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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.61 no.1 São Paulo  2009

     

     

     

    EXPERIMENTAÇÃO ANIMAL

    Aprovada, Lei Arouca exigirá investimentos para ser colocada em prática em instituições de pesquisa

     

    O Brasil finalmente possui uma lei federal que regulamenta a experimentação animal. Em 8 de outubro último, após treze anos de tramitação, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei Arouca, que estabelece critérios para "a criação e a utilização de animais em atividades de ensino e pesquisa científica, em todo território nacional", como define o início do texto legislativo. Aguardada com ansiedade pela comunidade científica, sem dúvida, a legislação representa um grande avanço, mas especialistas apontam que as instituições terão que se ajustar às novas normas e haverá a necessidade de se buscar uma maior participação da sociedade, além de incentivos para o desenvolvimento de técnicas alternativas à utilização de animais em pesquisa.

    Em seis capítulos, a Lei Arouca (nº 11.794) estabelece um conjunto de regras, como a criação do Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea), e a constituição de Comissões de Ética no Uso de Animais (Ceuas). Além disso, lista as condições de criação e uso dos animais e as penalidades administrativas às instituições que transgredirem as suas disposições e seu regulamento. "A lei cria uma política nacional do uso de animais, que vai contribuir para o desenvolvimento do país e da ciência", afirma Wothan Tavares de Lima, biólogo e presidente da Comissão de Ética do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP). Para ele, com esse importante marco regulatório, a comunidade científica passa a se mobilizar cada vez mais quanto aos aspectos éticos do uso de animais em experimentação.

    Passam a ser exigidos ajustes de infra-estrutura e de cuidados com os animais em diversas instituições de pesquisa. "As agências nacional e estaduais de fomento têm agora que estimular os pesquisadores para atender às exigências impostas pela lei", avalia Marcelo Marcos Morales, presidente da Sociedade Brasileira de Biofísica e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Por exemplo, o acondicionamento dos animais em biotérios deverá seguir certas especificações. Segundo Morales, as universidades ainda não estão atentas a tais exigências. "Precisaremos de funcionários especializados em bioterismo, com cursos específicos nas universidades e centros de pesquisa, uma vez que este é um parâmetro que a lei incentiva a mudar".

     

     

    Para o professor da UFRJ, um ganho importante com a aprovação da lei é que os pesquisadores já não são mais ameaçados por leis municipais que proibiram a experimentação animal, como se tentou no Rio de Janeiro e se fez em Florianópolis. "Leis pontuais estão inibidas", enfatiza.

    HARMONIA Segundo o professor de medicina na Universidade Estadual Paulista (Unesp), William Saad Hossne — que foi coordenador da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) de 1996 a 2007 — a lei contribui para o melhor equacionamento do uso dos animais em pesquisa, sobretudo, porque não dá margem a atitudes radicais e desarmônicas, de qualquer natureza. No entanto, ele pondera que "o ideal teria sido estabelecer um sistema de ética na pesquisa animal, a exemplo do que fizemos com a ética na pesquisa em seres humanos (Resolução 196/96 e complementares)".

    Proposta inicialmente pelo médico, sanitarista e então deputado Sérgio Arouca (1941–2003), a lei deverá ser regulamentada 180 dias após a data de sancionamento. "É o momento de estabelecer diretrizes regulamentares de natureza bioética, baseadas em juízo de valores, protegendo os animais de laboratório, reconhecendo direitos e estatuto moral dos animais e, ao mesmo tempo, não impedindo o avanço do conhecimento, em benefício não só dos seres humanos, como dos próprios animais em geral", avalia Hossne. Nesse contexto, há interesse dos próprios pesquisadores para que isso ocorra, não só pela sua própria conduta ética, mas também pela manutenção de padrões de qualidade da pesquisa. O professor da Unesp defende que o processo todo deve ser operacionalizado e submetido a controle social.

    ASPECTOS TÉCNICOS E FILOSÓFICOS A discussão sobre a experimentação animal é complexa. Mas, para Whotan Tavares, há dois aspectos a serem discutidos, um técnico, especificado na lei, e outro mais filosófico, sobre o que pensamos a respeito do uso do animal em experimentação. Questões filosóficas surgem após o comprometimento ético. "Estamos apenas começando o processo de amadurecimento sobre a questão ética do uso dos animais. O primeiro passo, fundamental, foi a aprovação da lei". O que não exclui, porém, a necessidade de agências de fomento investirem, de forma eficaz e ininterrupta, na busca por métodos alternativos, conclui.

     

    Cristina Caldas