiva da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a distinção entre a hipertensão e a HAB permite a prescrição correta para cada caso e evita problemas futuros.

     

     

    Diferentemente do que muitos pensam, a HAB não é apenas uma falsa hipertensão a ser diagnosticada e deixada de lado. Alguns estudos sugerem que a HAB pode ser um estado pré-hipertensivo e não de todo inocente, com maior chance de virar hipertensão. "Por isso, o paciente com HAB necessita de um acompanhamento mais próximo e de modificações de estilo de vida para prevenir essa possibilidade de progressão". O especialista ressalta que, embora a pessoa com HAB só precise de anti-hipertensivos caso tenha risco cardiovascular alto (por exemplo, em diabéticos), cuidados com alimentação e estilo de vida não podem ser negligenciados nesses casos.

    Mas como distinguir o indivíduo hipertenso daquele que tem a pressão elevada? "No consultório, eles são indistinguíveis do ponto de vista clínico", diz o médico. O procedimento que determina o diagnóstico é a monitorização ambulatorial, em que o paciente leva na cintura, e ligado ao braço, um aparelho que mede a pressão em intervalos pré-determinados durante 24 horas. Porém, esse procedimento nem sempre está disponível em número suficiente. Seria útil, portanto, um instrumento clínico que, durante a consulta, aumentasse a suspeita da HAB.

    TESTE DA RESPIRAÇÃO LENTA A solução encontrada por Thalenberg e sua equipe foi desenvolver e aplicar o Teste da Respiração Lenta, que consiste em respirar lentamente durante um minuto, cada ciclo respiratório (inspiração e expiração) com duração de 10 segundos. Em estudo sobre a HAB, a monitorização e o teste foram realizados com 92 pacientes supostamente hipertensos, sempre na 2ª e 3ª consultas, após suspensão da medicação por, pelo menos, duas semanas. As três consultas são necessárias pois, normalmente, ocorre uma queda da pressão entre a 1ª e a 3ª consulta (efeito de habituação). A pressão arterial era medida imediatamente antes e após o teste. O principal critério de diagnóstico para HAB foi o da queda da pressão arterial para níveis de normalidade (menos de 140/90 mm Hg) em pelo menos uma das consultas.

    A monitorização, que dá o diagnóstico preciso mas nem sempre é viável no dia-a-dia, revelou que 30% dos pacientes da amostra tinham HAB (35% das mulheres e 20% dos homens). Com relação ao teste, que visa aumentar a suspeita de HAB para orientar a prescrição da monitorização, verificou-se que os resultados aumentaram em quatro vezes as chances de detecção. O teste apresentou capacidade de reconhecer 75% dos verdadeiros positivos (pacientes com HAB) – percentual que mede a sensibilidade do teste – e 81% dos verdadeiros negativos (pacientes que não apresentam HAB) – que revela sua especificidade.

    Para avaliar o nível de concordância entre resultados do teste obtidos por diferentes observadores, além do esperado pelo acaso, a equipe utilizou a ferramenta estatística denominada Teste de Kappa, cujo resultado (0,42) mostrou-se, "plenamente aceitável para uma manobra clínica em um cenário de grande variabilidade como o da medida da pressão arterial em consultório". Essa avaliação considerou os casos em que a pressão arterial dos pacientes teve redução para níveis de normalidade em pelo menos uma das consultas. A principal conclusão da equipe da Unifesp foi de que "o estudo sugere que esse teste simples e facilmente aplicável pode auxiliar na otimização dos pedidos de monitorização da pressão arterial para os casos suspeitos".

     

     

    PREJUÍZOS Não há dúvidas de que o diagnóstico errado gera enormes perdas de recursos para o sistema de saúde pública. Pesquisa realizada por Sante Pierdomenico e sua equipe, da Universidade Gabrielle D’Annunzio (Itália), publicado em 1995, mostra que a estratégia de monitorar os 255 pacientes avaliados e tratar somente os verdadeiros hipertensos resultaria em uma economia estimada de US$110 mil em um período de 6 anos. Em outro estudo (2002), de Ben Ewald e Brita Pekarsky, da Universidade de Newcastle (Austrália), 62 pacientes foram avaliados por meio da monitorização e identificaram a HAB em 26% dos pacientes da amostra. Eles concluíram que, no longo prazo (3 anos ou mais), os diagnósticos com monitorização de pressão arterial são progressivamente mais econômicos do que os baseados somente em medidas de consultório.

    Segundo Thalenberg, não existe qualquer cálculo feito para o SUS, no Brasil. Todavia, ele afirma que tanto para os pacientes como para o sistema de saúde, temos um custo não desprezível em medicamentos, consultas médicas e exames mais freqüentes.

    Com relação aos efeitos sobre a saúde dos "hipertensos do avental branco" que se submetem a remédios contra pressão alta, os episódios de hipotensão (pressão baixa) gerados pela medicação indevida podem causar tontura e fraqueza, aumentando a suscetibilidade a quedas e fraturas, especialmente em idosos. O especialista lembra que, "além disso, ser rotulado como portador da ‘assassina silenciosa’ (hipertensão) pode gerar ansiedade em graus variados", o que pode desencadear outros problemas físicos e sociais.

     

    Flávia Gouveia