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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.60 n.3 São Paulo set. 2008

     

     

     

    DIVERSIDADE CULTURAL

    Patrimônio lingüístico ganha apoio inédito na história do país

     

    No final de 2007, a Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados, em parceria com o Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Linguística (Ipol) e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), realizaram audiência pública na qual se propôs a criação de um Inventário Nacional da Diversidade Lingüística. Em 2008, projetos-pilotos que contribuirão para esse inventário já começam a ser contemplados por investimentos de um amplo fundo do Ministério da Justiça que abrange desde questões ligadas ao direito do consumidor até as de proteção do meio ambiente e, pela primeira vez, inclui a defesa da diversidade lingüística.

    O Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (FDD), criado há mais de duas décadas, mas só regulamentado em 1994, têm sua arrecadação nas multas aplicadas pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Segundo Diego Faleck, presidente do Conselho Federal Gestor do FDD, o fundo está vivendo um momento histórico importante, com uma arrecadação que pode chegar a R$ 73 milhões, até o final de 2008. Fora os R$ 41,7 milhões que estão contingenciados, R$ 6,89 milhões serão aplicados em projetos selecionados entre as 3.661 cartas-consultas enviadas ao conselho, um número recorde desde a sua criação, em 1995. O conselho já aprovou 56 projetos prioritários.

     

     

    VALORIZAÇÃO Neste ano, o fundo pode destinar até R$ 300 mil a cada projeto de defesa do patrimônio cultural brasileiro que, de forma inédita, passa a incluir o patrimônio lingüístico do país. "No caso do inventário lingüístico, o grande mérito da sua inclusão na Resolução nº 20 [uma espécie de edital] é do Iphan, que abriu os nossos olhos para a identificação do problema e o risco de extinção das línguas", conta Faleck.

    "Evidentemente é um avanço para o país e, como política lingüística, significa um reconhecimento e apoio à diversidade lingüística e cultural do Brasil. É o contraponto de tantas políticas lingüísticas que tivemos no passado, e que tentaram eliminar as outras línguas faladas pelos brasileiros", afirma Gilvan Müller de Oliveira, do Ipol e da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Quando se fala em diversidade lingüística no Brasil e em risco de extinção, lembra-se logo das inúmeras línguas indígenas que ainda sobrevivem após cinco séculos de colonização que são cerca de 180. Mas além delas, o apoio do FDD para o inventário envolve ainda línguas de imigração, afro-brasileiras, crioulas e de sinais.

    "Não surpreende o papel de libras [língua brasileira de sinais] nesse contexto, considerando que é língua oficial, ao lado do português, graças ao intenso trabalho político realizado pelos usuários surdos do país. Libras dispõe hoje de uma comunidade falante politicamente organizada, e é exemplo para outras comunidades lingüísticas que começaram a se organizar mais tarde", ressalta Oliveira. A UFSC, onde o representante do Ipol leciona, inaugurou em 2006 o primeiro curso do mundo de licenciatura em uma língua de sinais, o de letras-libras.

    As comunidades que, por serem dispersas e muito variadas, ainda não estão suficientemente organizadas do ponto de vista da defesa de seus direitos lingüísticos, são as de imigrantes que vivem no país. Além das conhecidas comunidades alemãs, italianas e japonesas, há um número crescente de sul-americanos legais ou clandestinos que chegam ao país, a cada ano, em busca de uma oportunidade de trabalho em uma das principais economias emergentes da atualidade. De 2004 a 2007, a Polícia Federal registrou um aumento de 51% no total de novos estrangeiros no Brasil, dos quais a maioria é formada por argentinos, bolivianos, uruguaios e paraguaios.

    RECONHECIMENTO "As línguas de imigração estão na categoria das que mais podem ganhar com o Inventário Nacional da Diversidade Lingüística, já que seus falantes são aqueles que não têm, até o momento, nenhum tipo de direito lingüístico, ao contrário do que ocorre tanto no caso dos indígenas, que têm alguns direitos lingüísticos reconhecidos [como o de um ensino bilíngue] e dos surdos", diz Oliveira. Segundo ele, o financiamento de projetos-pilotos pelo FDD é diferente daquele destinado tradicionalmente a estudos de línguas. "É um ato de política patrimonial, de reconhecimento de línguas como referência cultural. Não substitui uma série de outras pesquisas que têm objetivos diferentes, como aquelas que realizam as universidades", conclui.

     

    Rodrigo Cunha