SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.60 número3 índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

    Links relacionados

    • Em processo de indexaçãoCitado por Google
    • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

    Compartilhar


    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.60 n.3 São Paulo set. 2008

     

     

    BIOCOMBUSTÍVEIS, UMA POLÊMICA DO DESENVOLVIMENTO SOCIOECONÔMICO

    Marcelo Micke Doti
    Sinclair Mallet Guy Guerra

     

    UM TEMA, UMA POLÊMICA DE CLASSE Os biocombustíveis, em especial o biodiesel, são políticas públicas já postas à sociedade. Dir-se-ia implantadas. Mais que isso: ligadas diretamente à Presidência da República. Logo, não se trata de qualquer política, mas projeto de governo. A seriedade disso é mais que clara. Muitas políticas públicas são implantadas. Decretos, legislações, portarias, etc. Tudo isso é o cotidiano e a forma de lidar de maneira oficial com sociedades complexas como é a sociedade capitalista, industrial e urbana, caso da brasileira. Dessa maneira, o cotidiano de um Estado passa por todos esses instrumentos legais como sua maneira própria de existir, sua razão de ser. Porém, no emaranhado de todo esse verdadeiro "império legal" algumas questões deixam de ser apenas o cotidiano. Tornam-se políticas públicas que, mais que a razão de ser do Estado em seu fazer diário, assumem um novo patamar.

    A definição de um projeto político é ampla e complexa. Não deixa de ser, entretanto, importante pelo fato de demonstrar as orientações de determinado grupo ou elite política em posse das atribuições de Estado. É o governo que irá implantar seu modus operandi social, econômico e ideológico. A reprodução social dentro de determinada maneira de produzir a materialidade econômica estará assim sendo estimulada e ampliada ou destruída e retardada pelas ações governamentais de posse dos instrumentos e atribuições legais que o Estado lhe garante. O rumo que essas iniciativas tomam configura um projeto político. Porém, qualquer sociedade é formada por classes sociais. O Estado é parte dessa sociedade e da estrutura de classes presente. Logo, quase como um silogismo, é impossível um projeto político sem conteúdo de classe. Pelo fato dos biocombustíveis – e o caso específico do biodiesel – serem assumidos diretamente pela Presidência da República, através de sua Casa Civil, pode-se considerar parte do projeto político. Não é o projeto em si. É manifestação. Revela o conteúdo mais profundo. É a aparência que todo cientista deve investigar para desvelar sua essência. Sem isso não se entende a sociedade na qual se vive e seus rumos. Rumos sempre de classe. É o que se pretende esboçar abaixo para depois obter a confirmação a partir dos dados oficiais. Percebe-se, então, que é necessária uma perspectiva mais ampla.

    OS INTERESSES NO BIOCOMBUSTÍVEL Antes de se desenvolver comentários sobre os biocombustíveis, os rumos oficiais que direcionam o projeto de diversificação da matriz energética (1), é preciso uma análise sobre interesses. Como referido acima, somente uma análise que constate os interesses de classe envolvidos em um governo enquanto detentor dos meios legais de se fazer social – ter os instrumentos de Estado – é que pode esclarecer os móveis da ação social. Inexiste ação social, presença de fatos na sociedade – em especial, é claro, quando se trata de uma máquina administrativa como a do Estado, com destaque para o brasileiro e sua atuação econômica sempre presente – sem que uma determinação seja seu móvel. Toda ação social tem uma determinação (2) como seu fator de movimentação. Esta sempre será de classe. Por este motivo é que se deve proceder ao que existe de móvel classista no projeto político do governo atual. A partir dessa amplitude analítica é que se poderá entender de forma precisa, determinada, o que existe atuando como móvel do projeto de governo e sua relação com o biodiesel – e genericamente os biocombustíveis.

    A DETERMINAÇÃO DE CLASSE Para estabelecer com precisão o envolvimento de classes existente no projeto político que emana do atual governo e como os biocombustíveis estão presentes naquele, basta que se atente para a realidade em suas determinações mais factuais. Seria possível falar em determinações primárias, aquelas mais próximas do dia-a-dia dos fatos.

    Neste caso é interessante lembrar uma ilustrativa passagem de René Dreifuss em seu livro O jogo da direita. Ali ele fala das possibilidades de desvelar atos e projetos políticos através da leitura atenta dos jornais. Claro que para isso torna-se necessária uma concepção de totalidade amplamente determinada e estruturada dos elos e cadeias dos eventos. Um fato se junta ao outro e pode constituir essa totalidade.

    Seria realmente indispensável recolher documentos sigilosos, ouvir fontes exclusivas, manter encontros discretos e pesquisa em arquivos reservados, para desvendar o acontecer político?
    (...)
    Na verdade, nenhum de nós se sentia atraído pelo que logo foi batizado de "mito do baú". Naquela época, uma direita remoçada emergia com a Nova República, com um modelo recém-testado de fazer política. Seus líderes haviam trocado os bastidores pelo centro do palco, alguns até com estrelas do jogo político. De membros discretos de institutos (...) capazes de atuar na penumbra (...) os homens da indústria haviam se transformado em protagonistas da disputa (...) E ao leitor comum, antes desavisado, agora cabia apenas um tanto de persistência e observação. Era só aprender a ler o jornal, cruzar as informações e desenrolar o novelo. Lá estava a trajetória completa da elite brasileira, em sua nova briga pela direção da empresa no Brasil.
    Já não se via muito segredo. E eu, de certa forma, andava reagindo à idéia de que, atrás da informação e da análise, sempre haveria uma fonte oculta e um detalhe não revelado. O mundo acadêmico, em sua grande maioria, sempre pesquisara em segunda mão, aproveitando o trabalho de campo dos jornalistas – tanto dos que assinam suas matérias, quanto dos anônimos repórteres e redatores. São eles os verdadeiros analistas do dia-a-dia, que fuçam, questionam e servem, de bandeja – como verdadeiros assistentes de pesquisa – a matéria-prima aos pensadores de gabinete.
    Nada demais. O problema, no caso, era levar o leitor comum ao hábito de também ele juntar as notas, analisar e refletir. Afinal de contas, já não vivíamos sob o tacão da censura. A imprensa chamada "burguesa" – diversificada e competitiva – fornecia uma larga colcha de notícias, suficientemente conflitivas para aguçar a nossa capacidade de tirar conclusões
    (3).

    A passagem é ilustrativa sobre o fato de que é possível entender as determinações do real, aquilo que o movimenta, as determinações de classe sem recorrer ao "mito do baú" (4). Não são necessárias as fontes secretas. Boa leitura e posteriormente o entrosamento certo dos fatos podem nos revelar os supostos enigmas dos projetos políticos. Para o entrosamento dos fatos ou sua articulação não é possível o mero fluir pela imersão simples irracional na realidade das notícias. Isso seria apenas deixar-se levar pela realidade e não "arrancar-lhe" a raiz para desvendar as estruturas sociais. Cabe aqui lembrar que:

    É, sem dúvida, necessário distinguir o método de exposição formalmente, do método de pesquisa. A pesquisa tem de captar detalhadamente a matéria, analisar as suas várias formas de evolução e rastrear sua conexão íntima. Só depois de concluído esse trabalho é que se pode expor adequadamente o movimento real. Caso se consiga isso, e espelhada idealmente agora a vida da matéria, talvez possa parecer que se esteja tratando de uma construção a priori (5).

    Os detalhes são passíveis de serem captados, em nosso caso, nas notícias, nos eventos, nas falas e discursos políticos, em atos simbólicos ou falas simbólicas (o Brasil como a "Arábia Saudita verde do futuro"). Somente a articulação de tudo isso é que constituirá a totalidade. Trata-se, claro, de uma totalidade pensada, elevada à consciência pelo raciocínio. É o concreto pensado, mas que procura seguir de perto o fluxo do real. Neste caso, o maior presente para um cientista das humanidades seria tentar desvelar eventos futuros. Assim é que a análise dos biocombustíveis deve ser – assim julgam os autores – algo além da análise pontual, factível apenas. Esta se revela apenas dentro da totalidade e o projeto político, social e econômico que traz o atual governo. E não se trata de mero projeto, mas sim uma concepção de nação e desenvolvimento, que é o mais significativo.

    Assim, qual seria o enigma do governo atual? Para muitos de nós, criaturas simples, esperançosas, sempre ávidas de um projeto que seja o nacionalismo das forças populares, não o nacionalismo próprio ao mundo burguês, o governo atual poderia ser um enigma. Talvez nem tanto. A verdade é que se sabia para onde ia. A verdade, já em 2002, não nos enganava. As esperanças, no entanto sempre foram dos traços mais fortes de nós brasileiros. Mesmo como intelectuais e assumindo uma visão que seja ou que se queira mais singularizada, mais matizada da realidade, nada nos afasta de esperanças. Duro golpe dado? Não. Apenas engano de uma avaliação muito mal feita.

    O trecho abaixo põe às claras uma comparação entre os projetos governamentais do atual governo e do que o antecedeu:

    O debate dos projetos está rebaixado a tal ponto que o "enfrentamento" entre o governo Lula e seus críticos tucanos se restringe apenas a discutir quem é o melhor gerente. O governo petista garantiu um preço nos pedágios mais barato – negociou valores de até R$ 0,02 centavos por quilômetro para as rodovias (6).

    Exatamente. É isso e sempre foi. Um artigo como o acima, falando da privatização das rodovias, põe em evidência o projeto político atual. O ponto analítico é aqui simples. Não são necessárias análises profundas de bastidores políticos, como referidos na concepção metodológica de Dreifuss. Os atos feitos e praticados, decisões tomadas, política econômica, revelam a ideologia e, por meio desta, a visão de sociedade e do que se pode esperar quanto ao desenvolvimento econômico. E sem dúvida, o principal: que tipo ou qual desenvolvimento econômico.

    Ainda sobre isso, para se esclarecer com toda força da propriedade dos atos econômicos reveladores das posturas socioeconômicas mais um trecho do mesmo artigo pode ser não simplesmente esclarecedor, mas pedagógico:

    É verdade que o governo Lula preconiza um Estado forte. Mas a pergunta é: um Estado forte para quem? A privatização das rodovias e o investimento financiado pelo banco público repetem a lógica das Parcerias Público Privada (PPPs), defendidas tanto pelo PT como pelo PSDB. O Estado se colocando como um financiador e garantidor dos negócios privados. Um eficiente gestor dos projetos capitalistas (7).

    Claro como qualquer cristal. O Estado como gestor do capitalismo, fomentador da economia e seu organizador. Discurso popular (não populista) que procura falar àqueles que virão a ser os novos universitários, serão os novos consumidores, enfim àqueles que também têm o direito de "comer macarrão com frango no domingo" (8). Uma sociedade de consumidores felizes.

    Entre o discurso e a realidade o que se vê é algo muito diferente. Um discurso sincero sim que procura o capitalismo organizado. Pôr ordem na irracionalidade do capital elevando o padrão de vida da sociedade dentro do capital. O problema é esse, entretanto, ou seja, a contradição. Tentar controlar um capitalismo que é formado pelo monopólio e ao mesmo tempo distribuir renda. Todas são políticas econômicas e sociais que não avançam um milímetro em propostas que tentem o controle social do capital. Pode ser do Estado o controle. Mas o Estado está profundamente articulado aos monopólios. Envernizam o privatismo (9) neoconservador com políticas sociais amplas (em número), pouco efetivas (ou nada) no que se refere a formas de desenvolvimento socioeconômico de controle dos meios de produção ou, dentro da lógica destrutiva do capital, com políticas de desenvolvimento que ao menos se sustentem socialmente, reproduzam as condições de vida alcançadas.

    Neste ponto é que se deve perceber uma lógica que age em direção a uma sociedade de valores e cultura de classe média, mas cujas medidas econômicas reproduzem o grande capital. Por meio desse simples ato de ceder à privatização (10) temos também a clareza da política econômica e o desenvolvimento interno da luta de classes. A tomada de decisão do Estado com suas políticas públicas deixa claro quem ele privilegia dentro da estrutura de classes. Isso produz efeitos na reprodução social, pois econômica, das classes. Com atos desse nível somados a tantos outros (11) vê-se a postura de classe do Estado, seu papel de agente reprodutor dos interesses do capital monopolista, internacional e associado. Ainda que existam atritos entre o Estado e este mesmo capital por conta de questões como tributação e a taxa de juros (12) e outras questões de detalhes, os últimos governos, de posse dos meios e instrumentos de poder, reproduzem as condições econômicas de determinado interesse de classe. Isso o põe, então, dentro de perfil muito bem delineado também de classe.

    A MEDIAÇÃO DO ESTADO Apenas como interesse metodológico, teórico e histórico, mas instigante, a leitura do livro de Perissinotto sobre o capital cafeeiro e o Estado coloca esta questão: não existe reflexo direto do poder econômico de classe sobre o Estado (13). Mediações são necessárias e o Estado se apresenta assim de acordo com suas posturas próprias dentro de sua forma específica de reprodução de poder político. No caso do governo atual o que se pretende é impingir seu modo de reprodução da economia, regular o irracional. Não deixar que a total e esquizofrênica forma específica de destruição voraz do capital monopolista se assenhoreie de todos os nichos da economia. Processo bastante diferente do projeto liberal neoconservador; a infernal farra de importações com câmbio supervalorizado e com a "privataria" correndo solta. A função deste governo e seu açambarcamento do Estado foi colocar ordem no caos irracional. Manter, no entanto, na mesma ordem a reprodução do capital monopolista. Com políticas sociais produtoras de parcas esmolas e dentro da distribuição de renda como discurso. Por sinal distribuição péssima.

    Sendo assim, uma das formas de definir conceitualmente as classes como forma pela qual os poderes públicos interferem e contribuem para a reprodução de determinada estrutura social, neste caso o governo atual tem seu projeto assentado sobre a reprodução do capital monopolista. O ponto teórico aqui interessante é que a definição de classe só ocorre através de interpretações dos eventos históricos. O conhecimento e o conceito chegam atrasados. Captam a existência das classes como organização e determinação dos fatos a serem articulados mentalmente. A sociedade é em sua aparência o caos cotidiano. As classes sociais são determinações econômicas, mas que só se tornam claras através de muitas outras determinações: sindicatos patronais ou de trabalhadores, associações de classe, ideologia, revistas, intelectuais orgânicos que estimulam a classe a pensar sobre si e chegar ao seu para si, etc. A forma como o Estado atua é outra forma de definir a classe hegemônica e seu poder. Sua maneira de atuar reflete, com mediações as mais complexas, o jogo entre classes e elites políticas, mas não deixa de se revelar em sua específica forma classista. Por este motivo é que os atos de Estado na forma de políticas – como as políticas econômica, energética, de transportes, etc. – definem quem "hegemoniza" o mesmo e delineia também a compreensão das classes que se reproduzem com suas medidas econômicas e administrativas. Trata-se de uma ação histórica com o lado econômico e social, práxis imediata, na forma da reprodução da classe e ao mesmo tempo cognição, compreensão intelectual e delineamento dos interesses e classes hegemônicas.

    O "comer frango com macarrão" pode configurar um sonho "mediano" de classe. É o sonho de uma sociedade de consumidores satisfeitos em sua existência privada e privatista, beneficiando-se dos poucos recursos econômicos disponíveis, dos parcos excedentes gerados e a elas – classes famintas de eletrodomésticos – distribuídos. Mas isto não configura a posse do poder e da condução do poder estatal por essas classes. A reprodução econômica e social não leva essas classes à prioridade na condução do Estado. Em outros termos, essas classes teriam poder de condução política e econômica na medida em que tivessem a hegemonia das políticas públicas, das políticas econômicas como forma de demonstrar os interesses aos quais o Estado atende como anteriormente definido. O que se tem são formas pelas quais o Estado assumiu a postura de instância privilegiada de "comandante" da reprodução do capital monopolista internacional e associado à alta burguesia do Brasil (jamais nacional ou brasileira). Ao longo do período conduziu-se a políticas econômicas sempre beneficiando o Estado. A pequena burguesia apenas seguiu seu caminho atrelado aos mesmos interesses subordinados. Fique bem esclarecido este ponto. Desde que os interesses das classes médias e pequena burguesia não desafiassem ou entrassem em contradição com o monopólio econômico do domínio do grande capital, e seus interesses próprios capitaneados pelo Estado, é que se poderia falar em seus interesses atendidos. Por isso subordinados. O crescimento da economia, o desenvolvimento econômico produziu concentração e centralização de capitais. Estes tinham que inevitavelmente produzir classes de gerenciadores, trabalhadores mais qualificados e também pequenos burgueses em uma sociedade mais complexa. Estas, então, ficavam com alguns poucos louros do crescimento. A massa trabalhadora tinha emprego. Às vezes tinha serviço. Algumas vezes comida. Nunca autonomia e recursos. O crescimento do crime organizado está aqui e sua importância como forma de diluir reivindicações, dispersar ideologias também. Bom para os poderes públicos. Para a reprodução do grande capital também. Para as classes médias e a pequena burguesia um horror.

     

     

    Por todos estes argumentos é que se pode definir o projeto político atual como tentativa de ordem no capital monopolista irracional, com controles definidos e mais bem delineados das privatizações, com ordem econômica do crescimento, centralizando riquezas, adoçando os lucros dos monopólios. Doura-se a pílula com bosquejos sociais e com figuras populares e carismáticas. Isso é o que confere a todas as questões acima um "enigma". Basta verificar o crescimento econômico dos últimos anos e a projeção para este. Um projeto de ordenação do capitalismo, mas resvalando alguns vinténs para as classes médias, algumas oportunidades de negócios para a pequena burguesia, perifericamente esmolas sociais e do resto o capitão Nascimento (14) deve cuidar.

    Foi proposta uma hipótese. É possível observar por artigos dos jornais, na enorme galáxia de informações que nos é disposta, os delineamentos específicos que configuram e dão forma à referida reprodução de interesses monopólicos. Entre eles os setores de produção de energia (15). Como também referido, isso só é possível através da análise de uma totalidade estruturada. Assim é possível mais uma evidência do sonho de consumo através da seguinte inserção: "consumo das famílias puxa resultado" (16). No entanto, o lucro de várias atividades, principalmente do setor financeiro, dos bancos sobe (17). Assim ocorre que os parcos programas sociais formam uma camada assistida e destrói ações de movimentos sociais como o dos trabalhadores rurais sem-terra (MST) (18). Na avaliação da comissão interministerial sobre o biodiesel, em linha alguma das quinze páginas se fala de reforma agrária. Mas os programas sociais cumprem seu papel de desarticular um dos poucos movimentos sociais de crescimento no Brasil. Como bem avalia um dos integrantes da reportagem citada, um agricultor de 54 anos: "O tucano criava um monte de dificuldade, fez medida provisória para criminalizar o movimento. O Lula conseguiu com esse Bolsa Família o que o Fernando Henrique tentou, tentou e não conseguiu, que é deixar as pessoas fora das ocupações" (19). Ao avaliar os biocombustíveis pouco destaque se tem dado justamente ao aspecto aqui referido: o monopólio. Em outros termos, nenhuma fonte renovável e alternativa será posta no mercado a não ser que esteja devidamente monopolizada. A produção energética é, junto com o trabalho, a raiz da produção do valor. No capitalismo a democratização daquela seria a destruição do monopólio e do próprio capitalismo (20).

    Posta a questão assim em seus aspectos de desenvolvimento econômico dentro do padrão monopolizado do capitalismo, o governo atual e sua política energética ficam evidenciados. Isso vale também para o biodiesel. Logo o exposto até aqui foi apenas a sombra do leão do capital monopolizador. Esta é a característica do projeto político: manter o padrão de acumulação com parcos recursos distribuídos à sociedade. A hipótese é que isso também se coloca para o biodiesel.

    ANÁLISE DOS EVENTOS E DO DOCUMENTO DA COMISSÃO INTERMINISTERIAL Em 2 de julho de 2003 o governo federal emitiu decreto que instituiu o grupo de trabalho para avaliar a viabilidade do uso de biodiesel como fonte de energia renovável e que pudesse alçar patamares de programa federal de desenvolvimento. No dia 23 de dezembro do mesmo ano institui-se o decreto pelo qual uma comissão executiva interministerial estaria encarregada da implementação de ações direcionadas à produção e ao uso do biodiesel no Brasil. Em 13 de janeiro de 2005 o governo federal promulgava a Lei do Biodiesel (21). A lei fixa percentuais mínimos obrigatórios para a adição de biodiesel ao óleo diesel comercializado aos consumidores finais. Este percentual mínimo deverá ser de 2,0% de 2008 a 2012 até atingir 5,0% em 2013.

    Entre as datas limites acima colocadas foi instituído um grupo encarregado de avaliar as potencialidades, impactos ambientais, fator de desenvolvimento, geração de renda, etc do programa do biodiesel. Trata-se de um grupo interministerial de estudos para avaliar todas essas questões. A importância do programa para o governo federal reside em dois fatos que se pode interpretar no emaranhado até aqui apresentado: um estudo feito por doze ministérios e coordenado pela Casa Civil. Logo é possível verificar a importância central do programa para o governo federal. Em outros termos, não é mais uma portaria, decreto, etc do cotidiano administrativo como referido anteriormente. Trata-se de uma dos programas centrais, pilares do projeto político atual. Não se está, então, navegando em qualquer mar, mas em questões de grande porte. Oceanos políticos. Dentro dessa perspectiva seria possível, através desse programa, confirmar as hipóteses acima relevadas. Caso o resultado seja positivo pode-se dizer que dois objetivos foram cumpridos: a avaliação do governo e seu projeto político e o programa do biodiesel. No caso deste, seu lugar de destaque naquele.

    Para isso, o recurso foi um documento que se julgou muito oportuno. Trata-se do "Relatório Final do Grupo de Trabalho Interministerial Encarregado de Apresentar Estudos sobre a Viabilidade de Utilização de Óleo Vegetal – Biodiesel como Fonte Alternativa de Energia" (22). A interpretação de várias passagens deste documento torna possível entender questões do escopo do programa posto dentro do projeto político referido. Pode-se idealizar como um programa energético e sua função dentro do projeto inclusive na imagem de um conjunto no qual o primeiro está contido no segundo. O Relatório que ora será analisado para evidenciar o grupo de conceitos e determinações anteriormente expostas para formar a totalidade que se pretende é datado de 4 de dezembro de 2003, portanto, praticamente intermediário entre as datas acima limites.

    Logo em suas primeiras páginas é colocado o escopo do Relatório:

    Os artigos 1º e 4º do Decreto Presidencial, de 2 de julho de 2003, dispõem:
    Art. 1º Fica instituído o Grupo de Trabalho Interministerial encarregado de apresentar estudos sobre a viabilidade de utilização de óleo vegetal – biodiesel como fonte alternativa de energia, propondo, caso necessário, as ações necessárias para o uso do biodiesel.
    Art. 4º O Grupo de Trabalho, no prazo de noventa dias, a contar da data de designação de seus membros, elaborará e encaminhará para apreciação da Câmara de Políticas de Infra-Estrutura, do Conselho de Governo, relatório técnico sobre a viabilidade de utilização de óleo vegetal – biodiesel como fonte alternativa de energia, e, caso necessário, as recomendações relativas às ações necessárias para o uso do biodiesel
    (23).

    E prossegue:

    Com base nesses dispositivos e nos entendimentos havidos na primeira reunião do GTI, realizada em 8 de agosto de 2003, o objetivo-síntese dos trabalhos, consubstanciado neste Relatório Técnico, é apresentar elementos de convicção sobre a viabilidade da produção e uso do biodiesel, no Brasil, como fonte de energia alternativa e renovável complementar ou substituta ao diesel de origem fóssil, levando em conta os conhecimentos, dados e informações disponíveis sobre a matéria quanto às vantagens, desvantagens, custos e benefícios (24).

    Dado o objetivo do mesmo, é fácil verificar que se trata de um instrumento técnico de política pública. Não qualquer instrumento, mas um estudo avaliado por 11 ministérios integrados sob a coordenação da Casa Civil, consubstanciando 12 órgãos do governo federal ligados diretamente ao presidente da República (25). Instrumento central, portanto, de uma política pública que sintetiza parte não pequena de um projeto político bastante específico. E a hipótese aqui levantada é que essa política pública específica na área energética, mais que exemplifica, revela a estrutura econômica – e inevitavelmente de classes – a qual o governo atual reproduz. Na seqüência é citado o maior experimento e programa de biodiesel do mundo que é o da União Européia (UE) (26). O que pode levar a acordos bilaterais de comércio externo com a UE.

    Posteriormente situa-se no Relatório a metodologia empregada como sendo aquela que pode proporcionar uma amplitude maior para a avaliação do programa:

    Dada a complexidade do assunto, buscou-se seguir metodologia que proporcionasse, simultaneamente, o exame do maior conjunto possível de dados, informações e opiniões oriundas de estudos e conhecimentos existentes sobre o biodiesel e a utilização desses resultados para a construção de um quadro de referência relevante para o encaminhamento dos trabalhos e a consecução de seu objetivo-síntese (27).

    A partir daqui as questões ficam bem mais interessantes no sentido de se fazer uma análise mais crítica e ao mesmo tempo mostrar que o "maior conjunto possível de dados, informações e opiniões" não constitui uma totalidade analítica. São, tão somente, opiniões levantadas dentro de uma perspectiva já esboçada por um determinado projeto político. É neste sentido, então, que o Relatório consta da participação de tantos órgãos do governo federal, ou seja, para colocar o máximo de "informações e opiniões". Estas é que constituem suas finalidades dentro da metodologia. Esta, por sua vez, não é tão somente metodologia de trabalho, refletindo também os interesses estruturais da economia:

    Nesse sentido, optou-se por seguir duas rotas simultâneas e complementares. Na primeira, foi realizado um ciclo de audiências com representantes de entidades públicas e privadas que desenvolvem estudos, pesquisas, testes e produção de biodiesel, dos produtores rurais, das indústrias automotiva, de óleos vegetais e sucroalcooleira, da Agência Nacional do Petróleo e da Petrobras. Foram colhidos, também, depoimentos de parlamentares envolvidos com o assunto, e de especialistas vinculados às entidades convidadas. Todas as audiências foram realizadas na Casa Civil da Presidência da República, com a presença de representantes titulares ou suplentes dos doze órgãos integrantes do GTI (28).

    Dir-se-ia mais interessante pelo que consta das entidades envolvidas. Mais problemático sem dúvida uma vez que se não pode perceber aí representações sociais mais amplas. Claro que o motivo disso é duplo: a fraqueza organizacional histórica dos órgãos da sociedade civil, incluindo partidos políticos, e o próprio projeto do biodiesel como política pública de viés energético com objetivos amplos de reprodução econômica.

    Ainda neste sentido é possível verificar o que o Relatório cita como órgãos de experiência acumulada e que já possuem o biodiesel em sua agenda:

    Em nível de pesquisa e desenvolvimento, o biodiesel já integra a agenda de importantes entidades públicas e privadas, como os Ministérios da Ciência e Tecnologia e de Minas e Energia, instituições de pesquisa, a Agência Nacional de Petróleo, a Embrapa e a Petrobras, além de iniciativas promovidas por diversos Estados da Federação e por entidades como a Tecnologias Bioenergéticas Ltda. (Tecbio), a Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais (Abiove) e a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), dentre outras.
    A Coordenação dos Programas de Pós-graduação de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro - COPPE/UFRJ, em parceria com o Instituto Virtual Internacional de Mudanças Globais - IVIG, desenvolve um projeto de extração de biodiesel de óleo usado de frituras, que vem sendo testado desde 2001 em um furgão, com B100 (100% biodiesel), com ótimo resultado (300 mil km rodados sem defeitos), embora ainda não homologado
    (29).

    Nada referente, portanto, a movimentos sociais ou formas de organização social que possam ter maior controle social sobre a produção e a riqueza proporcionada pelo mesmo. Além disso, ou seja, o controle social dessa riqueza por parte da sociedade, também o controle ambiental. Nesses dois itens o Relatório se torna mais que cristalino em suas colocações. Assim será necessário especificar um de cada vez. Organização do texto e também da prova da hipótese que aqui se vem traçando constitui a intenção. Após enumerar esses aspectos será possível presenciar a mistificação de desenvolvimento por trás da política pública energética que é o biodiesel.

    No campo social e de produção da riqueza algumas passagens do Relatório são significativas. De início é possível destacar:

    Sob os pontos de vista social e regional, a produção de biodiesel promove a inclusão social pela geração de emprego e renda, tendo em vista que, embora com rendimentos variáveis, o biodiesel pode ser obtido a partir de diversas matérias-primas de origem vegetal e animal, disponíveis ou passíveis de produção nas diferentes regiões do Brasil. Isso também contribui para a inclusão social ao permitir o suprimento de energia elétrica para comunidades isoladas ainda não atendidas, mediante o uso do biodiesel em motores estacionários – o que também pode ser feito com o emprego do óleo vegetal in natura em motores devidamente adaptados a essa finalidade (30).

    Ainda que o motivo colado seja interessante no caso do fornecimento de energia elétrica para comunidades isoladas – e isso é fundamental e necessário – nada se fala sobre a qualidade desses empregos. Ainda que se fale mais adiante da agricultura familiar, nada é dito das formas sociais de desenvolvimento socioeconômico. Não se induz em nenhum momento a pensar no nível de empregos no sentido da melhoria da distribuição de renda (31) e do controle monopolístico nacional e internacional dos biocombustíveis (32).

    Neste sentido, existem na página 9 do Relatório considerações econômicas sobre a geração de emprego e de renda em vista de investimentos da agricultura familiar no biodiesel. Dispensa-se toda a citação, mas fica claro e evidente por não estarem contidas no mesmo, em nenhum momento, considerações no que tange à reforma agrária, a possibilidade de aumento da concentração fundiária com a entrada maciça de capitais monopolistas nacionais e internacionais do agronegócio e da produção de oleaginosas e, como conseqüência, a concentração e centralização do capital e dos rumos do próprio desenvolvimento. Em outro sentido, não se considera o custo do monopólio aqui produzido. Expõe-se a geração de renda e emprego sem a devida dinâmica da situação e o que se poderia gerar de controle social da riqueza e do ambiente em situação de nenhum monopólio (33).

    A análise aqui proposta tem por fim aduzir aos impactos ambientais propostos no Relatório feito pelo GTI. E, já de início, é de destacar que apenas dois momentos são citados de modo favorável: redução de poluentes causadores do efeito estufa e a possibilidade de utilizar áreas desmatadas para a produção de oleaginosas e, com isso, incrementar o mercado de carbono por meio dos mecanismos de desenvolvimento limpo (MDL, p. 13) Todo o item 5.3 do Relatório está voltado para as questões ambientais ("Aspectos Ambientais", pp. 11-12). Mas ao longo do texto desenvolvem-se outras inserções nesse sentido tais como:

    O Brasil também detém considerável experiência acumulada na área do biodiesel, mas, ao contrário de países considerados desenvolvidos, ela ainda se encontra em franco descompasso com nossa capacidade produtiva de biomassa, pois dispomos de condições de solo e clima privilegiados para a produção de diversas matérias-primas suscetíveis de aproveitamento para fabricação de biodiesel. Diante disso, a experiência nacional envolve diversas matérias-primas (soja, mamona, amendoim, dendê, babaçu, etc) e várias rotas tecnológicas (transesterificação metílica e etílica e craqueamento térmico ou catalítico, dentre outras) (34).

    Neste caso não é o não dito ou então aquilo que se escondeu, mas o genérico, o muito abstrato que é o revelador do texto e do programa adotado pelo governo federal como política pública energética e econômica de desenvolvimento. O genérico, o muito abstrato é uma armadilha conceitual: eleva-se a um alto patamar de abstração, porém profundamente deslocado da realidade. Nesta passagem do Relatório o abstrato está dito na forma de condições de "solo e clima privilegiados para a produção de diversas matérias-primas suscetíveis de aproveitamento para fabricação de biodiesel". Não se percebe nenhuma indicação de medida de estudo de solos e condições de produção.

    Ainda outra passagem significativa junto a essa:

    Dentre as questões ambientais, cabe destacar a significativa diminuição das emissões de diversos poluentes, especialmente os monóxidos de carbono, hidrocarbonetos totais, material particulado e enxofre. Além disso, o uso do biodiesel reduz sensivelmente a emissão de gases causadores do efeito estufa. Embora haja ligeiro aumento na emissão de óxido de nitrogênio – cujas conseqüências sobre a qualidade do ar nas grandes metrópoles pode ser contornada com a adoção de medidas específicas –, os efeitos líquidos sobre a redução global da pressão sobre o meio ambiente são altamente favoráveis ao biodiesel, especialmente quando se considera todo o ciclo de vida do produto, abrangendo desde a produção das sementes, cultivo, colheita, transporte, armazenamento, processamento e consumo.
    Outro impacto positivo sobre o meio ambiente advém da possibilidade de se cultivar algumas espécies oleaginosas, especialmente o dendê, em áreas degradadas da região Norte do país, onde existem condições de solo e clima favoráveis a essa cultura. A mamona e outras matérias-primas podem desempenhar idêntico papel em outras regiões, especialmente no Semi-Árido nordestino. Cabe registrar, também, que a possibilidade de produzir biodiesel com resíduos gordurosos de frituras e esgoto tende a diminuir o despejo de material graxo no meio ambiente.
    Deve-se considerar, ainda, que o biodiesel sendo utilizado como aditivo ao diesel de origem fóssil melhora sua lubricidade. Além disso, facilita o atendimento de compromissos firmados no âmbito da Convenção do Clima e pode proporcionar a obtenção de créditos de carbono, sob o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) do Protocolo de Kyoto, desde que seu uso ou mistura ao diesel não seja compulsório
    (35).

    O significativo e que chama a atenção é novamente a recorrência ao já citado uso dos créditos de carbono como Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) bem como falar de áreas degradadas da região norte e áreas do Nordeste. Nada de mais. Usar áreas degradadas para o plantio é conveniente. Ainda que nada seja dito sobre a inclusão social por meio do acesso social a essas terras degradadas, a colocação não é tão problemática. Erra novamente (36) –, neste caso, – ao elevar ao abstrato e não considerar que as áreas degradadas poderiam ser reflorestadas.

    Neste último caso o abstrato do uso de áreas degradadas se junta aos aspectos do solo anteriormente indicados e nenhuma inclusão no Relatório sobre a possibilidade de recuperar esses solos ao invés de arriscar a continuidade da degradação. Neste sentido é ainda mais problemático o projeto de lei (PL) que tramita no Congresso sobre o uso de áreas de reserva legal para o plantio de oleaginosas (37). Projeto colocado em pauta pela bancada ruralista e que o programa do biodiesel, do ponto de vista deste modelo de desenvolvimento criticado aqui e que ele propõe, permite.

    Segundo o Código Florestal brasileiro, é considerada reserva legal, dentro de cada propriedade, uma área mínima determinada de vegetação nativa que cumpra a função ecológica de habitat para a biodiversidade e/ou fornecedora de serviços ambientais como estoque de produtos florestais, proteção do solo e corpos d'água, controle de pragas e incêndios e captação de carbono da atmosfera, entre outros. A atual legislação brasileira estabelece que a área de reserva legal deve ser de 80% na Amazônia, 35% na região de cerrado que esteja nos estados da Amazônia Legal e 20% nas demais regiões do país.
    O principal objetivo do PL 6424/05 é permitir que 30% das reservas legais na Amazônia possam ser recompostas com espécies exóticas ao ecossistema amazônico, incluindo as palmáceas. Com isso, se aprovado, o projeto permitirá o avanço do plantio em larga escala de matéria-prima para a produção de biocombustíveis, sobretudo o dendê: "Vamos conversar com as ONGs, mas minha intenção é manter a idéia básica do PL. Permitir atividade econômica em 30% das Reservas Legais é o único meio de manter preservados os 50% restantes", afirma o deputado Jorge Khoury (DEM-BA), relator do projeto na Comissão de Meio Ambiente
    (38).

    Desta maneira parece bastante claro o modelo de desenvolvimento que se pretende com os biocombustíveis e, em nossa análise específica, do biodiesel. Sendo assim fica também muito evidente a estrutura econômica determinada que se mantém e que se reproduz (39).

     

     

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E NOTAS

    1. Tema constante na atualidade mundial e na pauta governamental quando se trata de questões ligadas à energia.

    2. Trata-se, na verdade, de um conjunto de determinações constituindo uma estrutura, mas que aqui se pode falar de uma como algo genérico que não altera a análise.

    3. Dreifuss, René. O jogo da direita. Vozes, Rio de Janeiro, 1989, p. 7.

    4. O "mito do baú" aqui referido pelo autor é menção ao fato de que não é necessário um "baú de segredos", documentos secretos mostrando artifícios escusos e suspeitos, atitudes políticas pouco dignificantes à luz do dia. Saber encontrar em jornais, periódicos, revistas, etc os atos forjados nas instâncias políticas oficiais e articulá-los pode ser tão eficiente quanto o "baú de segredos". Em matérias escritas pode-se entender como a célebre e popularizada frase "ler as entrelinhas".

    5. Marx, Karl. O Capital. Nova Cultural, São Paulo, 2ª ed., posfácio da 2ª edição Alemã, p. 20, 1985.

    6. Jornal Brasil de Fato, 17 de outubro de 2007.

    7. Id., ibid. Ver também Laimé, Marc. "Les partenariats public-privé sont nuisibles et minent la démocratie". In : Le Monde Diplomatique, 8 de setembro de 2007.

    8. Expressão proferida por Luiz Inácio Lula da Silva, candidato à Presidência da República em discurso, na campanha de 1989.

    9. Como escreve o jornalista Elio Gaspari, em sua coluna no jornal Folha de S. Paulo, trata-se de "privataria".

    10. Nenhuma surpresa uma vez que as PPPs já estão aprovadas há tempos. Trata-se das chamadas parcerias público privadas, ou seja, nova forma de o Estado alavancar a atividade privada sob a justificativa de que se faz necessária sua intervenção com o fim de obter capitais necessários ao investimento em setores carentes.

    11. Um exemplo claro pode ser a política de juros altos favorecendo o setor financeiro e o programa dos biocombustíveis, entre outros.

    12. Há muito fora da pauta de reivindicação da indústria que vem concentrando seus ataques exclusivamente em um luta encarniçada "de hienas" apenas na tributação.

    13. Perissinotto, R. M.. Estado e capital cafeeiro em São Paulo (1889-1930). Annablume, São Paulo, 2000, 1ª ed., 2v.

    14. A referência aqui é ao polêmico personagem do filme Tropa de elite do diretor José Padilha, baseado no livro Elite da tropa do antropólogo Luiz Eduardo Soares e dois policiais, André Batista e Rodrigo Pimentel. O capitão Nascimento age com violência diante do crime e assim mostraria como deve ser cuidada a questão social, como "caso de polícia" na atribuída frase ao presidente Washington Luís (1926-30).

    15. Enquanto se ideava e se escrevia este capítulo para o livro A energia, a política e o Brasil: conflitos e propostas no século XXI um novo evento no setor de energia envolvendo o monopólio acontecia: a licitação da hidroelétrica de Santo Antônio no rio Madeira (vencida pelo consórcio capitaneado pela Odebrecht). Além da privatização de recurso natural, cenas de choque da polícia com manifestantes só vistas no então governo do PSDB voltaram a aparecer.

    16. O aumento do consumo das famílias estimulado pelos créditos fez com que o PIB fosse "puxado" para cima (Folha de S. Paulo, 10 de novembro de 2007).

    17. "Lucro do Bradesco é o maior do setor financeiro em 20 anos". In: Valor Online, 5 de novembro de 2007.

    18. "MST enfrenta desistências em Ribeirão". In: Folha de S. Paulo, 4 de novembro de 2007.

    19. Id., ibid.

    20. Artigos sobre biocombustíveis, suas falácias como alternativa renovável e monopólio podem ser encontrados no sítio www.resistir.info. Um outro recurso para contornar o "mito do baú" que Dreifuss faz referência, a internet.

    21. É possível encontrar no sítio do governo federal toda a legislação sobre o biodiesel (www.biodiesel.gov.br/legislação.html). Aí temos leis, decretos, portarias, resoluções que regulamentam todo o programa. A lei específica do biodiesel é de 13 de janeiro de 2005, número 11.097. Mais uma vez, basta articular as informações e o "mito do baú" não é tão necessário assim.

    22. Disponível também em sítio oficial: www.planalto.gov.br/casacivil/site/static/relatoriofinal.pdf.

    23. Relatório Final do Grupo de Trabalho Interministerial Encarregado de Apresentar Estudos sobre a Viabilidade de Utilização de Óleo Vegetal – Biodiesel como Fonte Alternativa de Energia, p. 2, disponível no sítio referido na nota anterior. Doravante citado apenas como Relatório.

    24. Relatório, p. 3.

    25. No Relatório, p. 2, são listados os órgão do executivo central: Casa Civil da Presidência da República (coordenador); Ministério dos Transportes (MT); Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa); Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC); Ministério de Minas e Energia (MME); Ministério da Fazenda (MF); Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MP); Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT); Ministério do Meio Ambiente (MMA); Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA); Ministério da Integração Nacional (MI); Ministério das Cidades (MCidades).

    26. "Cabe registrar, inicialmente, que a Comunidade Européia implantando, atualmente, a maior experiência internacional na produção e uso de combustíveis renováveis, considera biocombustível o combustível líquido ou gasoso para transportes produzido a partir da biomassa. Entende como biomassa a fração biodegradável de produtos e resíduos provenientes da agricultura (incluindo substâncias vegetais e animais), da silvicultura e das indústrias conexas, bem como a fração biodegradável dos resíduos industriais e urbanos. São classificados como biocombustíveis o biodiesel, o biogás e o biometanol, dentre outros. Considera como biodiesel o éster metílico produzido a partir de óleos vegetais ou animais, com qualidade de combustível para motores diesel, para utilização como biocombustível. Admite ainda a existência de outros combustíveis renováveis, entendidos como os combustíveis renováveis que não sejam biocombustíveis, obtidos a partir de fontes de energia renováveis tal como se encontram definidas na Diretiva 2001/77/CE, utilizados para efeitos de transporte", Relatório, p. 3.

    27. Id. Ibid.

    28. Id. Ibid.

    29. Relatório, p. 5.

    30. Id., p. 6.

    31. Ainda que isso seja medida social tão somente nos limites do capital.

    32. Aqui se tencionou alargar o escopo mesmo para pensar no trabalhador da cana-de-açúcar que ganha cerca de R$2,50 por tonelada cortada e na crescente participação estrangeira nesse negócio. Ainda sobre a concentração de capital e a estrutura de monopólio do mercado nos agrocombustíveis ou biocombustíveis convém citar: "Em agosto do ano passado, grupos e investidores estrangeiros detinham 5,7% de toda a cana processada no Brasil para produção de açúcar e álcool. Um ano depois, o capital internacional passou a deter 12% do setor, o que corresponde a mais de 51 milhões de toneladas de cana (…). Para o professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), César Sanson, esta situação é provocada pela política do governo federal de incentivar a produção de agrocombustíveis e é muito preocupante". (Radioagência – Notícias do Planalto, 25 de setembro de 2007 - www.radioagencianp.com.br)

    33. Aliás, todo o item 4 do Relatório ("Potencialidades e Desafios da Produção e Uso do Biodiesel no Brasil") e 5 ("Benefícios, Custos da Produção e Uso de Biodiesel no Brasil") à exceção de 5.3 que fala do impacto ambiental que será visto à seguir, tratam exaustivamente dos números dos benefícios econômicos e sociais sem mencionar nenhuma das questões aqui levantadas e críticas. O que se deduz é a evidência cada vez mais clara de um projeto econômico e político dentro das estruturas econômicas e reprodutivas vigentes e – em uma "pura ingenuidade" – de um capitalismo controlável pelas forças do Estado, como se o Estado pairasse sobre a sociedade. Não é possível aprofundar neste momento as relações entre Estado e capital, mas o texto que se desenvolve fornece alguns elementos para isso.

    34. Relatório, p. 5.

    35. Relatório, p. 7.

    36. Neste caso, erro nunca é uma ingenuidade, mas uma concepção de desenvolvimento econômico com privilégio de determinada estrutura econômica.

    37. Trata-se do projeto de lei (PL) 6.424/05 que tramita na Câmara e prevê o plantio de até 30% de espécies exóticas em áreas de reserva florestal da Amazônia ("PL que altera Código Florestal avança no Congresso". In: Carta Maior, 22 de outubro de 2007).

    38. Id., ibid.

    39. Este artigo é uma adaptação de um outro a ser publicado no livro de José Alexandre Hage (org.) A energia, a política e o Brasil: conflitos e propostas no século XXI, Editora Juruá, Curitiba/PR, pp. 283-99, 2008.