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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.60 n.spe1 São Paulo jul. 2008

     

     

    GÊNESE DA VIDA HUMANA

     

    Antonio Rodrigues Cordeiro

     

    A gênese da vida humana na Terra é uma complexa história evolutiva devido ao excepcional desenvolvimento mental que nossa espécie alcançou, possibilitando a povoação gradual de todos os continentes, a partir da África, há cerca de 200 mil anos.

    Stringler e Gambler (1993) propuseram quatro graus na evolução dos Hominidae até o Homo sapiens sapiens, iniciando com os Australopitecinos há 4 milhões de anos, que adotaram uma posição ereta mas cujo crânio era reduzido a cerca de 1/3 do tamanho do crânio do homem atual. Os primeiros Homo habilis são reconhecidos cerca de 2 milhões de anos atrás como primitivos do gênero Homo, que inclui o Homo erectus da Ásia há pouco mais de 1 milhão de anos, que derivou do primitivo H. erectus da África há 2 milhões de anos. No estágio de Homo erectus, o cérebro dobrou de tamanho, mas não está claro quais as forças seletivas que levaram nosso cérebro a aumentar de tamanho nessa época.

    A maior parte dos utensílios permaneceu sem melhorias por milhões de anos; inovações maiores só ocorreram há 40 mil anos. Esse aumento da capacidade craniana em quase três vezes não parece ser devido somente ao aumento das habilidades técnicas: devemos acrescentar-lhe o aumento da complexidade da linguagem e do tamanho das tribos, ou grupos sociais segundo Dumbar (1992). Esse aumento de tamanho das tribos exigiu aumento das interações sociais e, conseqüentemente, da linguagem.

    Cerca de meio milhão de anos atrás, o Homo erectus estava vivendo nas regiões temperadas e tropicais da Europa, fato que suscitou uma disputa entre os que acreditavam que o H. sapiens se teria originado localmente nas diversas regiões e os que acreditavam na origem única, na África, subseqüentemente se expandindo pelo mundo, substituindo as populações locais do H. erectus. Essa última hipótese foi reforçada pela análise de DNA mitocondrial (mitDNA) por Cann et al. (1987). Sendo o mitDNA transmitido somente pela linha materna, seu grau de variação pode ser determinado. Cann e os demais autores estimaram que a mulher ancestral comum viveu há uns 200 mil anos atrás na África em uma pequena tribo. Essa conclusão é coerente com os dados sobre fósseis e arqueológicos.

    Há cerca de 40 mil anos, as populações da Europa e de outras regiões produziram grande variedade de artefatos, começaram a enterrar seus mortos, a pintar as paredes de suas cavernas e a negociar seus produtos, desenvolvimento esse que foi acompanhado pelo aprimoramento da linguagem.

    DESCOBERTAS RECENTES Apesar de haver controvérsia sobre os detalhes do processo migratório dos nossos ancestrais, os dados paleontológicos demonstram que, a partir da África central, houve uma ampla dispersão direcionada a norte, atingindo a Europa, e a oeste, chegando à China, há cerca de 45 mil anos. Na Europa, distinguimos o Neanderthal e o menos dominante Cromagnon, prováveis ancestrais do Homo sapiens sapiens. Aparentemente a vantagem do Neanderthal deveu-se à sua superioridade física, estrutura e tamanho de suas tribos, maior variedade de caça etc, sendo intrigante o fato de terem sido os Neanderthal indivíduos com significante superioridade no tamanho cerebral.

    O trabalho de Hong et al. (2007) sobre o homem da caverna de Tanyuan, "An early modern human from Tianyuan Cave, Zhoukoudian, China", descreve detalhadamente 34 elementos, datando-os em 39 mil a 42 mil anos de idade, usando modernos métodos de espectrometria de rádio carbono. Um esqueleto mostra uma série de características do homem moderno. Considerando que várias características arcaicas estão também presentes, o conjunto dessa mistura de características indica que uma única invasão do homem moderno proveniente da África não é provável.

    Esses achados de fósseis reforçam outros tantos que constam do quadro da evolução humana multifilética, rechaçando idéias da evolução supostamente monofilética. Essas descobertas reforçam a observação de que foi mais rápida a evolução dos Hominidae que a dos chimpanzés, em parte devida à vigorosa tendência migratória destes, exigindo um processo adaptativo mais amplo.

    Os Hominidae também se diferenciaram dos grupos de chimpanzés com relativa rapidez por terem uma estrutura de "pequenas populações semi-isoladas", tribos de algumas centenas de indivíduos, trocando genes, sendo sujeitas à deriva genética, oscilação genética que, segundo demonstrou Sewall Wrigth (1940), constitui um excelente complemento à seleção natural, acelerando o processo evolutivo pela perda e/ou fixação casual de novos mutantes, posteriormente sujeitos à seleção natural.

    Em grandes populações, os novos mutantes têm menos chance de se expressar, enquanto não alcançam freqüências suficientes. A concepção de Sewall Wright constitui a mais importante contribuição para a teoria evolutiva darwiniana, completando-a, e, no caso da gênese da vida humana, fornecendo a chave para explicar a diferenciação da "linhagem" humana das demais do grupo de populações de primatas.

    Ainda podemos perguntar: que outras vantagens tiveram essas populações para desenvolverem tanto sua capacidade mental? Se a inteligência é uma vantagem para toda e qualquer espécie ou raça, é provável que a supremacia dessas populações foi favorecida por essa vantagem na dinâmica da estrutura em pequenas populações semi-isoladas.

    Bakewell, Shi e Zhang (2007) testaram a opinião comum segundo a qual mais genes foram selecionados positivamente em humanos do que em chimpanzés, nos últimos 6 a 7 milhões de anos de sua divergência e isolamento.

    Para testar essa hipótese analisaram cerca de 14 mil genes de humanos e chimpanzés que mostraram substituições não sinônimas. Os autores estudaram 154 genes em humanos e 233 genes em chimpanzés, e com P = 5% pelo método da máxima verossimilhança foi obtido 1,7% para os chimpanzés e 1,1 % para o H. sapiens sapiens.

    A questão é: quais são esses genes e qual sua importância na evolução humana e dos macacos? Os humanos evoluindo em pequenas populações semi-isoladas foram beneficiados por um processo evolutivo mais rápido, associando a seleção natural com a deriva genética (genetic drift).

    Outro interessante trabalho sobre o homem moderno foi desenvolvido por uma equipe liderada por Erik Trinkaus, analisando fósseis de primitivos homens modernos da caverna de Tianyuan, Zhoukoudian, China, de 42 mil a 39 mil anos atrás. As óbvias diferenças na mandíbula, úmeros e peitorais indicam sua posição como um humano moderno primitivo, migrante direto da África, no fim do Pleistoceno, confirmando que houve uma dispersão múltipla da África, com sucessivas migrações.

    Essa dispersão foi em todas as direções a partir de uma ampla zona central da África para o norte, alcançando a Europa e daí para o Oriente; outros grupos atravessaram o centro da Abissínia, os estreitos do Mar Vermelho e do Golfo Pérsico em direção à China, enquanto outros foram para o norte da África, atravessando o delta do Nilo em direção ao leste atingindo a China. Esses migrantes apresentam características variáveis que são distintivas dos Neanderthal e ancestrais, que foram perdidas entre os africanos do Paleolítico moderno. Essas características incluem a forma craniana, a base cranial externa, ramal mandibular, forma sinfiseal, morfologia dentária, além de proporções antero-posteriores, assim como aspectos das clavículas e metacarpos. Concluindo, os autores indicam que houve um modesto nível de assimilação dos Neanderthal que se dispersaram na Europa, e essa análise coincide com os dados moleculares atuais e do passado.

    Quais os fatores determinantes da divergência evolutiva do Homo sapiens sapiens que promoveram a separação definitiva dessa espécie das diferentes formas do gênero Homo? Todos os dados indicam que a exclusão dos dinossauros facilitou o domínio dos mamíferos, dentre os quais os placentários se mostraram mais ativos, talvez por não se isolarem em um continente reduzido. As vantagens dos antropóides e do Homo s. s. foram mais consistentes para o progressivo uso das mãos, conduzindo o cérebro ao aperfeiçoamento da visão próxima, detalhada, e o progressivo uso de utensílios, a manufatura de armas, a representação simbólica de seus sentimentos, desejos e temores. O custo, em termos de tempo, para a evolução biológica da célula aos vermes procordados foi de 3,5 bilhões de anos; depois, para toda a evolução dos seres multicelulares até o H. sapiens sapiens foram suficientes 650 milhões de anos.

     

    Antonio Rodrigues Cordeiro é professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e foi fundador do Departamento de Genética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

     

     

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

    BAKEWELL, Margaret A.; SHI, Peng & ZHANG, Jianzhi. 2007. "More genes underwent positive selection in chimpanzee evolution than in human evolution". PNAS 104, pp. 7489-7494.

    CANN, R. L.; STONEKING, M. & WILSON, A. C. 1987. "Mitochondrial DNA and human evolution". Nature 325, pp. 31-6.

    DUMBAR, R. I. M. 1992. "Neocortex size as a constraint on group size in primates". Journal of Human Evolution 20, pp. 469-93.

    DOBZHANSKY, Th. 1951. Genetics and the origin of species. Nova York: Columbia University Press.

    HONG, Shang; TONG, Haowen; ZHANG, Shuangquan; CHEN, Fuyon & TRINKAUS, Erik. 2007. "An early moderm human from Tianyuan Cave, Zhoukoudian, China". PNAS 104, pp. 6573-78.

    MAYNARD SMITH, J. & SZATHMÁRY, Eörs. 1995. The major transitions in evolution. Oxford: W. H. Freeman Spektrum.

    STRINGLER, C. & GAMBLER, R. 1993. In search of the Neanderthals: solving the puzzle of human origins. Londres: Thames and Hudson.

    TRINKAUS, Eric. 2007. "European early modern human and the fate of Neandethal". PNAS 104, pp. 7367-7372.

    WRIGHT, Sewall. 1940. "The breeding structure of populations in relation to speciation". American Naturalist 74, pp. 148-232.