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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.61 no.1 São Paulo  2009

     

    DOCUMENTÁRIOS

    INTEGRAÇÃO DO HOMEM COM A NATUREZA É FOCO DE PRODUÇÕES EM VÍDEO

     

     

     

    Nos anos 1970, em Amaral Netto, o repórter o jornalista desbravava longínquos e selvagens pontos do Brasil em seu programa, exibido então pela TV Globo, num misto de propaganda política ufanista com aventuras no estilo safári (safari film), um gênero de documentário bastante popular desde os anos 1920. A natureza intocada e os povos misteriosos que a habitavam foram tema recorrente seja no exterior – e Jean Rouch foi o marco desse cinema na França de 1950 com filmes realistas sobre a vida na África – seja por documentaristas brasileiros, e Amaral Netto foi o que teve maior respaldo para sua produção televisiva, com apoio, inclusive, de oficiais do exército, que guiavam e protegiam o jornalista e sua equipe.

    Quase quarenta anos depois, produzir esse tipo de aventura ficou complicado, pois o enfoque hoje é outro. "Ficcionalizar um espaço hostil na natureza está cada vez mais difícil, pois não se trata agora de vencer a selva, mas protegê-la dos verdadeiros seres selvagens, os homens 'civilizados'", diz Thales Haddad de Andrade, professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e autor do livro Ecológicas manhãs de sábado: o espetáculo da natureza na televisão brasileira (Annablume/Fapesp, 2003).

    O impacto sobre o clima devido ao modo de vida dos países industrializados e as guerras na África contribuí­ram, também, para deixar claro que a natureza intocável está à mercê dos movimentos econômicos e sociais globais, afirma Haddad. Esse mesmo movimento de globalização, porém, acabou por permitir uma visão mais localizada das temáticas sobre a natureza e a ecologia, o que resultou num grande impulso de produções locais na última década. Além disso, o pesquisador ressalta como impulsionador do estilo a diminuição dos custos de equipamentos para produção e edição de vídeos, o que facilita a atuação de pequenas produtoras nesse nicho de mercado, o que inclui o Brasil.

    PRODUÇÕES INTERNACIONALIZADAS Com a aprovação da lei que possibilitou a criação de modelos de co-produção entre canais estrangeiros e produtoras nacionais e a criação da Agência Nacional do Cinema (Ancine), o interesse de produtores internacionais no mercado regional aumentou. O artigo 39 da MP-2228, de setembro de 2001, que criou a Política Nacional do Cinema e do Audiovisual, é especialmente comemorado, pois resultou em uma renúncia fiscal do governo em prol das produtoras independentes nacionais. Fora isso, uma linha especial do BNDES, chamada Procult, também deu um sopro de vitalidade no mercado de produção audiovisual nacional.

    Lawrence Wahba, documentarista de natureza há mais de 20 anos, destaca que, mais do que o aumento do interesse pelo país, houve uma melhora nas condições para esse tipo de produção. "Há diferentes modelos de negócio possíveis, atualmente, e várias produtoras em São Paulo e no Rio de Janeiro já trabalham em esquemas de parcerias com canais como National Geographic (NatGeo) e Discovery Channel", diz. Wahba é parceiro da NHNZ, produtora neozelandesa que é referência na área de documentários de natureza e também fez a produção executiva da série Across the Amazon, para o canal NatGeo.

     

     

    Existem três modelos mais comuns para produções nacionais de porte internacional, e praticamente inexistentes no mercado local, segundo Wahba: o prodution service, serviço de apoio de produção para uma equipe de gravação que vem de fora e com a pauta já estabelecida; o comissioning, que realiza uma encomenda do roteiro e jornalismo para um tema; e a co-produção, na qual a produtora nacional e a internacional têm pesos iguais nas decisões. "Em todos esses modelos é necessário um padrão editorial global. Existe um rigor altíssimo quanto à informação e, normalmente, entregamos um script com anotações e referências bibliográficas, além de seguir à risca a 'bíblia' da produção", descreve o documentarista, referindo-se a um manual de estilo abrangente de um determinado canal de TV. Por seu lado, as produtoras brasileiras estão cada vez mais integradas a esse processo de produção ganhando a confiança do mercado, o que as credencia para serem cada vez mais autônomas e inverterem a lógica ao sugerirem os temas para os compradores internacionais.

    MODELOS E PADRÕES Ciro Porto, diretor de jornalismo da EPTV, afiliada da TV Globo em Campinas (SP), salienta que regiões, como a África, foram amplamente abordadas em documentários sobre a natureza. "É possível reformular as narrativas, mas não as temáticas. No caso do Brasil e América do Sul, tudo está sendo descoberto, é tudo novo. Descoberto, é claro, pela televisão e, consequentemente, pelo público comum", ressalta.

    As mudanças não se restringem ao plano geográfico, mas, de modo mais sutil, também no campo estético e narrativo. "O padrão BBC dos anos 1970 e 1980 perdeu espaço. O que era mais documental está se tornando mais jornalístico, mais crítico, não no sentido radical, mas no de entender que a ocupação humana está acontecendo e que essa população que vive no meio da Amazônia, não pode simplesmente ser expulsa; há que se adotar um tipo de desenvolvimento sustentável, aprender a trabalhar com áreas de manejo", afirma Lawrence Wahba. Percebe-se, ainda, um certo frescor nesse tipo de programa, com a busca de uma linguagem mais adaptada ao público jovem, segmento onde cresce o interesse por temas referentes à ecologia e preservação.

    Um indicativo dessa demanda já pode ser notado nos programas da TV aberta, onde a temática de preservação ambiental, animais e natureza aparecem cada vez com mais frequência em programas populares e comerciais como Domingão do Faustão (Rede Globo) ou no Programa da Eliana (Rede Record), além de inúmeras reportagens especiais em telejornais. Além disso, esses canais abertos incluem em sua grade séries específicas sobre tal temática, como Globo Repórter (desde 1973), Repórter Eco, produção premiada da TV Cultura, desde 1992, Globo Ecologia (1993), Repórter Record (1997), e, mais recentemente, SBT Repórter.

    CONSCIÊNCIA AMBIENTAL Ciro Porto, que também é diretor do programa Terra da Gente cujo viés é a conservação ambiental, considera que essas reportagens perderam um pouco o tom de denúncia para privilegiar o trabalho de construção de uma educação ambiental. Em sua opinião, muito do saber científico ainda não é conhecido pelo grande público e essa é uma das missões dos documentários. Vera Diegoli, editora-chefe do Repórter Eco, também acredita que é preciso conscientizar as pessoas dessa situação de co-dependência entre homem e natureza e trazer os problemas para uma situação, e uma resolução, concreta. O trabalho realizado nas universidades, nos centros e institutos de pesquisa ajuda a  conhecer e conservar a biodiversidade mundial, acrescenta a jornalista da TV Cultura. Para Porto, além das informações, a expectativa é que o crescimento do público para esse tipo de programa televisivo reforce o respeito e a vontade de preservação da natureza.

     

    Enio Rodrigo