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    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.60 n.3 São Paulo sep. 2008

     

     

     

    ENGENHARIA

    Faltam projetos governamentais de incentivo à formação de profissionais

     

    Nos anos 1980, inspirando-se no filme de João Batista de Andrade, O homem que virou suco, um engenheiro formado pela Universidade de São Paulo que não conseguia emprego em sua área de formação abriu uma lanchonete com o nome "O engenheiro que virou suco". Essa atitude ilustra a crise econômica dessa década e a mudança que ocorria no mercado de trabalho: os indivíduos passavam a ser "empreendedores de si mesmos". Na recente retomada econômica, a esperança de ampliar a participação brasileira em novos projetos se vê ameaçada pela concorrência estrangeira e pela falta de mão-de-obra especializada para tocar, inclusive, o tão alardeado Plano de Aceleração do Crescimento (PAC).

    Marcos Túlio de Melo, então presidente da Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Confea), alertou em 2007 sobre o desinteresse do país em relação às engenharias. "O próximo apagão será o da engenharia e dos profissionais especializados", profetizou durante o V Seminário Tecnologias Estratégicas Brasil e Itália. Segundo ele, o Brasil forma 20 mil engenheiros por ano, enquanto na Coréia do Sul e China esse número salta para 80 mil e 300 mil, respectivamente.

     

     

    Esse déficit estaria refletido no contínuo aumento da demanda por profissionais no exterior. Dados do Confea indicam um crescimento de 132% na importação de profissionais estrangeiros em relação a 2006. No ano passado, foram concedidas 1590 autorizações de trabalho a engenheiros estrangeiros pelo Ministério do Trabalho, a maioria para especializações do setor automotivo, industrial e de energia nuclear.

    Dentre essas autorizações estavam 48 destinadas a chineses que foram contratados para trabalhar na implantação da coqueria da Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA), em Santa Cruz (RJ). A liberação feita pelo ministro do Trabalho, Carlos Lupi gerou protestos do Clube dos Engenheiros e do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Crea) do Rio de Janeiro, que alegaram ser o Brasil dotado de mão-de-obra qualificada para realizar a montagem de coqueria, tecnologia desenvolvida no início do século XX.

    DEMANDA PLANEJADA Esse quadro tomou forma nos anos 1980, quando a crise econômica mundial, resultado da crise do petróleo na década anterior, repercutiu num Brasil em processo de redemocratização. Gildo Magalhães, historiador da ciência da USP, aponta que a construção de uma forte engenharia nacional começou na época do "milagre econômico brasileiro", de meados da década de 1950 até meados da década de 1980. "Essa mão-de-obra entrou para as estatais, que criaram uma infra-estrutura de transporte rodoviário, energia elétrica e telecomunicações, etc, o que possibilitou o crescimento da indústria química, siderúrgica e mecânica", afirma. De acordo com Magalhães, essa visão desenvolvimentista exigia um índice cada vez maior de nacionalização nos produtos brasileiros até que, nos anos 1980, os engenheiros brasileiros passaram a concorrer com multinacionais de engenharia. No período pós-redemocratização, as principais estatais formadoras e absorvedoras da engenharia nacional começaram a ser privatizadas e desnacionalizadas. "Nesse momento, as empresas ligadas ao capital financeiro e especulativo passaram a pagar melhores salários e atrair os melhores engenheiros para atividades completamente desligadas da cadeia produtiva", lamenta o historiador.

    A fraca oferta de emprego resultou em menos candidatos à engenharia, diminuindo a oferta por cursos. Segundo dados do Ministério da Educação, em 2003, a formação em cursos de engenharia e tecnologia correspondeu a 10,8% do total das graduações reconhecidas, enquanto as áreas humanas e sociais representaram 68,7%.

    A dificuldade em preencher requisitos de nacionalização de projetos de engenharia é um dos reflexos desse déficit. Exemplo disso foi o edital, lançado em 2003 pela Petrobras, com a exigência de um percentual mínimo obrigatório de 60% de encomendas nacionais, que não foi atingido. Três anos depois, a empresa teve que encomendar boa parte de suas obras no exterior por falta de capacidade da indústria nacional de construir plataformas no tempo necessário.

    RETOMADA Eriksson Almendra, diretor da Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), no entanto, se mostra otimista em relação à retomada do interesses pelas engenharias, que começou a ser indicada há cinco anos, com a decisão governamental de fortalecer a indústria nacional, dando preferência a encomendas no país. Outras indicações são os investimentos em siderurgia e outros setores, como a inauguração, em 2009, da Companhia Siderúrgica do Atlântico em Taguaí (SP), o projeto da Votorantim para a região de Resende (RJ), a ampliação da Vale de Tubarão em Vitória (ES) e a Companhia Siderúrgica Ceará Still em Fortaleza (CE).

    Almendra enfatiza a necessidade das universidades reagirem ao mercado. "Há informação de que as empresas não estão conseguindo preencher seus quadros. Isso justifica a menor evasão dos alunos, já que há perspectivas concretas de emprego", afirma. O resultado é que as vagas nos cursos de engenharia têm se multiplicado.

    FORÇA NACIONAL Segundo Gildo Magalhães, em cinco anos poderemos ter engenheiros para suprir a demanda, caso não haja um esforço apenas conjuntural. O que falta, acredita, é uma política de projetos e um esforço de planejamento e construção acelerado no país, que envolva setores essenciais. Fruto disso seriam os problemas com transporte de massa e o caos aéreo. Se o país não resolver o problema de déficit nas engenharias, o tão sonhado projeto do trem-bala, entre Rio e São Paulo, pode não chegar aos trilhos.

    Resta saber se o atual cenário mostra apenas um esforço conjuntural ou se está havendo uma mudança estrutural no país em termos de planejamento e políticas de projeto. Magalhães acredita que muitos projetos que estão sendo lançados podem ser classificados como "tapa-buracos", e não geram a retomada da engenharia. Sem uma política de projetos, pondera, os engenheiros ainda não podem ser muito otimistas.

     

    Daniela Lot e Germana Barata