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    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.60 n.4 São Paulo oct. 2008

     

     

     

     

    GÊNERO

    Mulheres nas forças armadas desafiam conceito de soldado

     

    A partir da segunda metade do século XX as forças armadas de vários países do mundo começaram a admitir mulheres, que receberam formação idêntica a dos homens. Esse processo marca uma ruptura na história dos exércitos ocidentais, abrindo espaço para uma atuação diferente das funções auxiliares e modificando o esquema tradicional de recrutamento, alistamento e participação das mulheres apenas em tempos de guerra. Entre os países que se destacam no número de mulheres em suas forças armadas estão os Estados Unidos, 14% em relação ao total de soldados do país, Canadá com 11%, Hungria com 9% e França com 8,5%, de acordo com dados da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan, 2000).

    No Brasil, a inserção de mulheres nas forças armadas é recente. A participação ocorreu, primeiramente, em funções como auxiliares. A marinha foi a primeira a admiti-las na área de manutenção eletrônica. Em 1980, foi criado o Corpo Auxiliar Feminino da Reserva da Marinha, para atuação na área técnica e administrativa. "Legalmente elas podem ser movidas para outros trabalhos, mas na prática não é o que acontece. Elas permanecem nesse trabalho a vida inteira", conta Maria Celina D'Araújo, pesquisadora do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, da Fundação Getúlio Vargas (Cpdoc/FGV), e professora da Universidade Federal Fluminense (UFF). Apenas em 1998 houve permissão para participação feminina em missões nos navios hidrográficos, oceanográficos e de guerra e permissão para integrar tripulações de helicópteros.

    O exército brasileiro foi o último das forças armadas a aceitar mulheres. Elas passaram a integrar os quadros complementares e de apoio administrativo, exercendo funções como médicas, dentistas, farmacêuticas, economistas, advogadas e outros. Depois, foram incorporadas nos quadros permanentes, mas sem poder galgar o topo da carreira. Segundo Maria Celina, que coordenou a sessão temática "Forças armadas e gênero", no II Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos de Defesa, que ocorreu um julho deste ano, as mulheres desafiam o conceito tradicional de soldado profissional secularmente associado à valentia como atributo masculino. "Elas são consideradas, em geral, como seres que precisam ser protegidos, dentro e fora dos quartéis, e isto suporia a exclusão em certas atividades consideradas de risco e de rigor disciplinar e, portanto, masculinas", acredita.

    Em Israel, país onde o serviço militar é obrigatório para mulheres, elas estão excluídas das posições de combate. Isso ocorreu porque contribuíam para aumentar o número de mortos. A tendência do homem era proteger a companheira, enquanto o inimigo não queria se render à mulher. Ambos os casos geravam mais mortes. Nos Estados Unidos, as mulheres ocupam 95% dos postos de trabalho abertos para elas nas forças armadas, mas ainda estão excluídas dos campos de combate direto (artilharia, infantaria, forças especiais etc).

    FORMAÇÃO MILITAR A Academia da Força Aérea (AFA) brasileira foi a primeira, e atualmente é a única, a incluir mulheres em um de seus cursos de formação de oficiais. Em 1996, mulheres foram admitidas como cadetes e começaram a receber formação idêntica a dos homens no curso de formação de oficiais da intendência. Quatro anos depois, mais de 50% dos cadetes do curso eram mulheres. Em 2002, foi aprovado o ingresso delas para o curso de formação de oficiais aviadores e, em 2004, pela primeira vez na história da aviação brasileira, uma mulher pilotou sozinha uma aeronave de instrução militar da AFA.

    Segundo Emília Emi Takahashi, professora da AFA e autora de uma pesquisa sobre a participação de mulheres nessa instituição, as cadetes tem que se esforçar para que sua condição de mulher não se sobreponha ao espírito militar, ou à identidade militar. "As dificuldades ainda ocorrem, especialmente aquelas causadas por comportamentos discriminatórios isolados, entretanto, a elevação das notas, a identificação com os valores e atitudes próprios à vida militar como coragem, lealdade, dever e amor à pátria, são os aspectos mais lembrados quando penso na integração das mulheres na AFA", diz.

    Na opinião de Maria Celina, entre os militares brasileiros prevalece o argumento da fragilidade feminina que serve de justificativa para restrições. "A idéia de proteção coloca a mulher no lugar de um ser que deve ser defendido em qualquer situação, se necessário pela guerra, mas nunca como agente direto do exercício da violência", explica. Segundo ela, é forte também a identificação da mulher com a maternidade, principal razão das baixas entre as militares. O casamento também aparece como fator limitante, em função das exigências de distanciamento e disposição de tempo integral próprios da vida militar, lembra Emília Takahashi.

    "A admissão de mulheres na academia das forças armadas traz inovações históricas: o recebimento de uma formação acadêmico-militar idêntica a dos homens em um curso de formação de oficiais de carreira e a possibilidade de atingir o generalato", afirma Emília Takahashi. Hoje, segundo informações do Ministério da Defesa, 8403 mulheres estão empregadas na marinha, exército e aeronáutica, o que corresponde a 2,62% do efetivo das forças armadas brasileiras.

     

    Patrícia Mariuzzo