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    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.60 n.2 São Paulo  2008

     

     

     

    ARTE-CIÊNCIA

    Simpósio na Inglaterra coloca pesquisas de saúde e medicina como campo de possibilidades nas artes

     

    Arte-ciência não precisam ser campos distintos e rigidamente separados, pois possuem histórias em comum, bastando recorrer à figura de Leonardo da Vinci para nos lembrar sobre essa proximidade. Não só da Vinci, mas os artistas renascentistas contribuiram, em muito, com a ciência e a medicina da época. Durante os últimos séculos, porém, um lento processo distanciou os pontos de convergência dessas grandes áreas do conhecimento. Agora, graças a diversos "agitadores culturais", as relações e diálogos entre essas duas áreas têm se tornado cada vez mais comuns.

    Anna Dumitriu, artista plástica inglesa, é uma dessas agitadoras. Junto com o grupo Hybrid, ela promove na Inglaterra, em maio, o simpósio "New sensations – art, science and healthcare" (Novas sensações – arte, ciência e saúde), no qual a discussão sobre o tema é recortado introduzindo-se novas práticas na medicina e em saúde que incluem artistas, cientistas e sociedade.

    ARTE, CIÊNCIA E SOCIEDADE Anna trabalha junto ao Centro de Neurociência e Robótica Computacional (CCNR, na sigla em inglês) em uma função que já foi ocupada pelo artista plástico Stelarc e, assim como seu famoso predecessor, ela se envereda pela discussão sobre tecnologia e bioética, tentando trazer para o centro dos debates visões distintas que podem contruibuir, mesmo que informalmente, para um movimento que parece ser global. "Acho que artistas são inovadores, então, se uma nova tecnologia ou mídia se torna disponível, eles tendem a testá-la, experimentá-la e ver quais são seus limites. Isso também faz com que esses artistas, teoricamente, tragam considerações éticas e morais sobre os avanços da ciência, comuniquem suas idéias e ampliem o debate com a sociedade" afirma. Anna é uma das artistas que contribui com o grupo Hybrid, fundado há nove anos por Mandee Gage, que tenta conciliar pesquisas atuais em tecnologia, medicina e ciências naturais, além de trabalhar colaborativamente com cientistas em busca de inovações que sejam traduzidas em artes visuais, instalações, performances ou outras formas artísticas. Uma das características do grupo é transformar essas exibições e colaborações em discussões com a sociedade, através de fóruns e simpósios, como o atual "New sensations". "Isso cria uma oportunidade para os praticantes da arte e da ciência expandirem seus horizontes e compartilharem idéias, influências e descobertas", afirma a artista plástica.

     

     

     

     

    O HOSPITAL COMO CAMPO DE APROXIMAÇÃO O terceiro pivô da discussão arte-ciência indicado no título do simpósio, que acontece na galeria TactileBosh em Cardiff, é carregado de significados. Falar de saúde é falar do ponto onde ciência e corpo (o indivíduo) se encontram. De acordo com Anna, a fascinação pelo tema "corpo" é tema recorrente na arte desde a idade das pedras, e com os avanços científicos estamos agora mais aptos a entender essa questão sob nova ótica. O ponto de partida, ou o de encontro entre ciência e corpo, será o ambiente médico-hospitalar.

    O trabalho de Heather Barnett aborda diretamente o tema. Onde estaria o ideal de beleza na representação da área médica e por que algumas representações das formas naturais seriam universalmente aceitas e esteticamente mais "belas", enquanto outras são consideradas feias e pouco agradáveis? A questão de Heather é se a arte presente em um hospital é apenas uma distração estética ou se é possível usá-la para que dialogue e se aproprie da medicina para derrubar barreiras que o aparato médico pode causar, transformando o espaço da medicina em um espaço que contemple a criatividade e o pensamento crítico.

    O espaço também é o tema que Anna vai discutir em "The normal flora project". Esta sua série de obras revê o senso comum que diz que as bactérias devem ser eliminadas do nosso entorno, associando isso à limpeza e saúde. Ao contrário, como ela mesma descobriu ao conversar com microbiologistas do Eastbourne District General Hospital, essas bactérias compartilham de nosso ecossistema, além de conviver harmonicamente conosco em nosso próprio organismo; e viver em um espaço totalmente asséptico é que poderia trazer sérias complicações. Mais do que limpeza, a total assepsia estaria mais ligada a um ideal de sublime, talvez o mesmo sublime associado ao branco reluzente dos aventais médicos, por exemplo.

    Outros trabalhos partem de premissas diferentes. A artista Luciana Haill, por exemplo, transforma sinais de seu cérebro, captados por um eletroencefalograma, em sons amplificados e performances, tentando se comunicar com o público por via de sensores que, geralmente, só fazem sentido com explicação médica.

    E as relações do público com a ciência e a medicina se modificam após o contato com a arte? De acordo com Anna, sim. Dentro desse hibridismo proposto pelo grupo, "abre-se um debate e cria-se um espaço onde pessoas de todas as esferas do conhecimento podem expressar suas idéias abertamente". Através do trabalho colaborativo, a barreira entre a obra de arte e o público são normalmente quebradas, acredita. A artista recorre à teórica Suzi Gablick, para ilustrar seu ponto de vista: "existe uma mudança que distingue o local da criatividade do indivíduo autônomo, auto-contido para um novo modelo dialógico e que não é mais produto de uma única pessoa, mas resultado de um processo colaborativo e interdependente".

    Talvez por isso Anna faça questão de suprimir o uso da conjunção "e", apelando para o termo arte-ciência, o que pode ser interpretado como indicativo de aproximação dos dois campos sem uma relação hierárquica.

     

    Enio Rodrigo Barbosa