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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.60 n.2 São Paulo  2008

     

     

    PESQUISA CIENTÍFICA

    Métodos alternativos ainda são poucos e não substituem totalmente o uso de animais

     

    Embora vários métodos alternativos ao uso de animais já estejam sendo utilizados com sucesso em diversos centros de ensino, eles ainda estão em estudo e têm sido pouco aplicados em pesquisa científica. Em geral, quando se fala de métodos alternativos, pensa-se simplesmente na substituição de animais vivos. Entretanto, além da substituição, a redução e o refinamento (diminuição no grau de dor ou de sofrimento provocado aos animais) também são considerados como alternativas, de acordo com princípio dos 3Rs (replacement, reduction and refinement) desenvolvido por Russel e Burch em 1959.

    Os métodos alternativos apresentam vantagens como o custo menor. Segundo Octávio Presgrave, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz e coordenador da Comissão de Alternativas do Colégio Brasileiro de Experimentação Animal (Cobea), estima-se que o método alternativo, em média, custe cerca de 30% do valor da pesquisa em animais. Outra vantagem é a economia de espaço. "Para se criar e manter animais, é necessária toda uma estrutura de biotério, como estantes, caixas, alimentação, controle de ambiente etc", explica o pesquisador. As desvantagens são poucas, mas especialistas apontam que, em alguns casos, a falta de interação de uma substância teste com um organismo vivo pode atrapalhar os resultados. "Mas, neste caso, o avanço do conhecimento científico vai acabar eliminando esse fator", diz Presgrave.

    Alguns métodos alternativos, embora ainda não validados, estão sendo desenvolvidos. Pesquisadores do Laboratório de Imunologia Aplicada (LIA) da Universidade Federal de Santa Catarina têm adaptado várias técnicas para diminuição e até substituição de roedores, comumente utilizados em laboratórios de diagnóstico de raiva. "Na realidade não criamos nada novo, apenas temos tentado chamar a atenção para a existência de inúmeras metodologias já disponíveis e que poderiam substituir a utilização de animais em pesquisa", explica Carlos Roberto Zanetti, coordenador do laboratório. "Os testes alternativos podem ser mais vantajosos para os pesquisadores, pois podem fornecer resultados com menor variabilidade, em menor tempo e mais baratos", defende.

    Dentre os métodos alternativos propostos está a utilização de linhagens de células para isolamento do vírus da raiva. "Métodos semelhantes estão disponíveis na Europa e EUA há décadas, mas não tiveram muita aceitação por aqui, pois muitas vezes a estrutura de biotério já está em funcionamento e, aparentemente, é mais simples utilizá-los do que montar uma nova estrutura para cultivo de linhagens celulares. O Instituto Pasteur de São Paulo, no entanto, que é um laboratório de referência nacional, tem se mostrado aberto a essas idéias e tem tentado implementar tais técnicas na sua rotina", afirma o coordenador do LIA.

    Atualmente, todos os projetos de pesquisa que Zanetti coordena têm como objetivo principal a padronização de métodos substitutivos, sem uso de animais. "Tenho a esperança que, atuando em um laboratório ligado a um programa de pós-graduação em biotecnologia, e que, portanto, forma mestres e doutores, possamos ser uma referência, um contraponto ao sistema, dando possibilidade aos alunos de refletirem e tomarem suas próprias decisões sobre o assunto", planeja.

    Outro método alternativo ao uso de animais em pesquisa, ainda não realizado no Brasil, é o uso da miografia in vitro em substituição aos testes de letalidade (DL50) com toxina botulínica (botox) realizados em animais vivos. Trata-se de uma técnica onde são usados músculos isolados de animais para testar substâncias que podem, por exemplo, ter efeito paralisante ou que aumentam a força muscular. Nessa técnica, o animal, geralmente camundongo ou ave, é sacrificado com anestésico e tem um músculo retirado e submetido a testes. De acordo com Caroline Borja, pesquisadora colaboradora do Departamento de Farmacologia da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a miografia in vitro não elimina o sacrifício dos animais, mas reduz seu sofrimento, utiliza menor quantidade de animais e tem menor custo. "Já é uma grande vantagem em relação aos testes in vivo, em que os animais sofrem por horas e horas até morrer. Se os testes in vitro substituíssem pelo menos esses testes in vivo da botox seria uma grande evolução, até que outras alternativas sem animais surgissem", diz Borja.

     

     

    Além de métodos in vitro de cultura de células e tecidos, existem outros métodos alternativos ao uso de animais. Segundo Stélio Luna, professor da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Unesp de Botucatu e membro da Comissão de Ética, Bioética e Bem-estar Animal do Conselho Federal de Medicina Veterinária, técnicas de imagem não invasivas, como a tomografia computadorizada, a ressonância magnética e avradiografia, também podem ser usadas em pesquisa. Estudos epidemiológicos e clínicos, autópsias e estudos pós-mortem, além de simulações em computador e do uso de modelos matemáticos também são alternativas citadas por Luna. Apesar de todos esses métodos possíveis, os animais ainda são necessários em pesquisas de algumas áreas. "O que não se justifica é o sofrimento em nenhuma situação, mesmo que seja pelo ‘bem’ da ciência", enfatiza o professor.

    PERSPECTIVAS AO USO DE ANIMAIS EM PESQUISA Ekaterina Rivera, coordenadora do Biotério Central da Universidade Federal de Goiás e vice-presidente do Cobea, acredita que, para que a comunidade científica e a sociedade em geral possam aceitar e confiar em testes alternativos que não utilizem animais, deve-se exigir e saber que esses testes possuem boa qualidade científica, que foram testados preliminarmente com sucesso e validados por órgãos creditados para tal fim. "É importante que os parâmetros avaliados reproduzam com fidelidade os mesmos resultados que os testes que usam animais", afirma Rivera. "Os métodos alternativos exigem muito tempo, muito dinheiro e muita paciência para serem desenvolvidos. Ainda não há metodologias ou conceitos válidos para o desenvolvimento de tais métodos e tampouco podem ser implementados por meio de um decreto lei", diz. E acrescenta, "não vislumbramos em um futuro próximo a abolição total da experimentação com animais. Podemos dizer que a evolução da ciência busca novos conhecimentos e o aperfeiçoamento de nossos trabalhos atuais. A busca por alternativas ao uso de animais em experimentação é sempre vantajosa, pois deixaremos de infringir sofrimento e dor aos animais não-humanos, já que somos responsáveis e temos o dever de protegê-los".

    Para Marcel Frajblat, pesquisador do Laboratório de Biotecnologia da Reprodução/Biotério da Universidade do Vale do Itajaí e presidente do Cobea, o uso de alternativas viáveis promoverá o desenvolvimento da ciência da mesma forma que o uso de animais. "Mas é importante deixar claro que existem poucas alternativas validadas que substituem completamente o uso de animais", lembra. Para ele, será muito difícil conseguir produzir um método alternativo que reproduza precisamente o funcionamento do corpo humano ou animal. "Algumas etapas do processo científico poderão ser substituídas, mas, provavelmente, haverá a necessidade do teste em animais. A abolição do uso dos animais deve vir junto com a abolição da necessidade de seu uso. Não podemos abolir o uso de animais enquanto houver esta necessidade", acredita.

     

    Nereide Cerqueira