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    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.60 n.4 São Paulo oct. 2008

     

     

     

    ENTREVISTA

    A responsabilidade de ter um Prêmio Nobel

     

    Peter Agre, diretor do Instituto de Pesquisa da Malária da Universidade Johns Hopkins (EUA) recebeu o mais alto mérito que um cientista poderia sonhar, o Nobel de Química (2003) por elucidar o mecanismo de transporte de água para o interior da membrana celular. O prêmio, dividido com o também norte-americano Roderick MacKinnon, mudou sua relação com a mídia e permitiu que se tornasse um formador de opinião de enorme influência. Vantagens que procura usufruir de forma a contribuir para que mais jovens se encantem pela ciência e que o tratamento da malária avance e chegue aos países pobres. A doença afeta quase meio bilhão de pessoas e mata um milhão todos os anos no mundo. Formado em química e medicina, Agre faz questão de lembrar em sua autobiografia que era um aluno mediano, contando até com um D em química no boletim. Entre as influências de sua carreira estão seu pai, Courtland Agre, químico, e o professor Richard Hughes, do ensino fundamental, que o ensinou que o aprendizado pode ser imensamente divertido. Linus Pauling, duas vezes laureado pelo Nobel (1954 e 1962), era amigo de seu pai, que descrevia o prêmio como "o mais próximo que se pode chegar do Santo Graal". Peter Agre concedeu esta entrevista durante a 10ª Conferência Internacional sobre Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia (PCST-10), na cidade de Estocolmo, na Suécia, em junho deste ano. Ele acredita que ainda escreverá uma obra de divulgação científica, mas no momento está se dedicando em aproximar a ciência do público, sendo acessível, razoável, e tentando dar esperança. "Os métodos da ciência podem melhorar a vida, eu sei que podem". Segundo o site Web of Science, ele possui fator h 71, o que significa que possui 71 artigos que receberam, ao menos, a mesma quantidade de citações; uma média de 800 citações por ano de carreira, sendo 2004 o ano no qual seus trabalhos foram mais citados.

    O que o senhor pensava sobre o Prêmio Nobel antes de recebê-lo?

    Antes e depois. Antes é maravilhoso, impossível, o Santo Graal. Depois é algo como "Oh meu Deus!". Não há como corresponder às expectativas.

    Mas, como cientista, o senhor já havia considerado ganhar o Nobel?

    Acredito que todo cientista em algum momento, sonhando acordado, imagina que está recebendo o telefonema de Estocolmo [informando sobre o prêmio]. Acho que é universal, embora não seja sério. É um sonho prazeroso, é como todo jogador de futebol que se imagina ganhando um campeonato mundial.

     

     

    Qual foi o impacto pessoal e para sua carreira?

    Isso é interessante. Uma das primeiras coisas é que meus filhos notaram que, afinal, o pai não era um perdedor – "Meu pai??!!". Eu era apenas um pai estúpido que trabalhava no laboratório duramente, frustrado. Acho que a opinião dos meus filhos mudou um pouco [risos], não inteiramente. Mas há muitas expectativas. Nenhum jornalista da América do Sul tinha me procurado antes, eles não sabiam quem eu era. Então pode ser útil, não para mim pessoalmente, mas é claro que é incrível, prazeroso, elogioso, mas em termos do objetivo que nós cientistas temos de que gostaríamos de avançar a sociedade ou a preocupação com o ambiente etc... normalmente não se dá a atenção devida. Mas quando você é um Prêmio Nobel e se preocupa com o meio ambiente é como se [acreditassem que] "talvez ele saiba mais do que nós, talvez devamos nos preocupar com o meio ambiente". Então creio que o desafio dos laureados é tentar, seriamente, ser razoável, falar sobre as coisas que se sabe ou deixar claro que se trata de uma opinião. Em termos de financiamentos, muitas universidades têm me oferecido um lugar e tenho sido convidado para estar em todos os comitês. Tento ser acessível e dar palestras, mas já estive em centenas de universidades e, depois de um tempo, é exaustivo. Não consegui estar em casa por alguns meses sem ser interrompido. Cria-se um nível de expectativas que é impossível de preencher. Mas é basicamente muito bom, um prêmio para algo construtivo, que modifica a ciência e que, se espera, mude a vida das pessoas e não em função de um apelo sexual ou algo engraçado que não faz sentido.

    Há uma pesquisa que mostra que os laureados, depois de ganharem o Prêmio Nobel passam a ser convidados a ser co-autores de inúmeros papers.

    No meu caso, fomos convidados para ser co-autores. Para escrever um paper a co-autoria é necessária, mas uma co-autoria ativa, este é o adjetivo chave. Mas há um ponto aí sobre o quanto de participação há e normalmente isso não é para o meu benefício. Mas, realmente, não dá para ser sempre co-autor porque há sempre um colega que tenta ficar a sua sombra. E seu nome também fica sujeito às conseqüências do artigo: se ele for errado, ou de má qualidade ou, pior, desonesto? Seu nome está lá, então é preciso ser cuidadoso.

    O Prêmio Nobel mudou sua relação com a mídia?

    Primeiramente, acho que a mídia tem um papel muito importante na sociedade, e na ciência também. Acredito que ela seja a voz para que a população saiba o que está acontecendo. Depois que recebi o prêmio percebi que a maior parte da mídia, a européia e da América do Sul, tem um background científico. Nos Estados Unidos ela é mais misturada, os profissionais das melhores instituições têm uma boa compreensão [sobre a ciência], mas a mídia local é um lixo – as questões que me faziam eram do tipo "qual a sua pasta dental?" ou se aceitaria ser jurado do Miss Universo. Sempre tento ser acessível, não tanto porque preciso disso ou porque me beneficio, mas acho que é justo. Os leitores querem respostas interessantes, reflexivas e isso pode atrair os jovens para a ciência e é por isso que estou aqui. Para acabar com o estereótipo do cientista impessoal, frio, analítico e mostrar que ele é uma pessoa normal: com amor, família, interesses, medos, e muito humano. É importante mostrar o lado humano, porque aí não será tão difícil para os jovens serem atraídos para a ciência.

    Qual é a sua responsabilidade como laureado?

    A mesma responsabilidade que todo cidadão tem, mas há mais oportunidades de provocar ação, de contribuir para mudanças. Assim, acho que se deve fazer uso dessas oportunidades. Qualquer cidadão que vê um problema deve tentar lidar com ele mas, como laureado, pode-se tentar fazer mais, chamando atenção para os problemas e soluções adequadas.

    No que o senhor está trabalhando atualmente?

    Nosso laboratório está reduzido e sou o diretor de um Instituto de Malária da Universidade de John Hopkins, então essa é uma aventura nova. Na realidade esse era meu interesse original em ciências médicas, queria me envolver com a medicina do Terceiro Mundo, contribuindo com a saúde, estudando as doenças, protegendo os pobres na África, na Ásia. Foi assim que comecei na medicina. Nosso laboratório trabalha com malária, em novas direções que esperamos ter valor terapêutico. Mas, principalmente, estamos tentando, junto ao Instituto, atrair jovens cientistas. Porque eles podem se interessar pela ciência, ir para muitas áreas, mas são constantemente lembrados de que a pesquisa com câncer e neurociência é importante, mas não a única. Em termos de sofrimentos humanos, as doenças do Terceiro Mundo, como a malária, talvez sejam ainda mais importantes porque afetam crianças. Há cerca de três anos eu trabalhava com câncer, era bastante confortável e facilmente administrável. Mas senti que não era suficiente, queria fazer algo importante, globalmente falando.

    Quem o senhor indicaria para ganhar o Prêmio Nobel de Química?

    Não vou citar um nome porque não seria justo, seria fazer a publicidade de alguém sem autorização. Mas acho que, no futuro, o prêmio deverá envolver alguém que trabalhe com questões de saúde pública, com doenças dos pobres, medicina reprodutiva. Creio que mais mulheres serão premiadas, porque mais mulheres estão entrando na ciência. É interessante, porque há algumas diferenças no trabalho, elas são mais pensativas e trabalham bem em grupos, então acho que serão reconhecidas. E também há a entrada de outros países. Cientistas brasileiros, por exemplo, acontecerá logo. Muitos países estão investindo pesado, como Cingapura. Como se ganha um Prêmio Nobel? Não é tão simples, mas fazer investimentos é parte da resposta. Sei de algumas pessoas que são merecedoras do prêmio, mas se dissesse o nome delas, de certa forma, diminuiria suas chances.

     

    Germana Barata