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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.60 n.3 São Paulo set. 2008

     

     

    APRESENTAÇÃO

    ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE ENERGIA, AMBIENTE E SOCIEDADE

    Sinclair Mallet Guy Guerra

     

     

    Questão vital em qualquer sociedade, seja em que tempo for, a energia está sempre em evidência, mesmo que não se atente para isso. Modernamente, a energia atingiu o status de ciência, levando estudiosos das mais diversas e diferentes modalidades do conhecimento a se dedicarem a ela. Junte-se a essa busca por conhecimento, o fato de a energia ter um caráter interdisciplinar, o que a fragiliza em sua complexidade. Tal visão faz com que vários aspectos que a compõem devam ser abordados.

    No caso brasileiro, muito do que deveria ser feito pelos estudos sobre energia é dificultado pela interpretação desse caráter interdisciplinar como sendo uma falta de profundidade científica. Pode-se citar como exemplo maior de tal afirmação a posição da principal agência brasileira de fomento à pesquisa. Tal agência, sem estudos e consultas aos cientistas envolvidos e às sociedades que os representam, mantém uma divisão em suas subáreas de conhecimento que não reflete as reais necessidades de atendimento a esse caráter interdisciplinar.

    Os artigos que formam este Núcleo Temático da Ciência & Cultura procuram, exatamente, demonstrar, cada um deles, sua especificidade e as características sobre as quais foram tecidos os comentários acima. Os trabalhos desenvolvidos visam a apresentar aspectos de políticas públicas que delimitam os estudos sobre energia e representam partes ou parcelas de opiniões e conclusões de alguns de seus grupos de pesquisa. Para tal, foi dada aos seus autores toda a liberdade de manifestação criativa possível.

    OS ARTIGOS O artigo "Crise ambiental e as energias renováveis" de autoria de Célio Bermann situa o contexto internacional do atual debate ambiental e energético, e examina a inserção das energias renováveis no nosso país como biocombustíveis e como fontes de geração de eletricidade. No que se refere aos biocombustíveis, os problemas e benefícios ambientais do etanol a partir da cana-de-açúcar e do biodiesel são apresentados de forma crítica, permitindo o balizamento dos prós e contras que os envolvem. Quanto à geração de eletricidade, o Proinfa (Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica) é apresentado com ênfase nas questões ambientais que cada uma das fontes apresenta, ressaltando os cuidados a serem considerados na implantação dos projetos. Por fim, o autor propõe para a reflexão uma questão de fundo: a impossibilidade de se falar em energias renováveis sem se considerar o atual modelo de produção e de consumo, cuja redefinição é absolutamente necessária para se evitar a crise ambiental marcada pelas mudanças climáticas.

    O artigo "Combustíveis fósseis e insustentabilidade", de Joaquim Francisco de Carvalho, explica como as radiações solares que incidiram sobre a Terra desde as eras paleozóica e mesozóica, criaram condições para que surgissem e se desenvolvessem determinados organismos que, ao longo do tempo, converteram-se nos materiais fósseis que deram origem a combustíveis tais como turfa, carvão, petróleo e gás natural, os quais, portanto, representam energia solar acumulada por fotossíntese naqueles organismos, durante centenas de milhões de anos.

    Esses combustíveis, particularmente o petróleo e o gás, estimularam a criação e desenvolvimento das modernas tecnologias industriais e agrícolas, graças às quais, no decorrer da chamada "idade do petróleo", isto é, nos últimos 120 anos, boa parte da humanidade progrediu mais do que tinha progredido desde o início da era cristã; consumindo, nesse curto lapso de tempo, energia solar acumulada ao longo de centenas de milhões de anos. Agora, os mais respeitados geólogos do mundo – com raras divergências – colocam o pico da produção mundial de petróleo e gás em torno dos próximos 15 a 20 anos, o que significa que a "idade do petróleo" está chegando ao fim. Ocorre que, sem petróleo e gás, serão inúteis as modernas tecnologias agrícolas, industriais e de transportes e, neste contexto, o Brasil não constituirá exceção, de modo que a produção agrícola e industrial não será suficiente para sustentar os mais de 220 milhões de habitantes que o país deverá ter, quando a oferta daqueles combustíveis estiver escasseando. Não é difícil prever a gravidade da revolução social que então se deflagraria e, diante dessa real possibilidade, o princípio da precaução sugere que se comece desde já a estudar linhas de ação a serem adotadas pelo Estado, para que este, em sua função de disciplinador das atividades econômicas, adote medidas destinadas a modificar substancialmente a maneira como a energia é hoje consumida. Concluindo o seu artigo, Joaquim de Carvalho apresenta um cálculo indicativo do prazo de duração das reservas brasileiras de gás natural e pondera que o governo já deveria ter começado a estudar seriamente o assunto.

    O artigo "Aspectos técnicos, econômicos e sociais do uso pacífico da energia nuclear", de João Manoel Louzada Moreira e Pedro Carajilescov, apresenta a evolução da energia nuclear no mundo, seu estado tecnológico atual e analisa as razões para o renovado interesse por essa fonte de energia limpa. Esse interesse surge a partir de projeções levando em consideração o crescimento populacional que aponta a necessidade de se quintuplicar o fornecimento de energia no mundo até 2050, principalmente na Ásia, África e América do Sul. Tal cenário, conjugado com as possíveis mudanças climáticas e a escalada de preços para a geração de energia, provocou o ressurgimento de usinas nucleares para geração de potência. Atualmente, existem no mundo 443 usinas nucleares representando 17% da potência instalada mundial e espera-se um crescimento de importância dessa forma de geração nos próximos anos.

    A geração núcleo-elétrica está passando por um momento de grande inovação tecnológica. Há, atualmente, estudos para o desenvolvimento de novos tipos de reatores em vários países com interesses diversos, quanto à finalidade do reator, seja para a produção de eletricidade, hidrogênio, gerenciamento de resíduos radioativos, ou para utilização em pequenas malhas de eletricidade. As novas propostas envolvem potência variando entre 150 e 1500 MW(e), reatores rápidos (operam com nêutrons com energia mais elevada), reatores térmicos (nêutrons com energia em equilíbrio térmico com o meio) e um com energia dos néutrons numa faixa intermediária. Todos consideram a utilização de ciclo de combustível fechado, isto é, com o combustível irradiado sendo reciclado e todos operam a temperaturas acima das temperaturas dos reatores atuais para aumentar a eficiência energética.

    Do ponto de vista ambiental, os reatores nucleares são interessantes por não emitirem gases do efeito estufa durante sua operação. Desta forma, a geração núcleo-elétrica não contribui para o aquecimento global. Em relação aos rejeitos radioativos, intensas pesquisas levaram a propostas de novas tecnologias que reduzem o tempo necessário de estocagem desses rejeitos para algumas centenas de anos. Esse tempo, embora ainda longo, é comparável a vários resíduos industriais que requerem tempos semelhantes para voltar ao estado natural como, por exemplo, latas de alumínio, materiais plásticos, pilhas e baterias, etc.

    O artigo "Biocombustíveis, uma polêmica do desenvolvimento socioeconômico", de Marcelo Micke Doti e Sinclair Mallet-Guy Guerra, procura traçar a problemática existente em torno do tema cada vez mais mundial de uma fonte renovável e em evidência. A grande mídia tem colocado quase sempre a questão em torno do eixo crise energética, busca de recurso renovável e o programa nacional de biocombustíveis (PNPB) como solução social, econômica e, acima de qualquer coisa, nacional.

    Mas a questão não é tão simples assim e o artigo procura delinear esse quadro mais problemático a partir da análise do próprio documento elaborado pelo governo, ou seja, o Relatório Final do Grupo de Trabalho Interministerial. Este tencionou mostrar a viabilidade de implantar o programa de biodiesel. No entanto, tal artigo deixa em evidência a potencialidade que o programa pode ter sobre as condições de desenvolvimento. Especialmente sendo esta palavra não apenas uma ideologia que se marcou fortemente no pós-guerra no mundo e com força enorme e de destaque no Brasil, mas também porque a palavra induz a muitos erros e qualquer política pública (governamental) que se queira justificar utiliza a mesma procurando mostrar a importância do referido programa para a sociedade.

    Colocando sua ênfase no relatório governamental, o artigo vai mostrando o que fica obscuro no que se refere aos impactos ambientais, concentração de terras, controle dos recursos energéticos, entre outros temas. Dessa forma é que se pode considerar: serão os biocombustíveis – no caso exemplificado pelo biodiesel – uma potencialidade de desenvolvimento?

    O artigo "Estranhas catedrais. Notas sobre o capital hidrelétrico, a natureza e a sociedade", de Oswaldo Sevá, analisa as hidrelétricas do ponto de vista da economia política, da geografia e das ciências sociais. Tais usinas são resultados típicos da ação de uma indústria barrageira (dam industry) e peças-chave de um processo histórico-social, o de eletrificação do país. A relação com a natureza é definida a partir da noção de represa como fato físico-territorial inédito, objeto de uma articulação de conhecimentos técnicos e científicos, aqui tratado como "ciência barrageira", da qual se adota a vertente crítica. O seu funcionamento como negócio, como unidade econômica, é, na prática, constrangido por sua condição física intrínseca, pelo seu risco de integridade, já que ocorrem acidentes; são registrados também tremores de terra, fenômeno conhecido como "sismicidade induzida por barragens". Do ponto de vista social e econômico, os problemas são sérios e não cabem no tratamento burocrático de meros "impactos", devendo ser encarados como emblemas da expansão capitalista, na qual vigoram os mecanismos da acumulação primitiva e da mercantilização, já que uma nova sociedade se define a partir de sua construção, com destaque para as populações humanas atingidas. Internacionalmente, esse marco pode também ser observado nas avaliações da Comissão Mundial de Barragens: a era da construção incessante de grandes represas está próxima do fim.

    Os trabalhos apresentados neste Núcleo Temático, como descrito, visam apresentar os aspectos de políticas públicas que delimitam os estudos sobre energia e representam partes ou parcelas de opiniões e conclusões de alguns de seus grupos de pesquisa.