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    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.60 n.4 São Paulo oct. 2008

     

     

    RELAÇÕES DE TRABALHO E SINDICATO NO PRIMEIRO GOVERNO LULA (2003-2006)

     

    Iram Jácome Rodrigues, José Ricardo Ramalho e Jefferson José da Conceição

     

    A expectativa criada com a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi muito grande, principalmente no tocante às mudanças que poderiam ser implementadas no âmbito das relações capital/trabalho. No entanto, o primeiro ano da administração foi marcado pela austeridade na economia, seja na política monetária, seja na política fiscal. Esta estratégia resultou no aumento da taxa de desemprego e na redução da massa salarial e do rendimento médio dos ocupados, nos primeiros doze meses.

    Em outubro de 2002, Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito presidente do Brasil com uma votação memorável, após três derrotas consecutivas nas disputas de 1989, 1994 e 1998 (1). Um dos ícones da retomada da ação política dos trabalhadores no final da década de 1970, este ex-operário e sindicalista tornou-se a expressão de um movimento que ficou conhecido, naquela época, como "novo sindicalismo". Sua liderança, bem como de outros ativistas, foi crucial para a reorganização do movimento sindical, e para a constituição, no início da década de 1980, de duas instituições que desempenharam papel relevante na vida política brasileira nas últimas três décadas: a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e o Partido dos Trabalhadores (PT).

    O objetivo deste texto é realizar uma reflexão preliminar sobre a evolução das relações de trabalho na primeira gestão do governo Lula, no período entre 2003 e 2006.

    A EVOLUÇÃO NA "AGENDA DOS TRABALHADORES" (2003-2006) A expectativa criada com o governo Lula foi muito grande, principalmente no tocante às mudanças que poderiam ser implementadas no âmbito das relações capital/trabalho. No entanto, o primeiro ano da administração foi marcado pela austeridade na economia, seja na política monetária, seja na política fiscal. Esta estratégia resultou no aumento da taxa de desemprego (de 11,7% para 12,4%) e na redução da massa salarial (queda de 5,7%) e do rendimento médio dos ocupados (contração de 12%), no primeiro ano.

    Este artigo mostra três exemplos que a seguir evidenciam a insatisfação do movimento sindical em relação aos rumos da política econômica, especialmente nesse início de mandato e ilustram uma tentativa de propor alternativas aos alicerces centrais da política do governo.

    O primeiro deles foi a assinatura conjunta pela Central Autônoma de Trabalhadores (CAT), Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT), Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB), CUT e Força Sindical do documento "A pauta do crescimento", em setembro de 2003, por meio do qual manifestaram seu descontentamento com os indícios de recessão e apresentaram 21 propostas concretas para o aumento do nível de atividade econômica e a geração de postos de trabalho. Este documento foi entregue pelas centrais diretamente ao presidente da República.

    O segundo exemplo residiu no esforço do então presidente da CUT, Luiz Marinho, ao longo do primeiro semestre de 2004, em buscar estabelecer com parte do empresariado ligado ao setor produtivo, uma espécie de "entendimento nacional", que abrangeria também o governo federal.

    O terceiro exemplo foi a iniciativa também da CUT, desenvolvida em 2004-2005 e articulada em conjunto com a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e a Confederação Nacional da Indústria (CNI), em defesa da ampliação e democratização do Conselho Monetário Nacional (CMN). Desde 1994, o colegiado deste que é o órgão máximo do sistema financeiro do país conta com apenas três membros: o presidente do Banco Central, o ministro da Fazenda e o ministro do Planejamento. A intenção da CUT e daquelas lideranças empresariais era mostrar, por meio da ampliação e democratização do Conselho (com a presença de representantes dos trabalhadores e dos empresários), que a política monetária deveria levar em conta não apenas a meta de inflação, mas também o alcance das metas de crescimento econômico e de geração de empregos. O que estava em jogo, no fundo, era a política de altas taxas de juros executadas pelo Banco Central, com o aval do Conselho Monetário Nacional. Esta proposta também acabou não "saindo do papel", em grande parte pelo temor dos gestores da política econômica de sinalizar para o mercado um afrouxamento da política monetária resultando em taxas de inflação mais altas em troca de taxas de crescimento mais elevadas.

    É importante ressaltar que se essas iniciativas que apresentavam rumos alternativos à política econômica implementada, à época, não foram levadas adiante, o mesmo não ocorreu em relação às negociações para o estabelecimento do crédito com consignação em folha de pagamento, à política de valorização do salário mínimo e à atualização da tabela do Imposto de Renda (IR), que, por seus amplos impactos econômicos e sociais, tiveram papel importante na retomada do crescimento.

    A CUT formulou um conjunto de reivindicações que denominou de "agenda dos trabalhadores", na primeira gestão do governo Lula. Temas que interessavam a eles e ao conjunto do movimento sindical e que tinham por objetivo abrir um diálogo com os poderes executivo, legislativo e judiciário. Estavam estruturados em cinco itens: 1) salário e emprego; 2) jornada de trabalho; 3) relações de trabalho; 4) políticas públicas, orçamento e políticas salariais e, 5) democracia e liberdade. Para cada uma dessas questões havia um conjunto de demandas.

    De modo geral, os temas demandados foram apenas parcialmente contemplados pelo executivo, legislativo e judiciário, muito embora os itens que avançaram tenham sido inegavelmente importantes (como o salário mínimo, o combate ao trabalho escravo, o apoio à agricultura familiar e o apoio à economia solidária). Alguns desses itens parecem evoluir no segundo mandato (nova regulamentação para o trabalho aos domingos e feriados, ampliação e implantação do Fundeb). Outros, no entanto, específicos da agenda sindical, como é o caso da redução da jornada de trabalho e da regulamentação da terceirização, não parecem evoluir porque geram grande resistência do empresariado.

    A EVOLUÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO (2002-2006) A retomada do crescimento econômico a partir de 2004 – em função da combinação da expansão da economia internacional (com a redução da vulnerabilidade externa do país), da estabilidade da inflação, do aumento do crédito popular e do salário mínimo – trouxe um novo cenário para o mercado de trabalho, após décadas de estagnação e retração do emprego e precarização das relações de trabalho.

    Com exceção do primeiro ano, os números do governo Lula foram bastante favoráveis, no que diz respeito ao crescimento do emprego, dos rendimentos e do consumo dos trabalhadores.

    A tabela I , bem como alguns dados abaixo, confirma essas afirmações e versam sobre a evolução do salário mínimo; a relação do salário mínimo com a cesta básica; o salário mínimo real; os reajustes salariais e sua comparação com o INPC-IBGE (Índice Nacional de Preços ao Consumidor do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e, finalmente, o crescimento do emprego formal no período 2002-2006.

     

     

    De uma forma geral, os efeitos distributivos dos aumentos do salário mínimo foram significativos para aquelas parcelas dos trabalhadores cujos ganhos mensais estavam na base da pirâmide salarial. Houve incremento da renda e, por conseguinte, aumento do poder de compra desses assalariados. Outro aspecto relevante diz respeito ao aumento do número de trabalhadores que obtiveram reajustes salariais iguais ou superiores à inflação nos últimos quatro anos. Por fim, como várias estatísticas já mostraram, houve um crescimento do emprego formal, mormente entre os assalariados que percebem até dois salários.

    ELABORAÇÃO: SUBSEÇÃO DIEESE-CUT NACIONAL Com relação ao aumento de poder de compra daqueles que tiveram reajustes a partir do salário mínimo e à queda da inflação, com um crescimento do poder aquisitivo dos assalariados que estavam na base da pirâmide salarial, tendo como ponto de referência a cesta básica é interessante observar que de 2002 a 2006 houve uma queda paulatina do comprometimento do salário mínimo com a compra da cesta alimentar básica nas seguintes capitais: Belo Horizonte, Brasília, Porto Alegre, Recife, Salvador e São Paulo. Apenas para ficarmos em três exemplos: em 2002, o índice de comprometimento da cesta básica com o salário mínimo era de 64,7%, em Belo Horizonte; 72,5%, em Porto Alegre e 70,5%, em São Paulo. Em 2006, esses índices caíram para, respectivamente, 49,5%, 51,8% e 51,9%.

    Além disso, com as condições mais favoráveis do mercado de trabalho devido ao aumento da formalização do emprego e da melhoria das condições macroeconômicas, os trabalhadores obtiveram ganhos expressivos nas negociações salariais, com reajustes iguais ou maiores que o INPC (Índice Nacional de Preço ao Consumidor). Em 2002, por exemplo, 53,5% dos acordos salariais tiveram reajustes iguais ou superiores ao INPC. Já em 2006, este índice foi de 96,4%.

    Finalmente, quando se analisam os indicadores de geração líquida de empregos formais por faixa de salário entre 2002 e 2006, observa-se um expressivo crescimento do número de postos de trabalho formalizados em 2004, 2005 e 2006, quando comparamos com anos de 2002-2003 e, essa tendência de crescimento do emprego formal, se manteve para o ano de 2007.

    De toda forma, o que se pode dizer, em resumo, é que houve um incremento significativo da renda, em termos percentuais e um expressivo aumento no que tange aos postos criados no mercado de trabalho.

    Embora em termos gerais o primeiro mandato de Lula tenha demonstrado uma certa timidez no que diz respeito a mudanças nas relações capital/trabalho, pode-se notar que entre os trabalhadores, mormente aqueles de renda mais baixa, houve avanços tanto em número de empregos, como em relação ao poder de compra dos salários. Os dados consolidados do Ministério do Trabalho e Emprego para 2006, por exemplo, indicavam a criação líquida de cerca de 1,3 milhão de empregos formais.

    INICIATIVAS EM DIREÇÃO A UMA REFORMA TRABALHISTA De modo geral, pode-se dizer que as iniciativas do executivo foram tímidas no que tange às reformas nas relações de trabalho ao longo da primeira gestão do governo Lula. Não houve propriamente uma "reforma trabalhista", mas medidas pontuais no que diz respeito às relações de trabalho e organização sindical. Embora essas medidas tenham sido importantes, não configuraram uma transformação significativa nas relações entre capital e trabalho no país.

    Em comparação com o governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2003), pode-se dizer que o primeiro período Lula estancou medidas de cunho neoliberal que vinham sendo estimuladas.

    Entre as principais iniciativas do governo Lula (2003-2006) no âmbito das relações de trabalho estão:

    Democratização dos espaços de formulação de políticas públicas

    • Fórum Nacional do Trabalho (espaço de diálogo e negociação para promover a reforma sindical e trabalhista); tem composição tripartite e paritária.
    • Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.
    • Mesa de Negociação do Funcionalismo Público.
    • Câmara Setorial do Serviço Público.
    • Conselho Nacional de Política Industrial.
    • Comissão Quadripartite do Salário Mínimo

    MP 294, de 8/5/2006

    • Criação do Conselho Nacional de Relações do Trabalho, por meio da MP 294.

    MP 293, de 8/5/2006

    • Reconhecimento das centrais sindicais para participação em conselhos e fóruns públicos, por meio da MP 293, de 8/5/2006.

    Projeto de Lei

    • Regulamentação do funcionamento de cooperativas de trabalho, resultado do consenso obtido no Conselho Nacional de Economia Solidária.

    Emprego doméstico: MP e projeto de lei de reconversão

    • Institui o desconto no IR anual da contribuição patronal ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) (limitada a um salário mínimo e a um empregado).
    • Institui as férias de 30 dias úteis para o emprego doméstico; estabilidade da gestante.

    MP de incentivo à microempresa

    • Diminuição de exigências da legislação trabalhista com vistas ao aumento da formalização do emprego.

    Para além de uma ampla participação de sindicalistas na composição do primeiro, segundo e terceiro escalões da administração pública, a vitória de Lula nas eleições presidenciais de 2002 trouxe, desde o primeiro momento, uma novidade ao cenário trabalhista e sindical. O governo convocou um Fórum Nacional do Trabalho, um espaço de diálogo e negociação, com o objetivo de "promover a reforma sindical e trabalhista".

    O documento "Reforma sindical: perguntas e respostas", do Fórum Nacional do Trabalho – Ministério do Trabalho e Emprego, de 2004, indica que a promoção das mudanças na estrutura da legislação trabalhista e das relações de trabalho deveria abranger, entre outros, estabelecimento de novas regras da organização sindical, incentivo à negociação coletiva, mecanismos de solução de conflitos, representação de trabalhadores nos locais de trabalho e promoção do diálogo social (e tripartite) por meio do Conselho Nacional de Relações do Trabalho.

    A metodologia de funcionamento do Fórum Nacional do Trabalho resultou na constituição de grupos de trabalho que tiveram em pauta os diversos assuntos relativos à reforma sindical e trabalhista, com vistas à busca de consensos possíveis, que pudessem atender os interesses diversos de trabalhadores, de empresários e do governo. A elaboração de um minucioso texto-proposta sugerindo mudanças na legislação – enviado ao Congresso Nacional na forma de emenda constitucional (PEC 369/2005) –, no primeiro mandato, acabaram não se concretizando, em face da forte resistência enfrentada pela PEC 369 no Congresso Nacional e da própria crise política vivida pelo país entre 2005 e 2006.

    Com a reeleição de Lula em 2006, o tema da reforma da estrutura sindical parece voltar à tona. A retomada da agenda de interesse direto dos sindicatos se deve ao compromisso assumido pelo presidente com suas bases sindicais mais próximas, como a CUT, que, no auge da crise política de 2005, mobilizou sindicatos e outras organizações de representação social em defesa do governo.

    Mas se a reforma sindical retorna agora ao centro do debate nacional, ela volta em um formato mais "fatiado", como atesta o Projeto de Lei 1990/2007, recém aprovado no Congresso Nacional (em 11/3/2008), que reconhece as centrais sindicais; e outro projeto ainda em discussão no Congresso que visa substituir o imposto sindical pela contribuição negocial.

    Na verdade, não parece que o modelo sindical corporativo brasileiro esteja às vésperas de sofrer transformações mais profundas. Parafraseando Antonio Gramsci, não vislumbramos uma "tomada do Palácio do Inverno", a partir dos caminhos dessa estrutura sindical corporativa que teima em se manter de pé desde os anos 1930. Talvez fosse mais apropriado falar, como Gramsci, de uma guerra de trincheiras, ou seja, uma mudança a partir de dentro do modelo sindical, e por isso mesmo, lenta.

    Talvez por isso, os resultados do Fórum Nacional do Trabalho tenham sido, até o momento, aquém do que se esperava, mesmo com a participação de setores preponderantes do sindicalismo, hoje abrigados na CUT, que à época da fundação da central defendiam uma transformação radical da estrutura sindical. Outros tempos aqueles.

    CONSIDERAÇÕES FINAIS A despeito de esforços os mais variados, de diferentes governos, em diferentes contextos históricos e, em particular, neste caso, de um poder executivo que tem como primeiro mandatário um ex-sindicalista não foram, ainda, criadas as condições para uma mudança mais significativa das relações capital/trabalho em nosso país.

    Para além das questões de economia interna do Fórum Nacional de Trabalho, do momento político em que foram consignadas suas conclusões, há problemas de fundo que, se não são impeditivos de uma transformação mais radical do edifício corporativo, trazem muitas dificuldades para a construção de um consenso mínimo sobre uma reforma sindical.

    Pois, se de um lado, encontramos experiências no âmbito das relações capital/trabalho no Brasil que se aproximam daquelas vividas por alguns países europeus – o caso do sindicato dos metalúrgicos do ABC é um exemplo, nesse sentido, – de outro, a realidade trabalhista de grande parte deste "continente" chamado Brasil mostra que a simples aplicação da CLT significaria uma verdadeira "revolução" na garantia de direitos sociais das classes trabalhadoras.

    Em resumo, essa conjuntura ajuda a entender a dimensão dos problemas do mundo do trabalho e os limites e possibilidades de uma reforma sindical, mas também revela as dificuldades e os dilemas de qualquer mudança mais significativa nas relações capital/trabalho, a partir de uma sociedade marcada por uma enorme desigualdade social.

     

    Iram Jácome Rodrigues é professor do Departamento de Economia e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da USP.

    José Ricardo Ramalho é professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da UFRJ.

    Jefferson José da Conceição é professor de economia da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (Imes) e do Departamento de Engenharia Ambiental do Centro Universitário Sena e economista do Dieese.

     

     

    NOTA BIBLIOGRÁFICA

    Lula seria reeleito em outubro de 2006, com votação igualmente expressiva.