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    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.60 n.3 São Paulo sep. 2008

     

    BIODIVERSIDADE

    UMA VIAGEM PELO ESTADO DE SÃO PAULO

     

    Tornou-se lugar comum dizer que São Paulo é a locomotiva do Brasil. O estado é o mais rico da federação e o seu PIB é maior do que o de muitos países da América Latina. Estamos tão acostumados com a paisagem paulista coberta pelo asfalto das rodovias, viadutos de concreto, espigões ou plantações de cana ou laranja que talvez a última palavra que nos ocorra, quando olhamos essa paisagem, seja biodiversidade. Talvez esteja aí uma das primeiras motivações para conhecer a obra Nos caminhos da biodiversidade paulista, publicação da Secretaria do Meio Ambiente, com apoio do Projeto de Recuperação de Matas Ciliares, e organizada pelo jornalista Marcelo Leite. Um convite para uma viagem pelas várias paisagens do estado de São Paulo.

    O objetivo expresso no livro é disseminar, para um público amplo, informações sobre os caminhos tomados pela biodiversidade paulista. O ponto de partida para isso são as informações coletadas pelas 12 expedições geográficas organizadas pela Comissão Geográfica e Geológica (CGG) de São Paulo, entre 1886 e 1923. O resultado é proporcionar ao leitor uma nova viagem pelos territórios paulistas com direito a mapas, um inventário dos locais visitados pela Comissão, imagens antigas e atuais reunidos em edição belíssima.

     

     

    Interessados em conhecer o potencial hidrelétrico e de navegação da imensa malha fluvial de São Paulo e ainda fazer um mapeamento da qualidade do solo, engenheiros da Comissão iniciaram expedições de reconhecimento do ainda desconhecido território paulista, parte do qual era de domínio de índios de várias tribos como os xavantes, guaranis e caingangues. Entre as motivações estava a expansão do café no mercado internacional e a necessidade de incorporar mais terras para o seu plantio.

    "A produção da CGG foi fundamental para moldar a ocupação e a transformação dos bens naturais em recursos a serem explorados, dando caráter sistêmico a um impulso de devastação que até ali havia sido esporádico e localizado", diz o texto.

    NATUREZA X DESENVOLVIMENTO A obra indica que a transformação do estado foi grande, drástica, irreversível, na maioria das vezes, mas, sobretudo, rápida. Entre a última década do século XIX e 1935, São Paulo perdeu um volume de floresta bem maior do que nos primeiros 350 anos de sua história. Nesse espaço de 45 anos, foram-se mais 44% de suas matas. Para se ter idéia da mudança de paisagem, a mata atlântica, que recobria 80% do solo do estado antes da colonização portuguesa, foi reduzida a 10%. O cerrado teve destino semelhante: dos 14%, sobrou quase nada. A mata ciliar praticamente desapareceu. As demais vegetações sofreram marcas profundas. Há apenas um século no lugar da sucessão de cidades, canaviais, laranjais e represas havia numerosas nações indígenas, cercadas de matas frondosas. Como afirma o físico José Goldemberg no prefácio, todo progresso tem um custo ambiental. À medida que o consumo aumenta é preciso ampliar a área dedicada à agricultura, construir novas indústrias, estradas e ampliar os meios de comunicação. "É impossível ter tudo isso sem interferir no ambiente em que vivemos", diz o ex-secretário do Meio Ambiente do estado de São Paulo. "Este livro permite que os paulistas – assim como todos os brasileiros – conheçam um pouco melhor como se deu a difícil interação entre homem e natureza", completa. Fiel ao roteiro das expedições da CGG, o livro é dividido em doze capítulos, contemplando litoral, a cidade de São Paulo e o interior. Passado e presente estão juntos e se completam na leitura já que o texto traz, ao mesmo tempo, os registros dos estudiosos das expedições e suas impressões são revisadas pelos autores. As citações são destacadas do texto e mantêm a grafia original do começo do século XX. A obra também conta com um tipo de glossário que expande conceitos abordados.

    EXPLORAÇÃO OBEDECEU RACIONALIDADE ECONÔMICA A motivação para chegar ao que é hoje a maior aglomeração urbana da América do Sul foi de cunho sociocultural: a catequização dos índios. Anchieta era um dos 13 religiosos que partiram de São Vicente e subiram a Serra do Mar para fundar o Colégio de São Paulo de Piratininga. Rapidamente, São Paulo se transformou em entreposto de abastecimento para aqueles que iam seguir sertão adentro nas bandeiras, expedições em busca de pedras e metais preciosos, e índios para serem escravizados. As bandeiras foram responsáveis pela fundação de grande parte das cidades paulistas. Nessas expedições chamava atenção a brutalidade com a natureza, considerada um obstáculo hostil a ser vencido pelo conquistador.

    A destruição da mata atlântica e cerrado também avançaram com as produções açucareira e cafeeira, entre meados do século XVIII e início do XIX, marcando um modelo de desenvolvimento econômico construído sem a preocupação com a degradação que as demandas pudessem causar. O resultado foi o índice máximo de desmatamento, desmonte do relevo e poluição das águas, cujo maior símbolo é o rio Tietê. Ainda nos dias de hoje, as decisões políticas são pouco influenciadas pela preocupação ambiental, apesar dos freqüentes problemas enfrentados pela população serem fruto da ocupação errada do território.

    CERRADO O mais devastado dos biomas do estado é o cerrado. Visto de longe parece uma vegetação pobre, seca, com árvores de galhos retorcidos e troncos grossos. Mas, de perto, esse bioma apresenta grande variedade de flores e espécies de animais, entre eles o mais famoso, o lobo-guará, ameaçado de extinção por causa da expansão das terras cultivadas e pela caça predatória. O cerrado cobria originalmente 14% do território paulista, mas o processo de ocupação agrícola – a região foi considerada fronteira agrícola e recebeu incentivos de políticas governamentais para a sua ocupação – fez esse valor cair para menos de 1%. Antes da agricultura, os terrenos de cerrado foram explorados por outros brasileiros, eram mineiros que buscavam terras para pecuária. A exploração da natureza foi ainda mais agressiva, pois praticava-se queimadas constantemente na tentativa de evitar que o mato retornasse aos campos e que os insetos atacassem os animais.

    História, geográfica, biologia, arquitetura, passado, presente e principalmente o futuro são assuntos deste livro. Corrigir os problemas causados pela degradação ambiental custa mais caro do que prevenir a degradação. A persistência das enchentes na cidade de São Paulo é apenas um dos exemplos disso. "Nada melhor para fomentar uma mentalidade de cuidado com o meio ambiente do que olhar para trás e aprender que muito da destruição e da degradação que hoje deploramos, justificadamente, esteve também intimamente associado com o pujante desenvolvimento da unidade mais rica da federação", sentencia Goldemberg.

     

    Patrícia Mariuzzo