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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.60 n.3 São Paulo set. 2008

     

     

     

    BIÔNICA

    Inspiração que vem da natureza exige visão multidisciplinar na pesquisa

     

    A história parece uma lenda: um belo dia, um certo cientista estava passeando pelo campo, quando se deu conta dos carrapichos em sua calça. Voltando para o laboratório, os observou no microscópio e decidiu que eles poderiam inspirar um substituto do zíper ou fechos de roupas. Se você pensou velcro, acertou. Mas o que pouca gente pensa é que o tal cientista existiu e que a idéia veio mesmo do carrapicho que se agarrou à calça do engenheiro suíço Georges de Mestral. Sorte ou acaso? Não: biônica (ou biomimética, como alguns cientistas preferem).

    A história prosaica do velcro ilustra a dinâmica das pesquisas multidisciplinares que compõem a biônica e que usam observação de métodos ou sistemas existentes na natureza como ponto de partida para desenvolver tecnologias, adaptar soluções e criar produtos inovadores.

    Apesar de ponto de partida para várias invenções ao longo dos séculos (como os primeiros estudos de uma máquina voadora mais pesada que o ar), a palavra biomimética, e, consequentemente, a sua formulação como teoria, foi cunhada em 1950 por Otton Herbert Schimtt, engenheiro biomédico da Universidade de Minnesota. Já a palavra biônica foi criada oito anos mais tarde por Jack Steele, pesquisador americano ligado à indústria aeronáutica.

    A etimologia da palavra é basicamente a junção das palavras biologia e eletrônica.

    Desde então, ambas são usadas como sinônimo (no Brasil, o termo mais comum é biônica) e as áreas interessadas no estudo da natureza como fonte de consulta para o desenvolvimento de soluções técnicas aumentaram.

    O design, a arquitetura, a química, as engenharias e a computação são algumas das áreas que atualmente possuem interesse no estudo da biônica.

    Inspiração, transpiração e método

    Julian Vincent, professor de biônica na Universidade de Bath, Inglaterra, é taxativo. "Não preciso de inspiração", afirma, "defino os problemas usando a Triz e procuro por soluções a partir de métodos que estamos desenvolvendo", completa. Triz é a sigla russa para Teoria da Resolução de Problemas Inventivos, uma matriz heurística para estruturação de um problema determinado na engenharia (mecânica, por exemplo) e sua readeaquação para outra área (engenharia civil, digamos). Vincent defende que a biônica ainda não possui uma metodologia sedimentada que possa servir de base para as invenções, ainda muito calcada na analogia, e que usar a Triz seria uma alternativa mais pragmática na transferência de soluções da biologia para as outras áreas "bio-inspiradas".

     

     

    Já Stanislav Gorb, biólogo e pesquisador de novos materiais e biônica, do Instituto Max-Plank, Alemanha, é mais comedido. "Passo 15% do meu tempo de pesquisa em campo e outros 85% no laboratório. É difícil dizer de onde vem a inovação", afirma.

    Segundo Rosana Folz, arquiteta e pesquisadora da Escola de Engenharia da Universidade de São Paulo (USP), projetos em biônica podem ser desenvolvidos de duas formas: "top down, onde o problema define a pesquisa, e botton up, onde a observação de uma determinada forma, método ou processo existente na natureza é transformado em um banco de dados que pode ser usado para gerar um produto potencial". Em design, normalmente, o processo é top down. Um exemplo recente, comenta a pesquisadora, é o Bionic, um carro conceito desenvolvido pela Mercedes-Benz bio-inspirado no peixe-cofre, uma espécie com "uma hidrodinâmica impressionante e uma estrutura óssea levíssima".

    INTERDISCIPLINARIDADE A biônica é interdisciplinar por natureza (com o perdão do trocadilho). A união entre biólogos e pesquisadores com um perfil mais projetual é necessária para que as idéias potenciais se concretizem.

    "Porém, quando se introduz a biônica aos alunos de graduação, por exemplo, isso é feito de forma superficial, justamente por causa da falta desse contato mais próximo com biólogos", pontua Rosana.

    Essa dificuldade também é assinalada por Vincent, que afirma que as universidades inglesas não lidam muito bem com a dissolução do paradigma das separações entre as áreas, ao contrário das alemãs. "A maioria dos grupos [no Instituto Max-Plank] trabalha interdisciplinarmente" comenta Gorb. Ainda assim, o Instituto tem dificuldade para conseguir profissionais com uma visão multidisciplinar para novas pesquisas. "As universidades continuam a ter uma subdivisão clássica das disciplinas", lamenta.

    ECOLOGICAMENTE ATUAL A questão do interesse pela biônica vem aumentando ultimamente, sobretudo porque está inserida no discurso da sustentabilidade. "Embora não tenha relação direta com a questão ambiental, quando se estuda a natureza para entender como os organismos resolveram suas questões ao longo de milhões de anos, desperta-se para princípios básicos de sustentabilidade que está intrínsico na natureza e que pode ser transferido para a sociedade como um todo", finaliza Rosana Folz.

     

    Enio Rodrigo Barbosa