SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.60 número3 índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Indicadores

    Links relacionados

    • En proceso de indezaciónCitado por Google
    • No hay articulos similaresSimilares en SciELO

    Compartir


    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.60 n.3 São Paulo sep. 2008

     

     

    FOTOSSÍNTESE E CANA-ENERGIA

    Rogério Cezar de Cerqueira Leite

     

     

    Uma grande comoção ameaça instalar-se no setor alcooleiro em torno do conceito cana-energia. Com a eminência da viabilização comercial de tecnologias de hidrólise que permitam a conversão de materiais lignocelulósicos em etanol, espera-se uma revolução no setor, uma vez que qualquer gramínea poderá sobrepujar em produtividade o álcool produzido por via fermentativa da cana. Não obstante, para derrotar essa ameaça bastaria hidrolisar o bagaço e a palha, integral ou parcialmente.

    Como conseqüência, pretendem, alguns especialistas, que o esforço melhorista para aumentar a produtividade referente ao açúcar e, por conseqüência, ao álcool, tenha comprometido a produtividade da cana quanto à fitomassa. Surgem então, as promessas salvadoras das ditas canas "monstro", "gigante", etc, que acumulariam muito mais fitomassa que aquelas que foram desenvolvidas para a máxima produção de açúcar e que são as atualmente utilizadas no Brasil e no exterior.

    Pois bem, vamos, no que segue, mostrar que possivelmente as variedades mais utilizadas no Brasil e no exterior já estão otimizadas para a produção de biomassa e que, portanto, qualquer esforço melhorista na busca da cana-energia será supérfluo.

    Façamos uma análise baseada em primeiros princípios. A constante solar, S, ou seja, o fluxo de radiação solar incidente em um m2 de um plano perpendicular ao eixo Sol-Terra sobre a superfície do Globo é igual a 1,36 KW/m2, o que é equivalente a S 26.000 ton. de biomassa/ ha x ano em que se usou 1g de biomassa 19 KJ.

    Devido à rotação e translação da Terra e latitude em que está situado o cultivar, haverá uma perda que, para a região de São Paulo, é de ~ 80%, o que constitui um fator de ganho ηg = 0,20.

    Portanto, para um hectare de superfície situado no Trópico de Capricórnio a radiação incidente seria Sb x ηg = 5.200 ton/ha x ano em ausência de perdas devido à atmosfera. Essas perdas, entretanto, são apreciáveis. Não somente há absorção pelos gases seus constituintes, como há espalhamentos Rayleigh, Tyndal, além de reflexão por nuvens, particulados, poeiras, etc. Estimativas correntes de fatores de ganho ha para locais com e sem chuva variam entre 0,48 e 0,58 (dependendo do regime de nuvens) (1).

    Tomemos ηa = 0,53. Com isso, a radiação que atinge a plantação é equivalente a: Sb x ηg x ηa = 2.756 ton/ha x ano

    Há um limiar para a absorção do espectro solar, no presente caso, de 7.000λ. Abaixo de 4.000λ praticamente nenhuma energia do espectro solar chega até a planta. Por outro lado, com a estratégia de distribuição verticalizada das folhas, no caso da cana, e conseqüentes reflexões múltiplas, as perdas por reflexão são minimizadas. Esses dois efeitos dão em conjunto uma perda que resulta em um fator de ganho ηs = 0,425 (2) que resulta em um valor para a radiação absorvida igual a: Sb x ηg x ηa x ηs 1.171 ton/ha x ano

    Esse valor seria válido se o canavial estivesse formado o ano todo, mas há a poda, a colheita, o período juvenil, etc. Há, portanto, um outro fator de perda representado pela não interceptação da radiação disponível. As únicas medidas que existem para cana são para cultivos de 500 dias ou mais, em que o período de plenitude do canavial é proporcionalmente maior do que aquele utilizado no Brasil, para um ano.

    Esses valores de ganho ηi variam entre 0,6 e 0,7 (3;4). Para culturas anuais o valor deveria ser menor. Todavia, assumiremos o valor mais benevolente possível para o fator de ganho ηi = 0,7. Com isso, a radiação absorvida durante um ano fica sendo: Sb x ηg x ηa x ηs x ηi 820 ton/ha x ano

    Além disso, é preciso levar em conta o problema de eficiência quântica, ligado à capacidade dos pigmentos da planta de converter em energia química a energia solar, durante a fotossíntese. Dos modelos em uso o que dá menor perda é aquele que resulta numa eficiência quântica ηq = 0,215 (1). Com isso temos uma conversão máxima possível de: Sb x ηg x ηa x ηs x ηi x ηq 176 ton.

    Todavia, seria de esperar uma significativa perda de energia no processo de transferência dos centros de absorção para o centro de conversão em energia química.

    A mais benevolente estimativa para perdas devido a saturação é de 10%, o que corresponde a ηd = 0,90. Nesse valor vamos incluir também perdas devido a absorção de luz por outros centros, que não participam da fotossíntese.

    Outro fator de perda é o que se denomina respiração (5;6), ou seja, a parcela de biomassa (carboidrato) convertida em enrgia e despendida durante os in'umeros processos metabólicos da planta, incluído o próprio processo de crescimento. Medidas em várias culturas dão perdas entre 50% e 75%. Não há, na literatura, medida para a cana, ou outra C4. Um outro processo de perda é a fotorrespiração que parece ser negligenciável para as C4. Tomemos o mais benevolente valor possível para a nossa cana ideal, ou seja, um fator de ganho ηr = 0,5.

    Com isso nossa produção máxima de biomassa fica sendo igual a:

    Sb x ηg x ηa x ηs x ηi x ηq x ηd x ηr = 79 ton/ha x ano

    Ora, as mais confiáveis informações de colheitas ótimas ficam em torno de 110 toneladas/ha de colmos in natura (50% de água), o que corresponderia a aproximadamente 80 ton. de biomassa aérea seca/ ha x ano (aqui incluímos a palha).

    Os cálculos acima devem ser vistos como simples avaliação aproximada, mas mostram que não há muito espaço para aumento de produtividade. Senão vejamos: ηg e ηa são fixos.

    ηs para ser ampliado exigiria a introdução de pigmentos atuando fora da região entre 4.000 e 7.000λ, pois no interior desta faixa praticamente todos os fótons já são absorvidos. Acima de 7.000λ encontra-se uma parcela significativa de energia solar, mas a densidade de luz solar por unidade de comprimento de onda diminui rapidamente. A coleta nessa região, para ser significativa, envolveria uma série enorme de novos pigmentos. A natureza soube escolher.

    ηq, a eficiência quântica, nos parece "imexível". Apenas recentemente com a descoberta de coerência duradoura entre os estados excitados dos cloroplastos, responsáveis pela absorção da luz e aqueles onde a excitação eletrônica é convertida em energia química, é que se pode entender a já elevada eficiência quântica observada (7;8).

    ηi, este talvez seja o único parâmetro que admita algum incremento, pois observa-se que o crescimento da biomassa é reduzido e mesmo estagnado em sua última fase, quando o açúcar está sendo produzido. Isso sugere que talvez possam ser realizadas duas colheitas por ano, uma vez que o açúcar original já não é essencial. Todavia, o espaço de manobra não seria muito grande, pois ηi já é 0,7 e não é possível deixar de colher e crescer e, portanto, de reduzir a interceptação.

    Restam-nos ηd e ηr, ambos refletindo mecanismos intrínsecos à vida da planta e cuja modificação interferiria em sua estrutura fisiológica básica. Não será com cruzamentos genéticos tradicionais que alguma melhoria poderá ser alcançada. E mesmo com muita engenharia genética o sucesso parece longínquo. E uma ampliação da produtividade que seja compensadora, digamos de uns 50%, parece-nos inalcançável. É também reconhecido que a produtividade depende de outros fatores, tais como temperatura, regime pluviométrico, pressão de CO2, disponibilidade de nitrogênio e outros nutrientes, etc. Parece que os vários fatores η correspondentes estão otimizados para a cana-de-açúcar e, portanto, são muito próximos de 1. Em nossa análise eles são, portanto, excluídos.

    E, enfim, uma palavra sobre relatos de enormes produtividades, chegando a 300 toneladas de colmos in natura/ha x ano. Na maioria das vezes trata-se de cultura dita de "jardinagem" em que a quantidade de insolação lateral pode suplantar aquela que incide na superfície da cultura, ficando as correntes extrapolações prejudicadas.

    Em conclusão, a busca da cana-energia deve ser avaliada com muito cuidado antes que se realize um esforço infrutífero de melhoria por maior produtividade, embora o advento da hidrólise possa proporcionar oportunidade para o desenvolvimento de novas espécies com crescimento mais rápido ou mais facilmente adaptáveis a condições de solo e de clima diversos dos atuais que atuam na "maturação" da cana. Entretanto, do ponto de vista da produção de biomassa podemos concluir que já temos a cana-energia.

     

    Rogério Cezar de Cerqueira Leite é professor emérito da Unicamp, presidente do Conselho de Administração da ABTLuS, Ordem Nacional do Mérito da França, pesquisador emérito do CNPq, membro do Conselho Editorial do Jornal Folha de São Paulo, Membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia.

     

     

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

    Disponíveis na versão online do artigo em: http://cienciaecultura.bvs.br

    1. Monteith, J. L. "Solar radiation and productivity in tropical ecosystems". J. Appl. Ecol., vol. 9, pp. 747-766, 1972.

    2. Monteith, J. L. In: Eastin J. D. Physiological aspects a crop yield. American Society of Agronomy, pp. 89-109, 1970.

    3. Muchow, R.C.; Spillman, M.F.; Woor, A.W.; Thomas, M.R. Aust. "Radiation interception and biomass accumulation in a sugarcane crop grown under irrigated tropical conditions". J. Agric. Res. vol. 45, pp. 37-49, 1994.

    4. Muchow, R.C. et al " Yield accumulation in irrigated sugarcane: II. Utilization of intercepted radiation". Ag. J. vol. 89, pp. 646, 1997.

    5. Robertson, M.J.; Wood, A.W.; Muchow, R.C. "Growth of sugarcane under high input conditions in tropical Australia. I. Radiation use, biomass accumulation and partitioning". Field Crops Research, v.48, p.11-25, 1996.

    6. Shinano, T.; Osaki, M.; Tadano, T. "Comparison of production efficiency among field crops related to nitrogen nutrition and application". Plant Soil, pp. 155-156 / 207-210, 1993.

    7. Lee, H.; Cheng, Y.C.; Fleming, G.R. "Coherence dynamics in photosynthesis: protein protection of excitonic coherence". Science – vol. 316, pp. 1462, 2007.

    8. Parson, W.W. "Long live electronic coherence!" Science, vol. 316, pp. 1438, 2007.