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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.60 n.2 São Paulo  2008

     

     

    LEGAL, LEGÍTIMO E ÉTICO - AVANÇOS DA CIÊNCIA - BUSCA DO CONHECIMENTO

    Regina P. Markus

     

     

    A balança entre a velocidade com que nos dirigimos para o desconhecido e a adequação de nossa corrida a princípios éticos que validem essa procura volta a estar no foco das discussões políticas do país. No momento, uma das grandes discussões é a validade, legalidade e necessidade do uso de animais de laboratório para o desenvolvimento das ciências biológicas e para a aplicação segura de produtos a serem utilizados por humanos e animais.

    A busca do unitermo animal experimentation retorna 614.000 citações no Google e a inspeção dos 200 primeiros retornos mostra que o tema é controverso em todo o mundo. Impossível negar a importância da experimentação animal para o desenvolvimento da biologia. Lembrando apenas alguns dos primeiros achados:

    "A relevância dos primeiros achados anatômicos, descritos no famoso livro de William Harvey (1578-1657), An anatomical dissertation on the movement of the heart and blood in animals, publicado em 1628, e os primeiros achados fisiológicos realizados por Claude Bernard (1813-1878) são fatos inquestionáveis e patrimônio para o nosso entendimento do vivo. Até hoje ficamos maravilhados com a demonstração da neurotransmissão, a elegância da abordagem. No entanto, juntamente com o início do uso de animais de laboratório surgiram as primeiras preocupações com a ética e bem-estar" (1).

    "Chegando no século XXI, será que estes conhecimentos básicos resultaram em algo? Há poucos dias, recebo e-mail de uma jovem, na faixa dos trinta anos, que enviava informe fundamentalista sobre o uso de animais de laboratório e fotos de sua filha. Parei alguns minutos à frente da tela, não pude deixar de lembrar a mesma jovem, a cerca de 8 ou 10 anos diagnosticada com uma doença neurodegenerativa. Na sua curta existência já tinha tido vários episódios não-diagnosticados e aquele último, que resultou em cegueira temporária, era bastante preocupante. Neste curto espaço de tempo, os avanços científicos permitiram que o quadro se alterasse. A afecção ainda existe, mas o curso da mesma pode ser atenuado pela grande evolução da base de conhecimentos na área de biologia" (1).

    O crescente debate sobre o assunto no Brasil fica evidente ao se restringir a busca dos mesmos unitermos animal experimentation para revistas publicadas na base Scielo (Scientific Electronic Library On- Line), que é uma base de dados que abriga revistas brasileiras selecionadas. Neste caso, foi obtido um retorno de aproximadamente 700 artigos. Temas como ética, métodos alternativos e novos tipos de técnica cirúrgica encontram importante expressão. Portanto, o uso de animais em experimentação tem sido debatido de forma intensa, e não é um tema que admite fundamentalismos ou ignorância. Análise, avaliação e construção contínua de padrões e condutas é a forma de alcançar boas práticas.

    O debate sobre o tema tem que considerar diferentes vertentes. Neste número da Ciência & Cultura foram convidados pesquisadores que trabalham em campos que necessitam da experimentação animal e dedicam parte de seu tempo para o pensar e o legislar do tema. O objetivo do presente número foi propiciar visões complementares sobre a importância e os cuidados necessários para a utilização de animais em experimentação. A importância da experimentação animal para o avanço de conhecimento é inegável, mas a necessidade de ter normas e princípios que norteiem este uso também o é. A comunidade científica brasileira vem, há mais de uma década, se movimentando com o objetivo de legislar as práticas para uso de animais de laboratório. Neste número da Ciência & Cultura foram reunidos pesquisadores que lidam com a experimentação animal na sua prática diária e foi solicitado que abordassem temas específicos que têm sido debatidos em diferentes fóruns, inclusive na SBPC.

    O debate dos modelos animais para o avanço da ciência pode ser encontrado nos artigos de Lygia da Veiga Pereira (USP) e Marcelo M. Morales (UFRJ, SBBf). No primeiro caso é debatida a importância de usar animais com alterações genéticas. Modelos para doenças e modelos para o estudo de vias de sinalização e alvos de fármacos.Abrem-se novas avenidas ainda não conhecidas, mas, para tanto, há a necessidade de cruzar as ruelas desconhecidas. Marcelo Morales, em seu artigo sobre métodos alternativos, traça, de forma clara, que várias metodologias experimentais são necessárias para solucionar um problema e que várias abordagens são importantes para se construir um conhecimento tão complexo quanto o funcionamento dos seres vivos. E é, exatamente, por haver necessidade de uma miríade de informações que as técnicas que não utilizam animais de experimentação foram desenvolvidas.

    Nos vários anos de utilização de animais de laboratório surge um ramo de conhecimento que visa à eficiência na produção e disponibilização de animais, ou modelos animais criados em condições adequadas. A ciência do bioterismo não só aperfeiçoa o cuidar, o criar, mas também permite que haja uma redução no número de indivíduos necessários para cada experimento. A ciência dos animais de laboratório é apresentada em um artigo assinado pelos membros do Colégio Brasileiro de Experimentação Animal (Cobea), Marcel Frajblat, Vera L. Lângaro Amaral, Ekaterina A. B. Rivera. Essa associação vem, de forma marcante, abrindo seu espaço entre as sociedades de biologia experimental e servindo para balizar novos paradigmas no uso dos animais de laboratório.

    Animal como objeto de estudo é o mote da zoologia. Uma revisita aos nichos da ética e da lei com o olhar do zoólogo pode trazer uma nova forma de avaliar esse debate. Em artigo que procura ordenar a forma de se referir aos animais e procura focar os conceitos do estudo da Animalia – Eleonora Trajano e Luís Fábio Silveira avaliam conceitos de conservação e preservação dentro da legislação brasileira.

    O "Entendimento humano da experimentação animal", apresentado por Wothan Tavares de Lima (USP), traça os contrapontos de várias formas de pensar. O uso de alguns termos chaves que possam levar a uma fácil comunicação e o abuso de imagens visuais para impactar a grande comunidade estão subjacentes ao que conseguimos entender. Neste campo também contamos com a colaboração de um ícone no campo da ética em experimentação, William Saad Hossne (Unesp), que coloca a sua experiência a favor desse exercício científico que busca abranger os diferentes aspectos da questão. A comunidade brasileira está empenhada em criar condições para que a boa prática no uso de animais de laboratório possa ser facilmente entendida e alcançado por todos aqueles que tiverem interesse. Não temos dúvida que isto depende da legitimização da atividade. Podemos definir legitimar como: realizar algo necessário de acordo com regras que sigam princípios aceitos. Portanto, este número da Ciência & Cultura também aborda a legalização do uso de animais de laboratório. Há 12 anos foi apresentado, por Sérgio Arouca, pesquisador da Fiocruz, projeto de lei que passou a ser conhecido como Lei Arouca. Este projeto, aperfeiçoado ao longo dos anos, encontra enorme respaldo na comunidade científica, que vem desenvolvendo uma importante luta para sua legalização. Este número também contempla uma visão histórica em relação à legislação, feita por Renato S. B. Cordeiro (Fiocruz).

    Ao apresentar esses artigos, foi decidido que, ao invés de apresentar grupos que lidam com ética em experimentação animal como foco de estudo, a revista Ciência & Cultura apresentaria a relação das comissões de ética em experimentação animal do Brasil. A busca desses dados permitiu verificar o grande interesse que todas as instituições envolvidas em pesquisa e ensino têm na rápida aprovação do Projeto de Lei. Leis servem para balizar, para unir e para permitir que o conhecimento novo não seja impedido de ser alcançado. Esta é uma lei que está pronta para ser aprovada.

     

    Regina P. Markus é coordenadora do Laboratório de Cronofarmacologia do Departamento de Fisiologia do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), presidente da Sociedade de Farmacologia e Terapêutica Experimental (SBFTE) e conselheira da SBPC.

     

     

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

    1. Paixão, R. L. e Schramm, F. R. "Ethics and animal experimentation: what is debated?". Cad. Saúde Pública, Vol.15, Suppl.1, 1999.